Mais de 100 entidades assinam nota contra operação da PM que matou 4 na Chapada dos Veadeiros
134 entidades da sociedade civil organizada, movimentos sociais, de defesa de direitos e da legalidade…
134 entidades da sociedade civil organizada, movimentos sociais, de defesa de direitos e da legalidade de Goiás e do País assinaram nota de repúdio contra a operação da Polícia Militar (PM) que terminou com quatro mortes na região da Chapada dos Veadeiros, em uma fazenda de Colinas do Sul, próximo de Cavalcante. O caso aconteceu no último dia 20 em uma plantação de maconha.
Morreram: Ozanir Batista da Silva, de 46 anos, conhecido como Niro ou Jacaré, Chico Kalunga, que não teve o nome completo divulgado, Salviano Souza Conceição, de 63 anos, e Alan Pereira Soares, de 27.
O caso ganhou proporção nas redes sociais, após moradores e amigos das vítimas relatarem que os quatro mortos não tinham comportamento violento e que eram queridos na região. Além disso, destacam que eram pessoas humildes, que realizavam serviços de jardinagem e limpeza de lotes na região, para sobreviverem.
A corporação, por sua vez, afirma que os mortos eram suspeitos de tráfico de drogas por estarem em uma plantação de maconha. 58 disparos, sendo 48 deles só de fuzil, foram efetuados pelos militares. Os moradores contestam.
Inclusive, a PM afastou os policiais envolvidos na operação que causou quatro mortes, no começo da semana. Além disso, determinou instauração de um inquérito policial militar.
Nota de repúdio
A nota de repúdio das 134 entidades cita que os “policiais alegam que receberam uma denúncia anônima da existência de uma plantação de cannabis, e ao chegarem no local, teriam sido recebidos à bala. Entretanto, nenhum policial ou viatura foram alvejados ou feridos”.
Ainda de acordo com o texto, as quatro vítimas “morreram por causa da indiferença com a vida de uma guerra insana, que condena e mata de forma seletiva uma parte da população que é preta e pobre, em verdadeiros tribunais de rua”.
E ainda: “Exigimos o imediato cumprimento das leis vigentes e uma investigação séria e independente capaz de apurar todas as irregularidades cometidas, assim como fazer justiça à memória das vítimas e à dignidade das famílias.”
Veja todas as entidades que assinaram AQUI.
Confira a nota na íntegra:
“A comunidade de São Jorge e da Chapada dos Veadeiros, com apoio de diversas entidades de defesa de direitos humanos e movimentos sociais de Goiás, vem a público denunciar a ação policial do último dia 20 de janeiro, já conhecida como Chacina da Chapada dos Veadeiros, promovida pelo Estado de Goiás, que assassinou quatro homens, um deles quilombola Kalunga da Comunidade da Barra de Monte Alegre.
Neste dia, o Grupo de Patrulhamento Tático (GPT) da Polícia Militar de Goiás invadiu, sem mandado judicial, um assentamento localizado na zona rural de Cavalcante, onde encontravam-se sete pessoas. Quatro delas foram assassinadas pela PM sem direito à defesa e outras três conseguiram fugir com vida. Os policiais alegam que receberam uma denúncia anônima da existência de uma plantação de cannabis, e ao chegarem no local, teriam sido recebidos à bala. Entretanto, nenhum policial ou viatura foram alvejados ou feridos. As vítimas foram mortas por 58 tiros, sendo que 40 disparos foram feitos por fuzis.
Salviano, Chico Kalunga, Jacaré e Alan eram conhecidos por todos da comunidade e muitos possuem estórias pra contar dos momentos vividos juntos. Não eram pessoas violentas, não andavam armados. Eram pacíficos. Morreram por causa da indiferença com a vida de uma guerra insana, que condena e mata de forma seletiva uma parte da população que é preta e pobre, em verdadeiros tribunais de rua.
Por que matar primeiro e perguntar depois? Por que não optar por uma investigação inteligente, que permita conhecer o perfil dos suspeitos envolvidos e seus antecedentes? Por que a polícia goiana em um sem número de vezes não cumpre sua missão de prender suspeitos e garantir o direito de defesa de todas as pessoas, observando o uso proporcional da força e o respeito à lei? Por que não respeitam o Estado de Direito, onde impera a lei e o devido processo legal? Por que os órgãos de controle mantidos com recursos públicos pouco agem?
Nos últimos anos, diversas entidades da sociedade civil vêm apresentando inúmeras denúncias de casos emblemáticos de violência policial, abuso de autoridade, abordagens ilegais, formação de grupos de extermínio, tortura e desaparecimentos forçados protagonizados pela polícia militar. Uma situação tão grave que, denunciada nos meios políticos, foi nacionalmente e internacionalmente reconhecida a partir da realização de uma audiência temática na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em Washington (EUA), em 2011, e teve a federalização de inquéritos que demonstraram graves violações de direitos humanos e a inércia das instituições estaduais.
De lá pra cá, pouco ou nada mudou. Para se ter uma noção da situação atual, segundo o último Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2021), a polícia goiana é a segunda mais letal do país e é responsável por 29% das mortes violentas intencionais totais do estado, índice que não deve superar 10% e indica a proporcionalidade do uso da força. Outro indicador de proporcionalidade é a relação do total de mortos em intervenções policiais e o total de policiais assassinados. Em Goiás, para cada policial vítima, morrem 210 civis. É o maior índice dentre os 27 estados brasileiros. O FBI (EUA) trabalha com a proporção de 12 civis mortos para cada policial morto. Estudiosos sugerem que quando essa proporção é maior do que 15, então a polícia está abusando do uso da força letal. Recente análise de dados oficiais da Justiça de Goiás nos mostra que só uma em 200 mortes por intervenção policial em Goiás vira processo na Justiça, nos deixando estarrecidos pela total inoperância dos sistemas policial e judiciário que falham reiteradas vezes em garantir justiça por meio de uma apuração ágil e transparente dos casos de violência nos quais estão envolvidas as forças de segurança. E por permanecerem sem solução e na invisibilidade, condenam centenas de famílias a um sofrimento psíquico sem fim, estimulam a impunidade e geram ainda mais violência.
Estamos mobilizados para dizer “Basta”!
Não queremos aceitar mais violência e impunidade!
Denunciamos que os nossos mais nobres anseios por segurança pública e direito à vida abundante e plena estão sendo sequestrados por um Estado incapaz de controlar a violência e responsabilizar quem descumpre a lei no exercício de sua missão pública. Recusamos a ideia de que nossa segurança depende da quantidade de terror que se espalha pelo mundo.
Exigimos o imediato cumprimento das leis vigentes e uma investigação séria e independente capaz de apurar todas as irregularidades cometidas, assim como fazer justiça à memória das vítimas e à dignidade das famílias.
Exigimos o aperfeiçoamento dos mecanismos de controle social das forças de segurança e que seja implantado com urgência o aparelhamento da polícia militar para possibilitar a gravação audiovisual das operações policiais, de preferência com câmeras acopladas aos uniformes ou capacetes dos agentes policiais, medida que tem sido capaz de diminuir os alarmantes números de casos de violência policial nos estados que a adotaram.
São Jorge e a Chapada dos Veadeiros, símbolos de resistência e diversidade, não verão a história de seus filhos e filhas serem manchadas pela impunidade e pela violência do Estado.”