Kalungas temem destino da comunidade com desmatamento do cerrado
Morador da comunidade Engenho 2, no Território Kalunga, Damião Moreira dos Santos, 35 anos, acorda…
Morador da comunidade Engenho 2, no Território Kalunga, Damião Moreira dos Santos, 35 anos, acorda todos os dias bem cedo, tira o leite de suas vaquinhas, apenas para o consumo próprio dele, da esposa e dos oito filhos, e depois vai para roça plantar e colher. Agora, as vacas estão sem crias, então ele pula a primeira etapa. “Estou querendo vender e ficar só com a criação de frangos”, revela ele, que não imagina a vida fora dali. “Morar aqui, para mim, é tudo.”
Inclusive, é por isso que ele se preocupa e tem medo do desmatamento que tem ocorrido na região. Nesta quinta-feira (4), a secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) realizou uma operação para conter e punir as ações criminosas no local. Segundo a pasta, e que foi confirmado pelo presidente do Conselho Municipal de Turismo de Cavalcante, Rodrigo Batista Neves, cerca de mil hectares foram desmatados no Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga, localizado na Fazenda Pequi, na Chapada dos Veadeiros, a cerca de 450 km de Goiânia.
Segundo Damião, há aproximadamente duas semanas os moradores tomaram conhecimento das ações de desmatamento. “A gente se mobilizou, pegamos imagens, espalhamos e fizemos denúncia. Estamos torcendo para a operação dar resultado”. As ações seriam realizadas por um grupo de São Paulo, mas que utiliza uma “laranja”, chamada Renata, na linha de frente. Ela, inclusive, conforme relatado por Rodrigo Batista, possui 18 processos ambientais, sendo três por trabalho análogo.
Turismo e sobrevivência
Damião, que é agricultor familiar, afirma que a renda complementar de quase todos [inclusive a dele] é o turismo. Porém, a atividade está parada por causa da pandemia. “Mas a gente planta tudo que precisa. Arroz, feijão, milho, mandioca, batata-doce. Criamos vacas, galinhas, alguns criam porcos – mas eu não. Quando parou o turismo foi um choque”.
Questionado sobre o que pode acontecer se mais for desmatado e houver plantações de soja, como seria o intuito, conforme já havia sido adiantado por Rodrigo Batista, Damião diz que o turismo pode morrer de vez. “Ninguém vai vir ver soja. Só vão destruir e levar para fora”, declara.
“E se começarem a soltar veneno e atingir as nascentes, não sei dizer o que pode acontecer. Como estamos um pouco mais embaixo, vai impactar onde a gente vive, mas não dá para calcular. Tudo pode afetar a nossa a vida, mas não sabemos o tamanho do impacto”, diz sem esconder a tristeza e o medo.
Ao todo, cerca de 1.600 famílias vivem no território. Segundo Damião, são aproximadamente 29 comunidades. A dele, a Engenho 2, tem 200 famílias. “Nas comunidades têm escolas até o ensino médio”, relata orgulhoso. “Faculdade alguns fazem à distância. Às vezes tem que ir nos polos”, informa.
Associação
O presidente da Associação Quilombo Kalunga, Jorge Moreira, também da Engenho 2, acredita que a pandemia do coronavírus foi aproveitada para a exploração da terra por parte do grupo de São Paulo. Segundo ele, há um sentimento profundo de perda em relação ao que já foi desmatado. “Perdemos parte desse cerrado que consideramos o coração dos Kalungas”, lamenta. “Nos deixa muito constrangidos.”
Segundo ele, a soja – que é o intuito de plantação nas áreas desmatadas – ameaça todo o cerrado. “A soja é veneno. Vai contaminar. E nossos Kalungas que dependem de água? Não queremos esse veneno para a nossa Kalunga. As comunidades dependem da água para beber, para a agricultura”, declara. “Temos o privilégio de ainda termos essa quantidade de cerrado. Nossos antepassados preservaram.”
Para Jorge, que atua como guia e como agricultor, esse caminho que pode se formar não é bom. “Dessa forma, ficaremos oprimidos. Esse caminho, do desmatamento, abre espaço para outros grupos degradarem ainda mais o meio ambiente”, teme.
A Associação Quilombo Kalunga atende aos três municípios que compreendem o território Kalunga. Cavalcante, Teresina e Monte Algre de Goiás. A área desmatada acomete o primeiro.