MPF ajuíza ação civil pública contra União por tortura em batalhão do Exército em Jataí
Além de depoimentos, investigação teve acesso a fotos e vídeos probatórios. Vítimas eram simpatizantes de Direitos Humanos e movimentos políticos. Órgão solicita pagamento de R$ 15 mi por dano moral coletivo
Na última segunda-feira (26), o Ministério Público Federal entrou com ação civil pública contra a União em razão de casos apurados de tortura dentro do 41° Batalhão de Infantaria Motorizada, situado em Jataí. De acordo com a investigação, iniciada em outubro do ano passado, recrutas simpatizantes dos Direitos Humanos e participantes de movimentos sociais e/ou políticos eram submetidos a agressões físicas e morais por parte de superiores hierárquicos. Segundo o documento, os ataques incluíam pisões na cabeça e golpes areia chutada no rosto.
De acordo com o documento, os superiores tomavam conhecimento das questões pessoais por meio da chamada Ficha de Entrevista de Conscrito, em que recrutas eram obrigados a responder conceder informações privadas relativas à religião e participação em movimentos políticos e sociais. Os relatos de agressão, segundo o documento, acompanham vídeos probatórios feitos pelas vítimas.
Conforme expõe o o procurador da República Jorge Luiz Ribeiro de Medeiros, o que se verificou foi a “imposição de sofrimento agudo físico e mental (pisões na cabeça, jogar areia no rosto) por parte de Praça/Cabo, como forma de castigo por ato praticado (transgressão disciplinar por apresentação em desconformidade – cabelo pintado) por recruta, configurando-se assim a prática de tortura (sic)”, consta na peça acusatória.
O Mais Goiás aguarda posicionamento do Exército Brasileiro sobre o caso.
Concedendo informações
Em depoimento, um soldado revela como se dá a obtenção de informações. “Eles fazem entrevista, pergunta pra gente se está envolvido com movimentos sociais e infelizmente eles perguntaram pra mim se tinha vínculos com movimento social, como eu tenho vínculo bem grande com direitos humanos… (sic)”, consta no documento.
Durante depoimento concedido ao MPF, o soldado relatou sofrer perseguição na unidade em razão de seu posicionamento político. A partir do preenchimento do formulário, segundo ele, um homem identificado apenas como tenente Zeni proferiu ameaças.
“Ele começou a gritar comigo. ‘Você que ajuda guerrilheiro a entrar dentro dos quartéis para roubar fuzil, você que é petista, que é do sem-terra, do MST, você vai sair [do Exército] nem que seja a última coisa que eu faça. Mas vou te ensinar como é que se faz, vou mudar sua ideologia, vou mudar sua mente aqui dentro’. Fiquei com muito medo, porque todo mundo tem medo do tenente Zeni (sic)”, revela o soldado na peça.
Apuração
Em posse das informações, o procurador solicitou ao Comando do referido batalhão o envio do formulário. “Assim que o MPF/GO recebeu a ficha, confirmou-se que tais informações eram efetivamente cobradas dos recrutas, o que já viola o princípio da impessoalidade na Administração Pública”, esclarece Medeiros. O procurador ainda destaca que a simples concessão forçada de aspectos da vida privada desconexos ao desenvolvimento das atividades militares é, por si só, ilícito e violador de direitos fundamentais.
Na sequência, o órgão indagou ao Comando Militar do Planalto e ao Estado Maior do Exército Brasileiro sobre quais unidades da corporação fariam uso do supracitado formulário. Segundo Jorge, o que se verificou foi uma sequência de respostas “evasivas e contraditórias, culminando em grave prestação de informação em desconformidade com a verdade dos fatos”.
Consta no documento que o Departamento Geral de Pessoal do Exército (DGP), afirmou que o modelo de ficha adotado nacionalmente não previa os questionamentos pessoais. ““Recebemos um formulário do DGP completamente distinto daquele efetivamente utilizado pela unidade em Jataí”, critica o procurador.
Conforme explica o procurador a adesão a um pensamento político e participação em associações de sociedade civil que defendam tal posicionamento são “consequência do pluralismo político assegurado pelo artigo 1° da Constituição Federal, configurando-se ainda como exercício legítimo da liberdade de expressão garantida pelo artigo 5°”.
De acordo com Luiz, é vedado ao poder público adotar concessão forçada de tais informações como requisito para o alistamento. Para ele, violou-se ainda o “princípio da impessoalidade na Administração Pública”. “[Isso ocorre] na medida em que questionamentos sobre adesão a movimentos permitiram uma exclusão/seleção [de recrutas] a partir de características individuais relacionadas ao exercício privado da personalidade do cidadão.
Danos Morais Coletivos
A Ação Civil Pública prevê a condenação da União ao pagamento de R$ 10 milhões pela prática ilícita de requisição de informações de cunho privado, bem como a prestação de informações em desconformidade com a verdade dos fatos.
Em virtude do tratamento omissivo institucionalizado em relação à pratica de tortura em suas dependências, o MPF requer o pagamento de R$ 5 milhões.