“Em Goiânia ninguém gosta do grafite. As pessoas na verdade gostam do barulho que o grafite faz”
A partir da metade do mês de janeiro deste ano o prefeito de São Paulo,…
A partir da metade do mês de janeiro deste ano o prefeito de São Paulo, João Doria, resolveu executar seu plano de apagar quase que a totalidade das obras em grafite presentes nos muros da Avenida 23 de Maio, uma das mais movimentadas da cidade. A medida, considerada autoritária por ter sido tomada sem nenhum diálogo com os artistas ou com a população, se tornou um ponto de discórdia na gestão do chefe do Executivo da maior metrópole do País.
O muros grafitados em 2015 em um projeto do ex-prefeito Fernando Haddad compunham o que era considerado o maior mural de arte urbana da América Latina. A instalação, apesar de recente, já era parte da rotina e da cultura dos paulistanos, o que torna compreensível a reação de parte da população, artistas e setores da imprensa.
O efeito da ação entre os próprios grafiteiros, porém, não foi o mesmo. Afinal, o grafite é um estilo de arte que, por sua própria natureza marginal, se resigna em sua efemeridade. “Os grafiteiros estão acostumados a ver os grafites sumirem e aparecerem na cidade”, resume o presidente da Associação dos Grafiteiros de Goiás (AGG), Eduardo Aiog. “O grafite interfere, mexe com o cotidiano das pessoas. Ele está na rua, num dia você passa não tem mais, e no outro dia tem outra pintura. Isso aí que é o legal.”
O artista, que há quase 20 anos desenvolve trabalhos de arte urbana, acredita que a reação provocada pela medida pode acabar se desenrolando de forma positiva para o movimento, o que não quer dizer que ele não tenha suas críticas à forma com que ocorreu o processo. “A gente também achou uma grande maldade o que o Doria fez, pela questão de que ele passou por cima de alguns painéis que ainda estavam com qualidade. Não teve ética no lance, não foi avisado”, disse.
Eduardo avalia que a medida da prefeitura paulistana vai revolver contra ela mesma e representar nada mais que uma gastança desnecessária de recursos públicos. “Se deixar de cinza a pichação vai comer, e até por isso que tinham grafitado a 23 de Maio, porque ninguém conseguiu controlar esse tipo de coisa”, pontua. “Eu acho que vão pintar [os grafites] tudo de novo.”
Realidade goiana
A ação quase intempestiva de Doria destoa da realidade goiana, onde os grafiteiros contam com, no mínimo, a cordialidade do poder público. “É uma relação de respeito, inclusive com a Polícia Militar. Existe isso por aqui”, afirma Eduardo.
Essa aparente falta de atritos entre grafiteiros e autoridades talvez reflita a relação cada vez mais amistosa da própria sociedade com a arte urbana. No entanto, o presidente da AGG enfatiza que mesmo muitos dos que se dizem apreciadores do grafite não sabem reconhecer de fato qual é sua essência.
“Aqui em Goiânia ninguém gosta do grafite. Gostam dos murais, dos personagens, dos bonecos, das florzinhas, da paisagem, do que é bonito. Grafite, grafite mesmo, são os trabalhos vinculados a letras e quem gosta deles tem que gostar de tudo, até da pichação”, assevera Eduardo. “O entendimento de arte da sociedade é limitado, mas ao mesmo tempo há muitos brasileiros cabeça aberta que adoram toda interferência urbana, que veem arte até na pichação. Esses estão preparados para gostar do grafite. Os outros na verdade gostam do barulho que o grafite faz, não entendem que a essência do grafite é a pichação.”
Iniciativas
Sabendo apreciar ou não o grafite como forma de arte, o respaldo de grande parte da população à expressão — que se traduz sobretudo na multiplicação de fotos pelas redes sociais em pontos da cidade que se tornam momentaneamente icônicos – resultou inclusive em ações de incentivo do governo estadual e também da prefeitura da capital, ao menos na gestão do ex-prefeito Paulo Garcia.
Da parte do governo estadual, o projeto Arte Urbana no Brasil Central reuniu 30 artistas urbanos em sua primeira edição, em 2014. O saldo de 10 mil visitantes propiciou uma segunda edição, ocorrida no ano passado, igualmente bem-sucedida. Ambos os casos contaram com o apoio do Programa Estadual de Incentivo à Cultural (Lei Goyazes).
No âmbito municipal, o projeto Galeria Noturna, também executado em duas edições (2014 e 2016), teve como objetivo revitalizar o centro, transformando as portas de estabelecimentos comerciais na Avenida Goiás em obras de arte. Tal qual aconteceu na 23 de Maio, a medida servia também como forma de coibir a pichação.
As iniciativas certamente são um avanço, mas para Eduardo são esforços ínfimos frente à realidade da arte urbana no Estado. Até por isso há dois anos ele resolveu tomar frente, junto a outros artistas, e criar a AGG, por meio da qual já foram realizados eventos significativos, como as edições do Festival Beco, no Beco do Codorna, e o Kings Zone, que no último 29 de janeiro reuniu dezenas de artistas para revitalizar o ginásio da Avenida T-9.
De acordo com Eduardo, a entidade deve futuramente trabalhar na capacitação de artistas e atuar diretamente junto ao poder público. “A ideia é poder dialogar frente a frente com a prefeitura para que não aconteça o que aconteceu em São Paulo. Se tivesse uma associação dos grafiteiros por lá certamente teriam voz para conversar com a prefeitura e ver o que resolveriam”, pondera.