Agronegócio

Goiás entra na rota da produção sustentável de baunilha do Cerrado

Parcerias tem o objetivo de orientar o manejo sustentável nas comunidades extrativistas e permitir a difusão em importantes mercados dos produtos extraídos

O trabalho de extração de baunilha do Cerrado desenvolvido pelas comunidades quilombolas em Cavalcante, na região Norte de Goiás, chamou a atenção de um dos maiores chefs da atualidade, Alex Atala. À frente do Instituto Atá, o chef e demais pesquisadores da biodiversidade brasileira, principalmente no que se refere a ingredientes e especiarias utilizadas na gastronomia, buscam junto a comunidades extrativistas desenvolver parceria para orientar o manejo sustentável e permitir a difusão em importantes mercados dos produtos extraídos.

No início de fevereiro, Alex Atala e parte da sua equipe estiveram nas comunidades kalunga Vão de Almas e Engenho 2, acompanhados por integrantes da Superintendência da Igualdade Racial, da Secretaria Cidadã, para ver de perto a produção agroflorestal de baunilha. “Só há três sabores reconhecidos e apreciados em qualquer parte do mundo: morango, chocolate e baunilha. Isso mostra a importância desse produto para vocês. A baunilha tem que existir para reforçar a cultura de vocês”, disse Atala em reunião com os kalunga em Cavalcante.

O projeto a ser desenvolvido em parceria entre o Instituo Atá e as comunidades quilombola kalunga visa a implantação de viveiros para produção sustentável de mudas de baunilha do Cerrado, diretamente na comunidade Vão das Almas. As famílias participantes vão receber cursos sobre o manejo e o beneficiamento da iguaria. Para isso, a Fundação Banco do Brasil vai liberar financiamento no valor de R$ 382 mil. Outro parceiro do projeto é a Central do Cerrado, uma organização que auxilia cooperativas no desenvolvimento comercial de seus produtos.

“Esse projeto ganha uma importância especial para nós à medida em que, além de representar desenvolvimento econômico e social para as nossas comunidades, pode ser também uma perspectiva de futuro para nossos jovens, que normalmente buscam estudo e trabalho fora daqui, na capital ou em outras regiões”, comentou Vilmar Souza Costa, presidente da Associação Quilombo Kalunga.

A pesquisa sobre a viabilidade do manejo sustentável da baunilha foi iniciada pelo instituto em 2014, época em que Alex Atala elencou os ingredientes especiais autênticos da culinária brasileira. Junto à baunilha, o chef despertou interesse também pela pimenta Baniwa e pelo cogumelo Yanomami, ambos nativos da região da Floresta Amazônica.

No Norte goiano, o projeto visa desenvolver a cultura da baunilha típica do Cerrado, presente na Chapada dos Veadeiros. O objetivo principal é transformar a realidade socioeconômica da comunidade extrativista, bem como conservar a biodiversidade e a cultura dos quilombolas.

Para desenvolver o projeto, o Instituto Atá conta com diferentes profissionais, entre pesquisadores e técnicos no cultivo da planta, beneficiamento e gestão comercial de produtos agro sustentáveis. A equipe de coordenação do projeto também possui representantes da própria comunidade kalunga, incluindo o presidente da Associação Quilombo Kalunga e outros moradores da comunidade. Outras visitas do grupo a Cavalcante para detalhar o planejamento do projeto devem ser confirmadas para março.

Baunilha

Aromatizante natural de alto valor, a baunilha é um tipo de orquídea do gênero vanilla originária da América Central. No Brasil, espalha-se pelos biomas Mata Atlântica e Cerrado. Seu poder de dar sabor aos alimentos vem dos grãos da vagem da planta. Ainda verde, essa vagem não tem gosto nem cheiro, sendo preciso deixá-la secar ao sol ou em estufa para o seu preparo inicial, que conta com fermentação natural.

O extrato é obtido da vagem seca, que posteriormente é submetida a soluções alcoólicas. Na cultura kalunga em Goiás, a baunilha costuma aromatizar também a cachaça. Na visita ao Empório Kalunga em Cavalcante, o chef Alex Atala foi apresentado a uma dessas aguardentes.

Desenvolvimento da comunidade

A Secretaria Cidadã, por meio da Superintendência da Igualdade Racial, está diretamente ligada ao desenvolvimento do projeto, contribuindo no estreitamento de relações entre o Instituto Atá e os membros da comunidade kalunga. A primeira visita de reconhecimento promovida por Alex Atala e sua equipe foi acompanhada pela gerente de projetos intersetoriais e comunidades tradicionais, Lucilene dos Santos Rosa. Ela explica que, até os dias de hoje, a extração da baunilha do Cerrado é feita de forma muito artesanal e sem o cunho comercial. “Hoje, a baunilha é utilizada na comunidade para consumo próprio na forma de licores e da sua essência. Sua comercialização na loja de produtos kalunga é feita de forma muito inexpressiva. Com a capacitação promovida pelo Instituto Atá em parceria com a ONG Central do Cerrado, a comunidade vai potencializar seu cultivo e seu correto beneficiamento para que a especiaria ganhe o mercado nacional e até internacional”, relata a gerente.

Na próxima visita dos técnicos do Instituto serão eleitas as famílias que vão receber a capacitação para atuar nos viveiros e no beneficiamento das favas. A intenção é que a baunilha gere subprodutos beneficiados atendendo aos requisitos necessários para sua exportação. A Central do Cerrado será a responsável por abrir mercado para o produto, que também poderá ser comercializado direto pela comunidade. Conforme relata Lucilene, será trabalhada uma identidade visual para os produtos derivados da baunilha do Cerrado, alçando a iguaria a patamares de comercialização internacional.