MP investiga participação de funcionários em crimes sexuais praticados por João de Deus
Os promotores que compõem a força-tarefa afirmam que funcionários, voluntários e empresários ligados ao líder espiritual tinham consciência e contribuíam para que os abusos ocorressem e para que as vítimas não denunciassem
Durante a apresentação à imprensa da 10ª denúncia contra o médium João de Deus na manhã desta quarta-feira (5), a força-tarefa do Ministério Público de Goiás (MP-GO) informou que o órgão investiga uma possível rede de proteção e apoio aos crimes sexuais pelos quais ele é acusado. Os promotores afirmam que funcionários, voluntários e empresários ligados ao líder espiritual tinham consciência e contribuíam para que os abusos ocorressem e para que as vítimas não denunciassem.
“Podemos adiantar que está sendo investigado de que forma os funcionários contribuíam, se eles tinham atuação determinante para a prática destes crimes, como essa estrutura de apoio funcionava para fins de possível responsabilização criminal. Não podemos afirmar o momento, como e quem será denunciado, mas podemos dizer que existe sim uma apuração e direcionamento neste sentido”, explicou à imprensa o promotor Augusto Souza.
Os abusos da última denúncia aconteceram entre 2015 e 2018, na presença de diversas pessoas que, conforme o MP, eram instruídas a ficar olhos fechados e cabeça baixa durante todo o tempo de oração. Caso abrissem os olhos, eram convidadas a se retirar do local. Segundo a força-tarefa, os funcionários da Casa eram os únicos que ficavam de olhos abertos e tinham conhecimento de tudo o que acontecia dentro da sala.
“Eles não só tinham conhecimento dos fatos, como também contribuíam para viabilizar os delitos e impedir que as vítimas denunciassem, fazendo com que elas duvidassem do ocorrido. Uma das vítimas, depois de passar por essa situação, foi até um funcionário para relatar o que tinha ocorrido. Ele disse que isso era comum, normal, que não tinha nada de sexual no ato, que era algo assexuado. Isso dissuadiu completamente essa pessoa de tomar alguma providência”, contou a promotora Ariane Patrícia Gonçalves.
Ainda conforme a denúncia, ao final do atendimento, o réu ficava sentado em um trono, aguardando para ter contato com os visitantes. No momento desse atendimento, as vítimas se ajoelhavam perante o médium, que, aproveitando-se da situação, sob o fraudulento pretexto de realizar um atendimento espiritual, esfregava a mão da ofendida sobre o órgão genital. “Os crimes não aconteceram em uma rua deserta que a vítima corre quando vê um agressor. Eles aconteceram na Casa Dom Inácio de Loyola, que é um centro espírita. E foi praticado por uma pessoa que se dizia médium e que dizia intermediar cura. As mulheres que iam lá não fugiam do João de Deus. Elas iam com fé, com esperança da cura. Ele se aproveitava desse falso atendimento, pegava a mão da vítima e colocava sob o pênis dele”, afirmou a promotora.
Ariane Gonçalves informou, também, que o fato de ninguém reagir diante dos abusos causava insegurança e inibia as mulheres de saírem do local a procurar uma delegacia. “As mulheres eram atendidas sozinhas, individualmente. Os atos eram muito mais agressivos e elas estavam em uma situação em que não podiam reagir. Seja porque tinham uma doença e queriam uma cura ou porque um parente tinha uma doença e precisava de uma cura, por exemplo. Elas não tinham a segurança para sair dali e denunciar”.
Segundo a força-tarefa, até o momento foram mais de 300 vítimas procuraram o MP. Mais de 180 foram ouvidas formalmente e cerca de 100 vítimas foram levadas à Justiça por crimes não prescritos, fora as mulheres utilizadas para corroboração destes relatos.
Relembre
João de Deus é réu em dez processos por crimes sexuais, posse ilegal de arma e falsidade ideológica. Ele nega as acusações. O médium foi preso no dia 16 de dezembro de 2018 acusado de abusos sexuais durante atendimentos espirituais. No dia 22 de março de 2019 ele foi encaminhado ao Instituto de Neurologia de Goiânia para tratar um aneurisma no abdômen. Em abril deste ano, o STJ prorrogou por mais dez dias o prazo de internação. À ocasião, a unidade de saúde comunicou, por meio de nota, que o médium continuaria internado, desta vez para tratar de uma pneumonia. Após o fim do prazo, um novo pedido foi protocolado. O ministro Nefi Cordeiro atendeu à solicitação e ampliou a internação por mais 30 dias.
O Núcleo de Custódia já foi notificado sobre transferência do réu. O despacho foi assinado pela juíza Rosângela Rodrigues dos Santos, de Abadiânia. O comunicado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre decisão chegou à mesa dela na manhã desta quinta-feira.
A qualquer momento o líder espiritual deverá ser encaminhado para uma cela no Núcleo de Custódia, no Complexo Prisional de Aparecida, onde já cumpria prisão preventiva por série de abusos investigada pelo Ministério Público estadual e Polícia Civil.