Risco do Toxicológico Vencido

Goiás tem mais de 125 mil motoristas com exame toxicológico vencido

Segundo levantamento, fiscalização do uso de álcool e drogas nas estradas brasileiras é ineficiente.

Caminhoneiro com exame toxicológico vencido provoca engavetamento na BR-153 (Foto: Divulgação/PRF)

Números inéditos do SOS Estradas mostram que Goiás tem mais de 125 mil motoristas profissionais com exame toxicológico vencido. E que apesar de existir fiscalização por parte da Polícia Rodoviária Federal (PRF), a maioria dos Departamentos Estaduais de Trânsito (Detrans) do Brasil não estão multando quem dirige embriagado, sob efeito de drogas ou até mesmo quem esteja com o teste toxicológico vencido.

O exame serve para controlar o uso de drogas por motoristas que dirigem veículos pesados em rodovias, mas que também cruzam as cidades, os que transportam muitos passageiros como os de ônibus e em alguns casos até quem transporta criança em vans escolares.

Em Goiás, segundo dados da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), 125.174 condutores estão com o exame vencido. Procurado o Detran de Goiás não informou quantas pessoas já foram multadas por não renovar o exame.

Motoristas com exame toxicológico vencido em Goiás

O SOS Estradas solicitou junto aos Departamentos Nacionais de Trânsito informações sobre quantos condutores foram multados com a chamada “multa de balcão”, que deve ser aplicada pelos Detrans administrativamente, por não realizar o exame obrigatório para drogas.

As informações solicitadas foram repassadas pelas autarquias dos seguintes estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Bahia, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins e Distrito Federal.

Somando os estados consultados, eles representam 2.739.891 motoristas com exame vencido em 25 de maio deste ano, o que equivale a 78% do total registrado pela Senatran.

Em Goiás, dados da Senatran indicavam 125.174 condutores com o exame vencido. O SOS Estradas solicitou ao Detran de Goiás quantos motoristas foram notificados com a multa de balcão, mas o órgão não respondeu.

Acidente na BR-153, em Goiás

Em junho deste ano, um caminhoneiro com o exame toxicológico vencido causou um engavetamento na BR-153, em Aparecida de Goiânia. Apesar do susto, ninguém ficou ferido. A PRF autuou o condutor em R$ 1.467,35 e aplicou sete pontos na CNH.

O caminhoneiro era habilitado em Goiás e, teoricamente, caso o Detran estadual estivesse cumprindo o que determina a legislação quanto ao exame vencido, deveria ser autuado e ter a habilitação suspensa.

Notas resposta

Em nota, o Detran de Goiás informou ao Mais Goiás que enviou ofício a Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) solicitando esclarecimentos quanto aos procedimentos para a aplicação da multa, considerando o que determina a legislação de trânsito vigente a fim de que as ações do Detran estejam dotadas de segurança técnica, jurídica e operacional. (leia a nota na íntegra ao final da matéria).

Também em nota ao Mais Goiás, a Senatran disse que adotou todas as medidas legais, técnicas e administrativas necessárias para a aplicação da multa. Além disso, todos os questionamentos e dúvidas por parte dos Departamentos de Trânsito sobre os procedimentos relacionados a essa infração foram devidamente respondidos. (leia a nota na íntegra ao final da matéria).

Até o momento, segundo a Secretaria Nacional de Trânsito, constam no Registro Nacional de Infrações de Trânsito (RENAINF) multas de balcão já realizadas pelos Departamentos de Trânsito dos estados de Minas Gerais, Bahia, Mato Grosso do Sul e Amazonas. As multas aplicadas por esses estados somam o total de 207.206 infrações no sistema.

O que dizem os especialistas?

Segundo especialistas, a suspensão da CNH pelos Detrans, para condutores com exame vencido é muito importante e mais eficaz que a fiscalização na pista. É o que afirma especialistas do SOS Estrada,  uma instituição que trabalha visando reduzir os acidentes e aumentar a segurança nas rodovias, com a participação do usuário e de especialistas.

“Fica evidente que a fiscalização da Lei Seca nas estradas com motoristas profissionais é apenas uma ação educativa, com resultado prático muito limitado. Foram apenas 411 autuações dos motoristas das categorias C, D e E por dirigir sob efeito de álcool. Já em relação ao exame toxicológico, o número de autuações que não foram aplicadas indica que o problema é muito grave em comparação aos 3,5 milhões de condutores irregulares, divulgados pela Senatran”, afirma Rodolfo Rizzotto, coordenador do SOS Estradas.

Para Rizzotto, a omissão de respostas dos Detrans é gravíssima, pois revela que as autoridades, sem base legal, estão deixando de penalizar milhões de motoristas que provavelmente fazem uso de drogas.

Além disso, ele alerta que nas estradas existe fiscalização tanto para alcoolemia como drogas devido às ações das policiais rodoviárias, mas praticamente não existe fiscalização de motoristas de ônibus e caminhão em área urbana.

O uso de drogas por estes condutores ultrapassa a fronteira do trânsito porque expõe a exploração de trabalhadores, já que a maioria dos motoristas das categorias C, D e E, usam drogas para suportar a jornada, ou seja, se manterem acordados.

Fiscalização da Lei Seca nas rodovias federais

Para entender melhor a situação, o SOS Estradas à PRF quantos condutores das categorias C, D e E foram flagrados dirigindo sob efeito de álcool no primeiro semestre de 2024. A categoria C refere-se a motoristas habilitados para dirigir caminhões; a D, para vans, ônibus e micro-ônibus; e a E, para carretas.

Durante os primeiros seis meses de 2024, foram autuados, nas rodovias federais, apenas 411 condutores das categorias C, D e E, dirigindo sob efeito de álcool ou que se recusaram a fazer o teste do etilômetro. Destes, 131 foram detidos. Portanto, a média mensal foi de 68,5 condutores autuados, menos de três por dia.

É importante lembrar que essas autuações foram realizadas em 70 mil km de rodovias fiscalizadas pela PRF, que conta com um efetivo aproximado de 13.000 policiais. É como se a PRF encontrasse um motorista das categorias C, D e E dirigindo alcoolizado por mês a cada 1.000 km de rodovias fiscalizadas. Por unidade da federação, isso resulta em uma média mensal de menos de 3 motoristas por estado, ao longo de 30 dias.

Portanto, é possível estimar que, em 2024, o número total será próximo de 822 autuações por alcoolemia, nestas categorias. No ano de 2023, foram 937 autuações por alcoolemia, com 316 detidos. O número é muito baixo. Afinal, são 11,5 milhões de condutores dessas categorias C, D e E.

São as mesmas categorias para as quais é exigido o exame toxicológico de larga janela, popularmente conhecido como “teste do cabelo”. O exame detecta o comportamento do condutor, porque identifica o uso frequente de drogas nos últimos 90 dias.

Para o advogado especialista em trânsito e fundador de uma entidade de vítimas, José Walter de Oliveira Junior, as “operações da Lei Seca são um instrumento eficaz para retirar da direção de veículos automotores aqueles condutores que estão dirigindo embriagados”. O especialista reconhece que o efetivo de fiscalização é muito limitado.

Motoristas autuados por exame toxicológico vencido

Para fim de comparação, o portal Estradas.com.br, vinculado ao SOS Estradas, solicitou os dados dos motoristas autuados por dirigirem com o exame toxicológico vencido, cuja fiscalização começou em 1º de junho nas rodovias federais, embora desde 1º de maio uma parcela já deveria ser fiscalizada.

O Art. 165-D do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) prevê a chamada multa de balcão, ou multa administrativa, para os condutores que não estão em dia com o exame toxicológico periódico, obrigatório a cada 30 meses.

Esta autuação é independente da multa na pista, com pontuação e valor equivalente, ou seja, 7 pontos na carteira e R$ 1.467,35. A multa de balcão é aplicada administrativamente pelo Detran de cada estado. Portanto, muito mais eficaz. É uma multa quase automática. Veja o que diz a lei:

Art. 165-D. Deixar de realizar o exame toxicológico previsto no § 2º do art. 148-A deste Código, após 30 (trinta) dias do vencimento do prazo estabelecido: 

Infração – gravíssima; 

Penalidade – multa (cinco vezes). 

Parágrafo único. A competência para aplicação da penalidade de que trata este artigo será do órgão ou entidade executivos de trânsito de registro da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) do infrator.

Teoricamente os Detrans deveriam notificar e autuar os motoristas das categorias C, D e E com exame vencido, desde 01 de maio, mas a maioria não o fez ou ao menos não informou ter cumprido a lei.

Em 1º de junho, a PRF passou a autuar em R$ 1.467,35 condutores das categorias C, D e E que estivessem dirigindo com o exame toxicológico periódico vencido, obrigatório a cada 30 meses. Nos primeiros 30 dias, 527 condutores foram autuados, uma média de  18 por dia.

Segundo a Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), em julho de 2024 o país registrava 11.504.465 condutores habilitados nas categorias C, D e E, dos quais 3,5 milhões com exame vencido. Equivalente a 30% do total.

Nota do Detran-GO:

“O Departamento Estadual de Trânsito (Detran-GO) esclarece que aguarda a orientação da Secretaria Nacional de Trânsito (SENATRAN) sobre a operacionalização da autuação pelo artigo 165 D do Código de Trânsito Brasileiro. A autarquia enviou ofício ao órgão federal solicitando esclarecimentos quanto aos procedimentos para a aplicação da multa, considerando o que determina a legislação de trânsito vigente a fim de que as ações do DETRAN/GO estejam dotadas de segurança técnica, jurídica e operacional.

O artigo 165 D prevê multa de “balcão” aos portadores de CNH categorias C, D e E, com idade inferior a 70 anos, que não realizem periodicamente o exame toxicológico.

Na prática, mesmo que não dirijam ou tenham veículos esses condutores devem ser multados por não renovarem o exame toxicológico dentro do prazo estabelecido pelo CTB.”

Nota da SENATRAN:

A Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) informa que adotou todas as medidas legais, técnicas e administrativas necessárias para a aplicação da multa prevista no artigo 165-D do Código de Trânsito Brasileiro. Além disso, todos os questionamentos e dúvidas por parte dos Departamentos de Trânsito (Detrans) sobre os procedimentos relacionados a essa infração foram devidamente respondidos.

Até o momento, já se encontram registradas no Registro Nacional de Infrações de Trânsito (RENAINF) infrações relativas ao artigo 165-D realizadas pelos seguintes Departamentos de Trânsito: Detran/MG, Detran/BA, Detran/MS e Detran/AM, registrando o total de 207.206 infrações no sistema.