Operação Desafino

Grupo ‘furta’ músicas sertanejas e lucra com direitos autorais de artistas em Goiás; entenda

Canções são interceptadas pela internet e registradas em nomes de terceiros

Material apreendido em operação que apura crime cibernéticos contra compositores (Foto: Divulgação/MP-GO)

Um grupo criminoso ‘furta’ músicas sertanejas e lucra com direitos autorais de artistas renomados. O esquema de fraude, que envolve cópias de materiais artísticos pelas internet e apropriações indevidas de lucros advindos de audiência, é alvo de investigação em Goiás, onde a maioria das vítimas reside. Trata-se de compositores conhecidos e que já fizeram músicas para grandes nomes da música sertaneja. As identidades das vítimas não foram reveladas.

A operação Desafino, conduzida pelo Ministério Público de Goiás, cumpriu, nesta quinta-feira (5/12) mandado de prisão e ordens judiciais de busca e apreensão em Pernambuco e no Rio Grande do Sul. Investigados foram alvos de bloqueios de bens móveis e imóveis no montante de R$ 2.312.000,00. Criptomoedas também foram confiscadas, mas o valor não foi revelado.

Até o momento, apura-se que a fraude pode ter afetado mais de 400 canções, com aproximadamente 30 milhões de visualizações em aplicativos de música. E o prejuízo das vítimas pode ultrapassar a casa dos R$ 6 milhões.

Compositores de músicas sertanejas tem produções interceptadas por criminosos na internet

A investigação teve início a partir de trabalho de jornalismo investigativo do site UOL e de representação feita por uma vítima. Conforme apurado, os compositores se reúnem para criar músicas, que, após prontas, são enviadas em caráter de amostra (guias) para serem escolhidas por artistas e empresários. Os compositores são pagos pela produção e mantém seu direito autoral, recebendo royalties até pela reprodução dos conteúdos em rádios e plataformas de streaming.

As guias, que são versões simplificadas das ideias originais, são enviadas pela internet aos interessados. É nesse momento que os criminosos agem para interceptar e se apropriar das produções. Por meio de e-mails fraudulentos, esses indivíduos publicam as músicas com nomes diferentes ou atribuem as canções a artistas falsos. O intuito é lucrar com a reprodução das músicas, direitos pagos em contas bancárias indicadas pelo grupo, enquanto os verdadeiros compositores ficam no prejuízo.

As vítimas, por sua vez, não conseguem identificar nem mesmo todas as músicas utilizadas nas fraudes e tampouco os responsáveis pelos envios. Essa falta de informações criou um ambiente de desconfiança no cenário artístico, em razão de prejuízos que envolvem desde o não recebimento de direitos patrimoniais devidos pela execução, indo até mesmo ao prejuízo imaterial da publicização indevida de ideias originais.

Inteligência artificial é utilizada para gerar capas e dar ‘legitimidade’ às músicas furtadas

Investigadores constataram que o grupo usa inteligência artificial para criar capas de álbuns, tudo para dar mais legitimidade às músicas furtadas. Outra forma de tentar enganar o público e artistas era usar capas repetidas em músicas distintas. Além disso, a investigação apontou que várias canções com “assinaturas”, isto é, que tinham o nome do real compositor e mantinham o verdadeiro título da canção, eram enviadas em arquivo para as plataformas como se fossem produções dos artistas falsos que integravam o esquema.

A ousadia do grupo era tamanha que músicas de artistas renomados foram publicadas em nome de cantores falsos. Um dos artistas prejudicados é reconhecido nacionalmente e possui mais de 100 milhões de visualizações em plataformas de streaming.

Novas tecnologias também ajudaram na investigação

Na investigação, foram utilizadas técnicas de investigação próprias de crimes cibernéticos, como quebra de sigilo telemático, requisições de dados cadastrais, interceptação dinâmica de dados do WhatsApp, entre outras provas que identificaram o suspeito de ter criado os e-mails e a conta bancária que recebia os valores. Estas técnicas ajudaram ainda a identificar os IPs (endereços) dos dispositivos utilizados para a prática dos crimes.

Além disso, usou-se o software Materializador de Evidências Digitais e Informáticas (MEDI), desenvolvido pelo MP-GO, para coleta do material existente na internet, registrando centenas de arquivos digitais.

Prisão para garantia da ordem pública e econômica

Durante a operação, foi decretada a prisão preventiva de um suspeito de realizar o esquema. Na decisão, a magistrada responsável pela 1ª Vara de Garantias de Goiânia destacou os prejuízos significativos ao mercado de composição sertaneja e à economia criativa. Foi ressaltado também que o esquema não foi interrompido nem mesmo após a divulgação dos fatos na mídia, o que demonstraria aparente desprezo com as consequências legais e necessidade de se interromper as práticas criminosas.

A decisão também realçou o uso de identificação falsa e e-mails fictícios para ocultação de rastros, bem como a multiplicidade de crimes, dentre outros aspectos.

Os crimes apurados e a conclusão das investigações

As investigações continuam em sigilo e apuram a prática, por centenas de vezes distintas, de violações qualificadas de direitos autorais, que ocorre quando há a inserção de obra violada em sistema que permita o acesso por usuários indeterminados, como nas plataformas digitais. Continuam sendo apurados os crimes de falsa identidade e de estelionato contra agregadora de música, também praticado por diversas vezes.

Segundo MP-GO, todo o material apreendido será analisado para captação de provas. Novos depoimentos serão colhidos na tentativa de fechar o cerco contra os criminosos.