Dia das Mães

Mãe por amor e por perseverança

Mãe relata o longa jornada até a adoção de um menino resgatado de situação de maus tratos. Crianças e adolescentes à espera de uma família sofrem com processos demorados

Este 14 de maio marca o quinto dia das mães da assistente administrativa Andreia Giuliana Garola ao lado do filho, Heitor Garola de Castro, de oito anos de idade. O vínculo entre eles não é sanguíneo, mas se baseia em algo ainda mais profundo: o amor.

A história deles, porém, não é das mais fáceis e tem como base muito sofrimento e determinação. “Eu sempre tive vontade de ser mãe. Passei por vários tratamentos e cheguei a perder três bebês”, conta Andreia, que persistia apesar de todas as dificuldades.

Sem a possibilidade de gerar um filho, ela e o então marido (hoje ex) fizeram, em 2005, a inscrição para o processo de adoção. “Mesmo assim nós continuamos tentando ter filhos, até que desisti. Já estava em outra etapa da minha vida”, comenta.

Até mesmo o processo de adoção não foi tão simples. Após sete anos de espera, Andreia relata que quando chegou a ligação de que haveria um bebê que se encaixava com seu perfil, ela mal se lembrava que ainda estava na fila. Mulheres como ela, impossibilitadas de gerar filhos biológicos, não recebem qualquer priorização durante o processo, que também não faz distinção a estado civil ou situação financeira, por exemplo.

O processo foi longo: primeiro, veio a formalização do interesse em adotar, que incluía a escolha do perfil da criança a ser adotada com detalhes como cor, faixa etária e sexo. “Para mim, não importava sexo nem se era branco, amarelo ou cor-de-rosa, tanto que meu filho é negro. Só restringi que deveria ter no máximo três anos, porque seria de mais fácil adaptação à rotina nova, e também esclareci que não tinha condições de cuidar de crianças com necessidades especiais”, detalha Andreia, que também ressaltou a impossibilidade de adotar irmãos.

Ainda que mais flexível, as características traçadas por Andreia não diferem muito do perfil médio exigido pelos candidatos analisados no documento “Encontros e Desencontros da Adoção no Brasil: uma análise do Cadastro Nacional de Adoção”, divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com dados de 2012. Na pesquisa, a instituição revela que adotar somente meninas é exigência de 33% dos adotantes, enquanto 9% querem apenas meninos e 58% não fazem distinção. Quanto à faixa etária, apenas 25,63% admitem adotar crianças com quatro anos ou mais e apenas 1% se dispõe a adotar adolescentes.

Conforme o estudo, 91% dos pretendentes aceitam crianças brancas, enquanto 63% das famílias se dispõem a acolher crianças pardas. Pouco mais de um terço se declara apto a acolher crianças de ascendência negra, indígena ou oriental. Apenas 1,1% declara indiferença em relação à cor do futuro filho ou filha.

Longa espera

Depois de traçar o perfil desejado, o passo seguinte de Andreia foi fazer o curso de pais exigido pelas autoridades. Em seguida, vieram as visitas surpresa dos assistentes sociais, para averiguar se o casal realmente tinha condições de dar uma vida confortável para a criança que viesse a acolher.

“No começo, elas vieram quatro vezes em casa, mas em nenhuma nós estávamos lá. Eu tive que avisar que trabalhávamos o dia inteiro e que deveriam visitar aos finais de semana”, explicou Andreia. O aviso deu certo. A primeira entrevista foi em um sábado. A segunda, em um feriado. “Quando eles vêm, olham tudo, cômodo por cômodo; querem saber as condições da família, onde vai ser o quarto da criança, perguntam se já teve filho. Falta apenas anotarem a marca do microondas”, diz Andreia, que ressalta compreender a necessidade do rigor.

Cerca de sete anos após a inscrição no cadastro de adoção, a espera trouxe seus frutos. Em 2012, a ligação de uma juíza anunciava a notícia tão aguardada: havia uma criança com o perfil desejado pela futura mamãe. O menino estava no abrigo de um município do Tocantins. “Eles nos mandaram fotos e nos apaixonamos”, diz Andreia, sem esconder a emoção ao lembrar do fato.

Então, ela soube da história do futuro filho, que após a adoção, viria a ser rebatizado como Heitor. O bebê, na época com dois meses de idade, era o mais jovem de cinco crianças que foram encontradas em situação deplorável em uma residência onde viviam com os pais. Os maus tratos trouxeram sequelas físicas que o pequeno carrega até hoje.

Os pais biológicos perderam a guarda dos três filhos mais jovens, que foram disponibilizados à adoção. Quando ligaram para Andreia, os outros dois irmãos de Heitor já haviam sido adotados, mas por uma questão legal não há como saber quem são ou para que lares foram. Apenas Heitor – até então com outro nome – continuava em busca de uma nova família.

Hoje, Heitor está no segundo ano do Ensino Fundamental (Foto: Arquivo Pessoal)

Nas semanas seguintes ao telefonema, a correria foi para conseguir as documentações necessárias, mas, no fim, tudo valeu a pena. Depois, mãe e filho estavam a uma viagem de carro de distância. “Quando conheci o Heitor ele tinha dois anos e quatro meses. Fomos visitá-lo e foi amor à primeira vista”, conta a mãe. Apesar disso, mais um mês se passaria até que o menino pudesse ir para sua futura casa.

“Durante esse período, mantivemos contato com o pessoal do abrigo. Eles ligavam para contar que o Heitor caiu, que machucou a testinha. Já tratavam a gente como pais”, revela Andreia. Mesmo com a atenção dedicada a ela e ao então marido, a assistente administrativa relata que nem tudo eram flores na realidade do menino. “Quando o buscamos ele estava judiado, com alguns problemas na pele, que tivemos que tratar”, detalha.

Mas ainda não era o fim do processo. Pelo próximo ano, a guarda era apenas provisória. “O juizado mandou a autorização para o Ministério Público e depois eu tive que ficar em cima, senão teria enrolado ainda mais para sair a guarda definitiva”, pondera Andreia.

Nesse prazo, mais uma visita surpresa dos assistentes sociais, mas o foco era o menino Heitor. “Elas vieram e levaram ele para o quarto dele, onde ele mostrou onde dormia, as roupinhas, os brinquedinhos dele”, diz a mãe. A conformidade demonstrada na nova vida e na nova rotina do garoto trouxe o resultado esperado e logo veio a guarda definitiva. Enfim Heitor tinha uma nova família.

Claro que nem tudo que veio depois foi como em um conto de fadas. O menino ainda enfrentou dificuldades no processo de adaptação e precisou passar por diversos tratamentos de saúde para problemas pelos quais foi diagnosticado – muitos dos quais já foram superados. Ainda não se sabe se suas condições são provenientes de pré-disposições genéticas ou se são o resultado do estado em que ele foi encontrado.

Seja como for, nada disso afeta o amor que brota do coração de uma mãe. “Todos os problemas que surgem são coisas corriqueiras. Nada disso atrapalha em nada na minha vida comparado a toda a felicidade que ele me traz”, ressalta uma Andreia emocionada.

Prazos demasiados

Andreia sabe que sua história destoa de grande parte das pessoas que buscam a adoção. Somente em Goiânia, há atualmente 16 crianças e adolescentes disponíveis, enquanto 336 potenciais adotantes permanecem no Cadastro Nacional de Adoção, habilitados. Para a mãe, o sucesso de sua empreitada se deve, sobretudo, à sua persistência. “A gente brigou por isso. Nós demonstramos interesse em ter nosso filho e isso tranquilizou a Justiça”, pondera.

De qualquer forma, Andreia não deixa de ver falhas no processo. “Eu concordo que as autoridades devam vigiar, fiscalizar, mas não concordo com a demora de retirada de poder familiar daqueles que provocaram maus tratos”, comenta. “Os pequenininhos já poderiam estar em família, mas vão ficando, ficando até que pai, mãe, tio e por aí vai se arrependam e vão lá buscar, o que eu não acredito que aconteça”, complementa.

A presidente da Comissão dos Direitos da Criança e do Adolescente da seccional goiana Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO), Bárbara Cruvinel concorda. “O grande problema é justamente o trâmite, a inteligência legal. Os prazos são demasiados”, explica.

De acordo com a advogada, pelo modelo atual a prioridade é sempre dada ao vínculo biológico. “Em todos os casos é feita uma busca pela mãe, pelo pai, por tios, avós, e isso muitas vezes é um grande entrave. Em muitos casos a mãe abandona a criança ou a família sequer poderia saber que a mulher engravidou”, critica.

Como resultado da longa espera por alguém com um laço sanguíneo, a criança muda de perfil, explica Bárbara. “Logo ela entra em uma idade que não tem muita demanda e acaba ficando para trás”, salienta.

Felizmente, um projeto da senadora Rose de Freitas (PMDB-ES), que estipula que o prazo máximo para a conclusão do procedimento de adoção será de 12 meses depois de iniciado o estágio de convivência, encontra-se em fase de apreciação no Congresso Nacional. A PLS 31/2017 descreve que, após os pais levarem o filho que pretendem adotar para casa, e os profissionais da equipe multidisciplinar da Justiça passarem a avaliar a adaptação da nova família, a formalização da adoção deve se dar no prazo de um ano. Atualmente, não há limite estabelecido.

Bárbara reconhece que não se trata de uma solução ideal, mas é um passo a mais para a constituição de novas famílias. “Esse projeto não vai resolver o problema principal, mas vai amenizar para as crianças que esperam um novo lar e para os pais que esperam adotar.”