VIOLÊNCIA

Moradores contestam PM sobre operação com quase 60 tiros e 4 mortos em Cavalcante

Moradores da Vila São Jorge, que fica entre Cavalcante e Colinas do Sul, região da…

Moradores da Vila São Jorge, que fica entre Cavalcante e Colinas do Sul, região da Chapada dos Veadeiros, contestam a Polícia Militar sobre uma ação que culminou em quatro mortes, ocorrida na última quinta-feira (20/01). A corporação afirma que os mortos eram suspeitos de tráfico de drogas por estarem em uma plantação de maconha. Quase 60 disparos, sendo 48 deles só de fuzil, foram efetuados pelos militares.

O caso ganhou proporção nas redes sociais, após moradores e amigos das vítimas relatarem que os quatro mortos não tinham comportamento violento e que eram queridos na região. Além disso, destacam que eram pessoas humildes, que realizavam serviços de jardinagem e limpeza de lotes na região, para sobreviverem.

As pessoas que morreram foram, Ozanir Batista da Silva, de 46 anos, conhecido como Niro ou Jacaré, Chico Kalunga, que não teve o nome completo divulgado, Salviano Souza Conceição, de 63 anos, e Alan Pereira Soares, de 27.

Bruna Batista da Silva, de 24 anos, é sobrinha de Ozanir e conta que o tio era uma pessoa tranquila e se preparava para fazer um plantação numa área próxima ao local onde aconteceu o suposto confronto.

“Meu tio se preparava para fazer uma pequena rocinha para ele e estava indo plantar milho. Ele morava em um espaço aberto. Era uma pessoa simples e trabalhava fazendo servicinhos na região, além de contar com a ajuda dos outros”, destaca.

Segundo ela, a plantação de maconha ficava na fazenda de Salviano, que era vizinho do tio. A sobrinha afirma que o tio precisava atravessar a chácara de Salviano para chegar ao terreno onde plantaria o milho. Na ocasião, ele estava com Chico, que era grande amigo da família.

“Toda a comunidade está em choque. Não deram chance para eles se defenderem. Independentemente se teve algum erro, eles não podem chegar e já ir matando alguém. O meu tio não tinha antecedentes criminais. A gente não quer deixar isso impune”, relata.

PM contesta família e diz que suspeitos estavam armados

Segundo o boletim de ocorrência da PM, seis militares receberam um denúncia anônima para verificar a ocorrência da existência da plantação de maconha. Por ser uma região de difícil acesso, os policiais tiveram que ir à pé até o local relatado pela denúncia.

Ainda segundo o documento, os policiais encontraram “uma grande quantidade de pés de maconha”. Ao chegar no local, os policiais encontraram sete pessoas. Ao ser dada ordem de prisão, os suspeitos teriam atirado contra os policiais, que revidaram. A polícia afirma que quatro suspeitos foram baleados e três fugiram por uma mata.

O local era de difícil acesso e sem sinal para celular. Os policiais, então, pegaram os feridos, levaram para a viatura e transportaram para o Hospital Municipal de Colinas do Sul, a 35 quilômetros da chácara. Entretanto, o médico do local só constatou os óbitos dos homens.

A polícia destaca ainda que foram apreendidas cinco armas de fogos com os suspeitos. No local, segundo o boletim, haveria 2 mil pés de maconha. Porém, esse número foi corrigido mais tarde e que contava entre 500 a 600 pés do entorpecente na área. Toda droga foi incinerada no local, conforme prevê a lei.

A corporação também afirmou que foram apreendidos uma balança de precisão, uma pequena quantidade de maconha prensada e pronta para venda em tabletes. Além de sementes, folhas secas, uma prensa manual e munições.

Material apresentado pelos policiais militares sobre a ocorrência (Foto: divulgação – PC)

Família diz que Ozanir não tinha arma

Bruna afirma que o tio não tinha arma de fogo. “Meu tio não andava armado porque não tinha arma de fogo. Se alguém ali tivesse, é porque, pelo fato de morar na roça, algum deles teria uma espingarda. Mas seria pelo fato de morar na roça e meu tio não era essa pessoa”.

Além disso, Bruna destaca que o tio e Chico tinham marcas roxas no corpo, o que pode sinalizar um possível agressão antes das mortes. “Meu tio foi agredido. Ele estava com algumas manchas roxas. Uma outra coisa que a gente se pergunta é que tudo aconteceu pela manhã e ficamos sabendo que eles ficaram horas e horas em sacos pretos no hospital de Colinas do Sul. Eles só saíram à noite de lá. Por que isso?”, questiona.

Bruna afirma que o tio teve que ser velado rapidamente, pois o corpo já estava em avançado estado de decomposição. “Meu tio nem teve um velório decente. O caixão deve que ser rapidamente aberto e logo foi fechado, pois já estava exalando um forte cheiro. Muito desumano tudo isso”, desabafa.

A jovem conta que a ação policial causou reflexos nos seus avós. “Minha avó tem 67 anos e meu avô, 66. A minha avó depende de remédio, é diabética e toma insulina. A pressão dela nunca voltou ao normal desde que tudo isso aconteceu. Ele era o primogênito dela”, conta.

Ozanir deixa dois filhos e os sonhos de conhecer a praia e arrumar os dentes.

Preconceito

Bruna acredita que o tio e Chico, que morava em uma comunidade Kalunga da região, foram vítimas de racismo, já que, segundo ela, eram os únicos negros e foram os que mais levaram disparos. “Meu tio era negro, usava dreads. Ele não foi e nem vai ser a última pessoa que será julgada pela sua cor de pele ou pela aparência. Isso é um absurdo em pleno século XXI”, destaca.

A jovem destaca que a família busca provas da inocência de Ozanir. Além disso, querem que a polícia prove que houve troca de tiros na região. “A gente não vai se calar. Estamos todos assustados, mas eles estão achando que é só chegar aqui, matar, dizer que eram criminosos e ir embora? Não! Vamos lutar até o fim por Justiça e isso não vai cair no esquecimento”, afirma.

Moradores contestam PM sobre operação com quase 60 tiros e 4 mortos em Cavalcante
Ozanir foi um dos mortos no suposto confronto (Foto: arquivo pessoal)

O coro de Bruna foi endossado por diversos pedidos nas redes sociais. O produtor Murillo Aleixo, de 33 anos, classifica todo o ocorrido como chacina. “Revoltante e inadmissível a chacina que aconteceu na Chapada dos Veadeiros, pessoas que eu conheço e convivo aqui na Vila de São Jorge, foram executadas pela polícia, numa ação cruel, injusta, brutal e desproporcional. O que aconteceu foi uma execução a sangue frio, sem direito à defesa ou julgamento”, escreveu em um rede social.

Murillo também pede punição aos envolvidos e que haja uma investigação na morte dos quatro conhecidos. “Esse caso deve ser investigado com todo rigor, e os policiais responsáveis por essa chacina devem ser afastados imediatamente. Que a Justiça seja feita!”, finalizou.

Investigação

A Polícia Civil afirma que esteve no local na manhã após o ocorrido e que o caso está sendo investigado pelo delegado Alex Rodrigues. O Mais Goiás não conseguiu contato com ele para saber como está o andamento das apurações.

O portal também entrou em contato com a PM, por email, solicitando uma nota da operação, mas não obtive retorno até a publicação da matéria.