"PRECONCEITO VELADO"

Justiça revoga adoção e casal homoafetivo tem de devolver bebê em Pirenópolis

Foram seis anos de espera até que, em setembro de 2020, o casal formado por…

Foram seis anos de espera até que, em setembro de 2020, o casal formado por Juliano Peixoto de Pina e Johnatan Pereira de Araújo conseguisse a adoção de Ana Sofia – então com quatro meses de idade. Os três viveram juntos em Pirenópolis por 12 dias até que o sonho da paternidade virou pesadelo. Juliano e Johnatan perderam a guarda provisória da criança e tiveram que entregá-la a outra família, por ordem da Justiça.

A guarda foi entregue à família acolhedora, que cuidou de Ana no período imediatamente após ela ser separada os pais dependentes químicos.

Juliano e Johnatan estão juntos há 12 anos. Há seis, decidiram se inscrever no Sistema Nacional de Adoção (SNA). A caminhada para conseguir a habilitação para adotar um filho ou filha foi difícil. O processo exigiu deles reuniões de preparação, juntada de documentos médicos e sociais, declaração de idoneidade moral, entre outras certidões.

Após anos de luta, em agosto de 2020 veio a boa notícia. O casal, que já estava apto e na fila de espera da adoção, foi contatado pela Vara da Infância e Juventude de Pirenópolis. Contaram-lhes que pais dependentes químicos que haviam perdido a guarda de cinco crianças, e que elas, por sua vez, haviam sido designadas a lares acolhedores. Os homens, então, disseram que não tinham condições de adotar todos os irmãos, mas demonstraram interesse em Ana Sofia.

Ao Mais Goiás, Juliano conta que, em setembro do ano passado, a criança mais nova já estava disponível para adoção e o casal foi convocado para assinar a documentação relativa à guarda provisória. Com toda a parte burocrática já resolvida, o casal passou a ter um embate com a família acolhedora, que, segundo os homens, não quis entregar a bebê.

À época, um mandado de busca e apreensão chegou a ser expedido para que a família entregasse a criança ao casal. “Em um primeiro momento estava tudo certo. Coloquei a família acolhedora dentro da minha casa e expliquei que daríamos amor e todo o cuidado possível. Eles foram embora e nós continuamos nossa vida com a nossa filha”.

Irregularidade e preconceito velado

Juliano relata que foram 12 dias de troca, afeto e aprendizado com a criança, que passou a ser chamada pelo casal de Aurora. O sonho, no entanto, virou pesadelo no dia 1º de outubro de 2020, quando a família acolhedora conseguiu uma liminar suspendendo a guarda provisória concedida ao casal. A decisão, que levou em consideração o laço afetivo da bebê com a mãe acolhedora, também determinou o retorno da criança à família acolhedora.

Desde então, o casal trava uma batalha na Justiça para conseguir ficar com a criança novamente. Atualmente, o casal aguarda o julgamento de um agravo interno no Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), que deve ocorrer no próximo dia 15 de março. Em caso de negativa, os homens irão tentar reverter a decisão em outra instância, no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Ainda conforme Juliano, a decisão que determinou o retorno da criança à família acolhedora é ilegal, já que, por lei, famílias acolhedoras não podem adotar menores abrigados.

“O sentimento é de que tem um preconceito velado por sermos um casal homoafetivo. Somos habilitados para a adoção, a lei nos ampara. Juridicamente, a família acolhedora não tem direito de adotá-la, justamente para evitar adoções à brasileira como ocorreu. A família que acolheu provisoriamente não está apta, não passou pelo processo previsto no SNA”, disse.

Lembranças e saudade

Emocionado, Juliano lembra da pequena Aurora. A palavra usada para definir o sentimento é saudade, já que o homem não vê a criança desde outubro do ano passado. “O quartinho dela está todo montado. Tudo organizado. O tempo está passando, a saudade aumenta e a esperança que ela volte vai morrendo, mas não vamos desistir”, afirmou.

E completou: “a dor que sentimos sem ela [Aurora] é imensa. Nós somos os prejudicados na história. É como se o abrigo impedisse que uma criança fosse adotada. É inadmissível”.

O casal criou um perfil no Instagram para conseguir apoio popular em favor da adoção. O perfil já conta com quase 1.000 seguidores e diversos comentários.

Outro lado

Em um vídeo publicado nas redes sociais (veja abaixo), a mãe acolhedora Thays Veiga Miranda afirma que é madrinha da criança e conhece a família biológica da menina. Na publicação, ela diz que não faz parte do programa de família acolhedora e que apenas assinou um termo para ser a responsável provisória de Ana Sofia. “Desde então venho dando todo amor e suporte”, disse.

“Ela é minha filha, independente de laço sanguíneo. A gente já recebeu visita psicossocial, já passei por todos os trâmites que precisam para adotar uma criança. Já entramos com processo de adoção dela”, afirmou.