Sem concurso

Goiás quer procurador sem concurso

Governo propõe regulamentar emenda que promove advogados a procuradores autárquicos automaticamente; custo pode ser de R$ 80 milhões

Um projeto de lei que pode custar R$ 80 milhões por ano aos cofres de Goiás e é pivô de uma batalha judicial no Supremo Tribunal Federal desde 2015 ganhou novo capítulo. Na semana passada, o governo de Marconi Perillo (PSDB) apresentou ao Legislativo do Estado proposta para regulamentar a promoção, sem concurso público, de 142 advogados, gestores jurídicos e procuradores jurídicos ao cargo de procurador de autarquia.

Considerando o salário atual dos servidores, alguns chegariam a triplicar seus vencimentos caso a proposta que regulamenta a emenda que alterou a Constituição Estadual em 2014 seja aprovada na Assembleia Legislativa de Goiás. De acordo com o projeto de Perillo, o subsídio inicial do procurador autárquico será fixado em R$ 14,1 mil. Em média, gestores, procuradores jurídicos e advogados ganham R$ 8 mil.

Na prática, um procurador de autarquia é equivalente a um procurador de Estado, mas voltado exclusivamente para a defesa de assuntos relacionados a autarquias estaduais. Esse cargo tem sido extinto em diversos Estados, como São Paulo, onde os procuradores de Estado acumulam as duas funções.

Em Goiás, a proposta de regulamentação da emenda em debate no Legislativo pode mudar os vencimentos até de quem não está na ativa. Isso porque ela prevê que aos aposentados com direito a paridade é “facultado optar pelo sistema remuneratório instituído pela lei, hipótese em que terão os seus estipêndios de aposentadoria e pensão parametrizados de acordo com o correspondente salário ou subsídio fixado para seus pares em atividade”.

Essa paridade proporcionaria a uma parcela dos inativos – os que recebem R$ 4 mil – a chance de triplicar o valor de suas aposentadorias. Nos cálculos do vice-presidente regional da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, Tomaz Aquino, a regulamentação do projeto terá impacto aproximado de R$ 80 milhões por ano.

“O processo é o pernicioso, não só porque permite a transposição imediata, mas porque mantém a janela de enquadramento eternamente aberta. É um trem da alegria permanente”, afirma Aquino. A janela a que ele se refere diz respeito ao número de funcionários que poderiam ser promovidos. Hoje, segundo o governo de Goiás, o efetivo de advogados, gestores jurídicos e procuradores jurídicos é de 142, mas o número criado de procurados autárquicos chega a 160.

Supremo. A Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal entrou com Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF para questionar a emenda de 2014, pedindo a suspensão da tramitação do projeto que a regulamenta até que a questão seja julgada pela Corte. O caso está sob relatoria do ministro Luís Roberto Barroso. Na contramão, entidades de classe, como a Associação Goiana dos Advogados Públicos, entraram com pedidos pela improcedência da ADI.

O ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot já deu parecer pela inconstitucionalidade. “A emenda 50/2014, a pretexto de reunir em única carreira servidores e empregados públicos que exerciam atribuições idênticas ou assemelhadas a representação judicial e consultoria jurídicas de autarquias estaduais, operou verdadeira transformação de cargos, com burla à cláusula constitucional do concurso público”, afirmou.

Segundo Perillo afirmou em texto enviado à Assembleia, o projeto “não implica, necessariamente, em aumento de despesa de tamanha envergadura”. Segundo o tucano, há previsão expressa no projeto de lei de que 100% das causas ganhas pelo Estado tenham seus valores revertidos ao Tesouro pelo prazo de três anos consecutivos, a partir de 2017, como uma espécie de compensação pelos novos gastos a serem assumidos pelo Estado.

‘Contrabando’. As atribuições do cargo de procurador autárquico foram inseridas como ‘contrabando’ (nome dado aos tema incorporados de última hora em proposta que tratam de outro assunto) a uma emenda constitucional que, inicialmente, tratava da desvinculação de receitas de órgãos, entidades e fundos do Estado.

Em meio à pauta orçamentária, os deputados também aprovaram artigo que extingue os cargos de procurador e de gestor jurídico do Estado e os assegura “tratamento remuneratório isonômico com os procuradores autárquicos”. Desde que foi aprovada, no entanto, a emenda estava pendente de regulamentação e por isso ainda não foi aplicada.

O ‘’contrabando’ foi incluído pelo então líder do governo na Assembleia, Fábio Sousa (PSDB), hoje deputado federal. “Como os gestores, procuradores jurídicos e advogados já desempenhavam a mesma função dos procuradores autárquicos, foi um reconhecimento a essa classe. Não é um trem de alegria, porque eles já são concursados e, com o projeto, demos a segurança jurídica para que desempenhem suas funções.”