Goiânia 90 anos: retratista relembra um centro goianiense que não existe mais
Marcos José de Jesus atende diariamente "operários da CLT" na capital
“Era tudo analógico. Não tinha esse sistema digital. Demorava muito, tinha filme, era muito mais rústico.” A descrição que o retratista Marcos José de Jesus faz remete há, pelo menos, duas décadas, em Goiânia, que chega aos 90 anos nesta terça-feira (24). Era o início dos anos 2000, mas a digitalização ainda caminhava a passos lentos. Sequer tinham as hoje esquecidas câmeras digitais e os celulares ainda não tinham ganhado popularidade.
Quem quisesse tirar uma foto 3×4 para atualizar a carteira ou um documento tinha que recorrer aos serviços de pessoas como Marcão, como é conhecido na região. O retratista possui uma cabine em frente à Praça Cívica. O ponto na esquina com a Avenida Araguaia já foi um dos mais cobiçados no passado. “Mas hoje tá minguado”, faz a ressalva.
Os tempos mudaram. Hoje, dá para fazer boas fotos para documentos com um celular em mãos e gradativamente as pessoas deixaram de procurar o trabalho de Marcão. Nem sempre foi assim. “A gente até já fez eventos do provão que a pessoa ia pessoalmente fazer a matrícula para fazer as provas. Já teve semana de eu bater 1.000 pessoas. Isso no começo dos anos 2000”, relembra.
Atualmente, Marcão se vira como pode. Ele relata dias em que atende aproximadamente 10 pessoas. Em outros, alguns poucos. “O trem tá [sic] meio difícil, hein?”, destaca. Cada cartela com 8 fotos é comercializada a R$ 30. “Fica em cima para cobrir todos os custos que a gente tem.”
É preciso correr contra o tempo e não raro o retratista recorre a corridas em aplicativos de transporte para complementar os ganhos. “A gente fica no vermelhinho. Fecha no vermelho, termina no vermelho. A gente tem que se reinventar… A inflação tá presente na vida do brasileiro”, conta.
No passado, os clientes de Marcão não tinham um perfil específico. Da doméstica ao grande empresário, todos lhe procuravam para adquirir uma foto 3×4. “Hoje são os operários. Os empregados da CLT que vão entrar na empresa e ser registrados. O pessoal exige ainda foto para colocar lá no formulário do RH”, conta em tom quase antropológico.
Marcão se considera um “sobrevivente” em um mercado que foi praticamente suplantado por conta da era digital. Mas acredita que terá fôlego para continuar mais algum tempo. “Ao meu ver, tem pessoas que não conseguem acesso o digitalização. Alguns não querem se adaptar mesmo. Acho que não é para todo o mundo. Por exemplo, o Pix foi criado e nem todo mundo quer usar. A maioria da população, claro, tem acesso e não vai vir aqui tirar uma foto 3×4. Infelizmente, ou felizmente a tecnologia não é para todo o mundo”, salientou.
Quando se fala em reformulação do centro da cidade, Marcão até esboça um ar otimista, mas teme que os interesses eleitoreiros norteiam o debate e o assunto fique apenas no discurso. “O pessoal fala em revitalização. A gente ouve que isso pode acontecer e precisa mesmo. Eu não sei quando virá e se o poder público vai conseguir fazer algo efetivo, que não seja algo politiqueiro. O ano da eleição está chegando, os políticos prometem muita coisa. Claro, a gente torce né? O Centro não pode ficar como tá”, destaca.
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