Homens denunciam assistente de João de Deus por atos de abuso sexual
Relatos das vítimas foram divulgados pelo Metrópoles. Sebastião de Lima nega todas as acusações e questiona do porquê delas virem à tona tantos anos depois
Quatro homens denunciam Sebastião de Lima, mais conhecido como Tião de Lima, por abusos sexuais. Ele atuou por quase quatro décadas ao lado de João de Deus na Casa Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia, município que fica a 80 quilômetros de Goiânia. Tião era tido como braço direito do líder religioso.
As denúncias foram realizadas em entrevistas ao portal Metrópoles. Três vítimas foram ao local após terem sido diagnosticadas com o vírus HIV e, na tentativa de cura, se dirigiam ao centro religioso. De acordo com a reportagem, eles são de diferentes lugares do Brasil e não se conhecem.
Uma das vítimas foi à Abadiânia no início de 2014. Na época, ele era estudante universitário. Ele se dirigiu à Casa Dom Inácio de Loyola após ouvir que João de Deus afirmava que teria curado mais de 300 pessoas do vírus.
No dia em questão, ele ficou esperando mais de duas horas para ser apresentado ao médium e, depois de ter sido visto pelo líder religioso, não sabia o que fazer. Ele, então, conheceu Tião.
“Você sai confuso da consulta, ali, entre aspas. Eu não sabia mais o que tinha de fazer, se eu podia ir embora ou tinha de voltar”, conta. Ele lembra que perguntou ao assistente aonde ficava o banheiro. Tião não teria apenas explicado como o acompanhou até o sanitário.
“Achei que ele ia embora, mas entrou comigo e foi no mictório ao lado. Nesse momento, ele pediu para ver o meu pênis, quis mostrar o dele e veio com intenção de pegar no meu. Todo sem jeito, eu falei que não era lugar.”
O homem ressalta que Tião o seguiu quando saiu do banheiro e o convidou para tomar uma sopa que era servida de graça no refeitório para o funcionários da casa. Ele afirma que aceitou o convite pois Tião teria oferecido ajuda no tratamento e por se tratar de um pessoa influente dentro da casa. Depois da refeição, o assistente o levou para a sua sala reservada, a Secretaria.
“Ele tentou me beijar, quis que eu pegasse no pênis dele. Eu disse que alguém poderia chegar, e saí. Estava assustado porque era muito próximo de onde as pessoas estavam ali, comendo.”
Depois da negativa, Tião conta que ouviu dele: “De tarde você volte, que a gente vai fazer o tratamento espiritual lá dentro”. O secretário o levou, horas depois, para dentro da Enfermaria, que era a sala onde os pacientes eram levados após serem “operados” por João de Deus.
“Ele colocou um lençol branco por cima e explicou que o tratamento teria que ser feito pelo órgão sexual, a cura seria feita por ali, porque foi ali que o vírus entrou. Como ele ficou muito encostado na maca, ninguém percebeu o que ele estava fazendo. Ele disse: ‘Abre sua calça devagarinho, que eu vou precisar segurar o seu pênis para realizar o seu tratamento, porque foi por onde você se contaminou, então vai ter de ser por onde vai ser feita a cura, a limpeza, o tratamento.’ Ele ficou segurando o meu pênis, não lembro por quanto tempo, mas disse que eu precisaria ficar em prece o tempo todo.”
O homem foi embora de Abadiânia, mas afirma que ouviu de Tião que “pelo andar do tratamento”, ele poderia “se considerar curado.” Ele conta que a infectologista que o acompanhava brigou com ele. “Ela me deu um esculacho, com toda a razão, e disse que não ia pedir um novo exame [de HIV], porque isso seria duvidar da ciência.”
Ele foi a um laboratório do SUS e se submeteu a outro exame. “A psicóloga me chamou e disse que deu positivo. Perguntou se eu tinha consciência, e expliquei tudo para ela. Eu tinha consciência.”
Mais vítimas
O agente de viagem Felipe Dias afirma que foi assediado sexualmente por Tião. Ele foi à Abadiânia quatro vezes – entre 1994 a 2000. Na ocasião, a investida teria acontecido após ser submetido a uma “cirurgia” espiritual com João de Deus.
[olho author=””]“Eu esperei na fila por mais de uma hora. Daí, o ‘Seu’ João colocou a mão sobre o meu rosto e disse que eu estava operado. Saí da sala da Entidade [onde João Teixeira recebia o público, sentado em um trono], rezei por uns minutos e depois fui para o pátio. Foi lá que o Tiãozinho se aproximou. Me pegou pelo braço, me levou para a sala dele e disse: ‘Vou te ajudar com o prosseguimento do seu tratamento’. Dentro da sala, ele chegou perto de mim e, enquanto falava sobre o tratamento, pegou na minha virilha e pediu para ver. Para ver o que tinha lá dentro. Ele então colocou a mão dentro da calça. Eu me afastei, perguntei o que aquilo tinha a ver com o tratamento. Ele disse que eu precisava daquilo.”[/olho]
Felipe conta que ficou confuso no momento e que quase permitiu que Tião lhe tocasse sem consentimento. “Ele era a pessoa que tinha acesso ao ‘Seu’ João. Ele tinha a chave para o paraíso”, diz. O agente de viagens nunca mais retornou na cidade.
As duas outras vítimas pediram sigilo dos nomes ao Metrópoles, mas deram relatos parecidos como que Tião os levou para o escritório dele, passou a mão em suas partes íntimas e tentou beijá-los. A justificativa dada pelo assistente era de que aquilo fazia parte do tratamento. “Ele disse que não era viadagem, que era tratamento. Porque ele não era viado, era casado e tinha filhos”, diz uma das vítimas.
Um ex-funcionário da Casa, que trabalhou durante 10 anos no local, afirma que tentou passou por um tentativa de assédio sexual por parte de Tião. “O Tiãozinho tentou comigo, mas não conseguiu o que queria”.
Clodoaldo Turcato, que trabalhou como tesoureiro da Casa na década de 2000, afirma que os rumores de assédio não era inédito nas décadas de 1990, 2000 e 2010.
[olho author=””]“Na época em que estive na Casa, próximo ao médium João, eu ouvi de pessoas próximas e pacientes sobre a homossexualidade de Tiãozinho. Como eu nunca tive menor diferença quanto à opção sexual das pessoas, nunca me aprofundei. O que me incomodou foi saber, por outros, que Tiãozinho assediava homens no banheiro, principalmente, e na sala dele. Nunca tive maiores detalhes de como isso ocorria, apenas ouvi falar.”[/olho]
Quem é Tião?
Tião foi um dos primeiros seguidores de João de Deus a se mudar com ele para Abadiânia. Na época, o município só tinha 3 mil habitantes. Com a expansão da notoriedade de João de Deus, o poder de Tião foi crescendo de forma equivalente.
Tião era o responsável de organizar a fila de pessoas que iam à cidade em busca de cura. Ele tinha a própria sala dentro da Casa Dom Inácio, que era conhecida como Secretária. Por mais de 20 anos foi a segunda pessoa mais poderosa do local.
Ele também era responsável de decidir quem teria o encontro presencial com João de Deus. As vítimas alegam que, com essa autoridade, era que ele investia sexualmente contra as vítimas. Vale lembrar que, sem consentimento, é considerada crime.
O que ele afirma?
Tião negou todas as acusações. Por meio de nota encaminhada por e-mail, o advogado dele, Jorge Barbosa Lobato, classifica os relatos como “alegações vazias, sem nenhum respaldo fático, e indignas de credibilidade”.
[olho author=””]“O Sr. Sebastião, nos 40 anos em que esteve junto à Casa de Dom Inácio, sempre atuou como vendedor de chaveiros e terços, jamais tendo atuado como empregado da Casa, participando de rituais de cura, ou recebendo entidades, logo, cai por terra tal alegação, pois o Sr. Sebastião nunca se propôs a operar curas ou sequer participou de rituais ou cirurgias mediúnicas.”[/olho]
A reportagem traz que, em relatos de livros publicados com a história de João de Deus, Tião é citado como assistente pessoal do médium. Além disso, há uma planta da Casa Dom Inácio de Loyola, onde é retratada um cômodo que é descrito como “Escritório de Sebastião”, ao lado da cozinha da sopa. Ou seja, coincidindo com as descrições das vítimas.
Sebastião afirma, em texto, que a Secretaria era um ambiente aberto e irrestrito. “De modo que jamais poderia acontecer de o Sr. Sebastião, ou qualquer outra pessoa, ficar sozinho com alguém naquele ambiente”, escreveu o advogado de Sebastião. “Existia determinação da diretoria da casa no sentido de que as portas da Secretaria deveriam sempre permanecer abertas.”
Ele questionou o fato da maioria das vítimas não terem se identificado pode encobrir um ataque pessoa contra ele. “Outro ponto que dificulta a manifestação é o fato da ausência de nomes, o que dificulta a defesa do acusado da conduta, pois tal acusação pode haver partido até mesmo de um desafeto, de alguém que de certa forma não queira o bem do ora acusado.”
Sobre a acusação de masturbação do fiel dentro da Enfermaria, ele diz que: “O ambiente da Enfermaria, da mesma forma que a Secretaria, era aberto ao público, e possuía cerca de oito macas, e que, quando tal ambiente estava em uso, as oito macas eram usadas de modo simultâneo, ou seja, ninguém ficava sozinho na sala, em ambiente privado, como alega a suposta vítima”.
Tião também negou que tenha tentado tocar em homens no banheiro do centro religioso. “O ambiente do banheiro é público, e com capacidade para aproximadamente 10 pessoas por vez, e tendo em vista o grande número de visitantes, sempre estava lotado”, diz o texto enviado por seu advogado.
Por fim, Sebastião e o advogado questionam o motivo dos relatos virem à tona depois de tantos anos. “Caso tais condutas tivessem de fato ocorrido, por que não foram à época objeto de reclamação ou denúncia junto à diretoria da Casa de Dom Inácio? Por que à época as vítimas não denunciaram as condutas do suposto autor à Casa de Dom Inácio ou às autoridades públicas? Por que só agora resolveram apresentar tal acusação?”
Não há boletins de ocorrências
Nenhum dos homens registraram boletins de ocorrências por crimes sexuais contra Sebastião em Goiás e no Distrito Federal. As vítimas afirmaram que uma série de fatores levaram ao silêncio até o ano passado, que vão da vergonha até o medo.
Um deles afirmou que só percebeu que foi vítima de assédio sexual depois que começou a ler o relato das mais de 300 mulheres que denunciaram João de Deus por crimes sexuais. “Aconteceu com elas, e também aconteceu comigo. Tem um enredo que é criado, e você está ali numa situação de vulnerabilidade. Eles é que comandam, eles é que são os especialistas, então a gente confia.”
[olho author=””]“Eu não tinha a intenção de fazer denúncia, por causa da privacidade. Minha família não sabe da minha sorologia. Me vem à cabeça eu indo lá fazer a denúncia, e penso que pode mexer comigo, emocionalmente. Eu não sei se isso causou algum trauma em mim, mas eu tenho medo de que isso possa causar [um trauma]”, diz a vítima.[/olho]
Felipe ainda ressalta que: “É um crime que já passou. Talvez já tenha até prescrito, mas acho importante falar dele para mostrar que aquele lugar acobertava muita coisa, não só o mais grave, que eram os estupros. É importante para evitar que aconteça de novo.”