Juíza mantém decisão de despejo para ocupantes do Alto da Boa Vista, em Aparecida de Goiânia
Ainda sem prazo para cumprimento, vulneráveis serão encaminhados a um galpão. Os demais não terão esse amparo, segundo procurador de Aparecida; MLB propôs um cadastro diferente da prefeitura do município
A juíza da Vara de Fazenda Pública Municipal, Vanessa Estrela, recebeu, na manhã desta quarta-feira (29), representantes da ocupação do Alto Boa Vista. O objetivo foi a audiência sobre o destino das cerca de 300 famílias que estão no local. Segundo o procurador geral de Aparecida de Goiânia, Fábio Camargo, a magistrada apenas enfatizou sua decisão, já proferida em julho de 2019, pelo despejo dos ocupantes da Avenida Cristus, Vila Delfiori, em Aparecida de Goiânia.
O Movimento de Luta nos Bairros Vilas e Favelas (MLB) vê como “medida extrema” a retirada e questiona cadastro de vulneráveis apresentado pelo município. Os números, segundo o procurador Fábio Camargo, seriam de aproximadamente 50 pessoas, em meio a 300 famílias. O dado não foi aceito pela defesa do MLB, que pediu para incluir na audiência um documento de cadastro feito pelo grupo.
Além da assessoria jurídica do MLB, a Defensoria Pública atua de forma coletiva na defesa das famílias. Trata-se de uma ação de Reintegração de Posse proposta pelo proprietário do imóvel.
Despejo
“Ela ainda não tem a data [para a retirada], mas a juíza espera resolver o imbróglio até o fim de fevereiro. Nos próximos dez dias, a Defesa Civil [Vigilância Sanitária e Bombeiros] deverá ir ao local para verificar a situação da invasão e o galpão. Este espaço deverá ser providenciado pelo dono da terra para os ultra vulneráveis.” Segundo Fábio, entre as 300 famílias, deve haver cerca de 50 pessoas nessa condição de vulnerabilidade, ou seja, “doentes, deficientes, mães solteiras sem apoio, etc.”
Participaram da audiência desta manhã o proprietário da área, a Defensoria Pública, o Ministério Público, o MLB, os Direitos Humanos da OAB-GO, outras instituições ligados ao movimento, além claro, da procuradoria de Aparecida, por meio de Fábio Camargo. “Mas o município não é parte. As partes são os invasores e o dono da terra. Aparecida só participa como amicus curiae”, explica o procurador.
Amicus curiae, justifica Fábio, porque o município “entrou” no imbróglio para ajudar as famílias na parte social. “Todos foram cadastrados nos programas Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida”, diz. De acordo com ele, a demanda dos ocupantes é para que a Prefeitura compre a terra, mas não existem condições para isso.
“Temos 17 mil cadastrados no Minha Casa, Minha Vida. Nos últimos dois anos foram quase 2 mil residências sorteadas. Não podemos passar ninguém na frente. Eles entrarão no sorteio e os vulneráveis terão certa prioridade.” Isso porque existe uma porcentagem destinada aos vulneráveis e outra para o público geral.
Vulneráveis
Como explicado pelo procurador, os vulneráveis devem ser encaminhados a um galpão, que ainda será apresentado pelo proprietário da terra. São cerca de 50 pessoas, num universo de 300 famílias. Estas, conforme Fábio, ficarão no local transitoriamente. “Até localizar outros familiares e encaminhar.”
Os demais, expõe o procurador, não têm esse amparo e devem deixar a terra e ir para outro destino, quando o prazo da decisão for estipulado. “A decisão, inclusive, foi confirmada pelo Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO).”
Cleuton Ripol de Freitas foi designado pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) da OAB-GO para acompanhar o encontro como observador. Ele confirmou o informado por Fábio e disse que deve apresentar um relatório à CDH. “A comissão, através do nosso presidente, Roberto Serra, não ficará alheia a essa questão”, garantiu.
O membro do CDH manifestou ao Mais Goiás a opinião dele, e não a oficial da comissão. “Vejo com preocupação essa remoção, assim como também a situação das famílias que lá estão”, aponta. “A preocupação reside no direito humano à habitação adequada, assim como para esse deslocamento é preciso observar a resolução 10 do Conselho Nacional de Direitos Humanos, que tem essa orientação para despejos forçados.”
Resolução 10
A resolução 10 do Conselho Nacional dos Direitos Humanos prevê, no artigo 14 (do capítulo Da Excepcionalidade do Despejo), que “remoções e despejos devem ocorrer apenas em circunstâncias excepcionais, quando o deslocamento é a única medida capaz de garantir os direitos humanos”. O primeiro parágrafo diz: “Os deslocamentos não deverão resultar em pessoas ou populações sem teto, sem terra e sem território.”
Além disso, o 2º prevê a não remoção, quando ela afetar atividades escolares de crianças e adolescentes, além de assistência à pessoa atingida, que faz acompanhamento médico, para evitar a suspensão do tratamento. Já no artigo 15, é dito que nas remoções inevitáveis é preciso elaborar um plano prévio de remoção e reassentamento.
Para Cleuton, no mínimo, é preciso de um lugar melhor para a fazer o deslocamento dos moradores do Alto da Boa Vista. “A outra questão é que haja participação de assistência social e especial social para acompanhar idosos, crianças e adolescentes, visto que é uma área com número grande de menores, inclusive de colo, em tenra idade.”
Ao ser apontado que seriam cerca de 50 pessoas em estado de vulnerabilidade, ele diz não ter tido contato com esse levantamento, mas que, conforme a assessoria do MLB, seriam mais. “Mas não tenho como afirmar.”
MLB
No último dia 15, o MLB realizou uma assembleia de apoio à Ocupação Alto da Boa Vista. O intuito do grupo era impedir a ordem de despejo, que permaneceu após a audiência desta quarta-feira.
Segundo Altenir Santos, coordenador do MLB, ainda nesta quarta-feira uma nova assembleia será realizada para definir os próximos passos. “A nossa orientação é manter a luta, até porque não estão esgotadas todas as opções.” Ele declara, ainda, que o intuito é envolver os poderes municipal e estadual para tentar resolver essa situação. “Buscar junto aos poderes uma alternativa.”
O coordenador adianta, porém, que o MLB já irá tentar, junto aos vereadores de Aparecida de Goiânia, uma audiência pública com a participação desses poderes. “É preciso encarar como problema social, não como simples questão de propriedade, até porque é questionável.”
Advogado do movimento
Inclusive, o advogado do MLB, Vilmar Almeida, já diz estar preparando os recursos judiciais cabíveis. “No processo foram levantadas divergências da área postulada pelo autor, com a documentação e essas questões não foram sanadas ainda”, relatou.
Além disso, para ele, a resolução 10 não tem sido cumprida. “Na nossa avaliação, não faz sentido algum haver o despejo sem uma alternativa habitacional digna. O ginásio ou galpão não é um espaço digno.”
Vilmar também afirma que, diferente do que foi informado pelo procurador Fábio Camargo, o cadastro dos moradores para os programas sociais (Minhas Casa, Minha Vida e Bolsa Família) não foi feito para todos. “Então, nós vamos juntar no processo o cadastros dos moradores feito próprio MLB. Informações sobre crianças, deficientes, gestantes, não foram levantados, de fato”, afirma. A busca pelos documentos, inclusive, foi autorizada pela juíza Vanessa Estrela – conforme dito pela defensora pública, Tatiana Bronzato.
Assim, para ele, o despejo é “medida extrema. Ninguém escolhe viver em ocupação”, alerta e continua: “Existem grupos em extrema vulnerabilidade. Vamos recorrer nas instâncias cabíveis. O despejo só vai agravar a situação, pois as pessoas vão acabar ocupando outro lugar.”
Defensoria Pública
A defensora pública Tatiana Bronzato é quem acompanha o caso pela Defensoria Pública, que atua de forma coletiva na defesa das famílias, na ação de Reintegração de Posse proposta pelo proprietário do imóvel. “Nosso pleito principal é que permanecessem lá ou que retirasse com prévia alternativa de moradia”, explicita.
Ela diz que depois da vistoria da Defesa Civil, que deve ocorrer nos próximos dez dias, a ação será novamente aberta para o contraditório. Segundo Tatiana, o intuito é lutar para que as famílias não fiquem em situação de rua.
“Ainda estamos em fase de cumprimento de tutela antecipada, a ação ainda depende de decisão”, evidencia Tatiana, que relata preocupação com os vulneráveis do assentamento. Ela reiterou a necessidade de apresentação do cadastro pelos advogados do MLB, que será comparada aos números colocados pela Prefeitura de Aparecida. Ou seja: os 50, num universo de 300 famílias.
Questionada se ainda há possibilidade de recursos aos órgãos superiores, ela diz que sim. Porém, tudo depende dos desdobramentos. O Ministério Público também foi procurado, mas não respondeu o portal até o fechamento da matéria.
Caso
Recentemente, o Mais Goiás conversou com o vereador William Panda (PCdoB), que é presidente da Comissão de Habitação, na Câmara de Aparecida de Goiânia, e tem acompanhado o caso, junto ao MLB.
Ele explicou que que a magistrada Vanessa Estrela tinha decidido pelo despejo em meados do ano passado, uma vez que os ocupantes estão no local desde 2018. Mas suspendeu a decisão após a Prefeitura, que foi acionada, pedir que o Estado fosse chamado ao processo. “A responsabilidade é tripartite. O terreno é particular, mas paga imposto federal. E não está cumprindo função social.”
Ele esclareceu, também, que a Justiça tinha solicitado que o município encontrasse um local para abrigar os ocupantes da área, enquanto eles não achassem lugares definitivos. Como medida paliativa, ginásios foram sugeridos, mas a cidade informou que eles são do Estado, de acordo com o parlamentar.
O Estado, por sua vez, teria informado, segundo o vereador William Panda, que não havia como levar esses habitantes para esses pontos e a ação foi suspensa até dezembro, próximo ao Natal, quando a magistrada se manifestou, novamente. “Este juízo não voltará atrás em seu posicionamento de desocupação da área. (…) Defiro, em parte, (…) audiência de conciliação entre as partes envolvidas para o dia 29 de janeiro, às 9:30”, escreveu a juíza Vanessa em 22 de dezembro.
Posteriormente, ficou definido que o próprio dono do terreno conseguiria o galpão para a abrigar os vulneráveis, como já foi informado.