POLÊMICA

Mulher se pinta de preto em escola de Valparaíso no dia da Consciência Negra

Representante de movimento negro diz que ato foi equivocado, apesar da boa intenção

Escola de Valparaíso tem atriz com blackface no Dia da Consciência Negra (Foto: Reprodução)

A escola municipal Judite Maria da Silva, em Valparaíso de Goiás, celebrou o Dia da Consciência Negra com uma atriz que se tingiu de preto e vestiu peruca de cabelos crespos. A prática de pintar o rosto com tinta preta é considerada racista por grupos de movimentos negros.

As imagens foram publicadas no Facebook da escola, mas apagadas após denúncia do Blog do Biel. Nelas, uma atriz aparecia com a fantasia e o rosto pintado.

Na legenda das fotos: “Reconto de Menina Bonita do Laço de Fita, da autora Ana Maria Machado. A personagem compareceu à nossa escola e encantou as crianças, além de falar sobre a importância de respeitarmos uns aos outros. Equipe sempre proporcionando aula show aos estudantes, pois com o lúdico, a aprendizagem é significativa.”

A prefeitura pediu desculpas pelo ocorrido.

Desrespeito, preconceito

Leandro Dias faz parte do Movimento dos Agentes Pastorais Negros. Ao portal, ele afirma que o principal problema desse tipo de ação é reforçar estereótipos. “Existem pretos de todos os tipos, de todas as tonalidades. Pessoas pretas fizeram todas espécies de coisa no Brasil e no continente, e fazem pelo mundo. Então não dá para representar, não é um personagem, não é uma criação, é algo real. E se existe, se você quer falar sobre um leão, você não vai desenhar um bicho com asas.”

Ele cita, ainda, que a Lei 10.639 traz a necessidade do estudo da história da África e cultura afro-brasileira, mas existe  a falta do conhecimento na educação brasileira, do seu passado africano e do legado que esse povo deixa para o Brasil. “Então, a posição dessa educadora, a reflexão de estereótipos não favorece no momento nenhuma percepção do que é realmente a cultura negra no Brasil.”

Assim, ele afirma que é preciso pessoas com conhecimento dessa legislação para dar formação aos professores  e trabalhadores da educação, a fim de evitar esse tipo de equívoco. “Esse tipo de postura é equivocado, mesmo que bem intencionado”, observa sobre a apresentação e reforça: “O fato de ser bem intencionado não tira o peso.”

Para Leandro, o ideal era levar uma pessoa preta, ou uma professora ou professor, para fazer uma fala real para esses estudantes. “Da importância do Dia da Consciência Negra. E como que isso está carregado de muito trabalho de militantes pretos.”

Prefeitura de Valparaíso emite nota de retratação

A prefeitura de Valparaíso emitiu uma nota de retratação pelo ocorrido. Em parte do texto, a administração alega que o termo “apontado pelos supostos ofendidos, é desconhecido por essa comunidade escolar” e que “não trabalha com o intuito de diminuir seres humanos, mas elevar o nível dos povos que sofreram com a prática opressora ressaltada pela história mundial”.

Ainda no texto, a prefeitura afirma que a divulgação da aula foi excluída das redes sociais e que a equipe pedagógica pede pública e formalmente desculpas a quem se ofendeu com a apresentação.

“Não compactua com qualquer tipo de preconceito a quem quer que seja; solicita, ainda, a Secretaria Municipal de Educação, formações que abarquem o sentido do tema em epígrafe, munindo os servidores de mais saberes que incluam”.

Confira o documento completo AQUI.

Blackface

O blackface existe há, pelo menos, 200 anos. Segundo reportagem da BBC Brasil, é possível que tenha começado em Nova York, nos Estados Unidos.

A prática ridicularizava pessoas negras para entreter brancos, por meio de esteriótipos negativos e piadas. Ainda no século XIX, atores brancos pintavam o rosto de preto para fazer humor, com comportamentos exagerados que associavam aos negros.

Vale destacar, os negros não podiam ocupar palcos e atuar, na época – justamente por causa da cora da pele. Com isso, brancos faziam blackface para interpretarem esses papéis.

Mesmo no século XX, a técnica prosseguiu. A própria BBC admite que, por 20 anos (1958 a 1978), teve um programa que fez uso da prática racista: The Black and White Minstrel Show.

Com o crescimento de movimentos antirracistas, o blackface foi excluído, aos poucos, das mídias. Hoje é visto como algo a se lamentar.

Uma das cenas mais emblemáticas do filme O Cantor de Jazz, de 1927
Cena do filme O Cantor de Jazz, de 1927 (Foto: Divulgação)