MST

Mulheres garantem terra da Fazenda São Lukas, em Hidrolândia, para assentamento

Com plantação de variedade, após a colheita, itens são divididos entre as famílias do local e depois doados para instituições e pessoas em vulnerabilidade social das cidades da região; Justiça extinguiu processos de reintegração de posse sem resolução do mérito

Com orgulho, a líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Romilda Moreira Silva, mostra as plantações do acampamento (em breve assentamento) Dona Neura, na Fazenda São Lukas, em Hidrolândia. Hoje, a terra está na posse do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para fins de reforma agrária, após a Justiça Federal da 1ª Região, por meio do juiz Paulo Ernane Moreira Barros, extinguir dois processos pela reintegração de posse à prefeitura, sem a resolução do mérito.

A decisão é do começo deste mês de abril. Ele cita que o município “possuía interesse e legitimidade para buscar a reintegração de posse do imóvel ocupado de forma irregular naquele momento, sendo que, no decorrer da lide o cenário em questão sofreu alterações. Nesse sentido, ante a transferência do imóvel ao INCRA e a anulação do Contrato de Cooperação firmado até então pela municipalidade e SPU, resta demonstrado o desinteresse do ente público municipal na concessão da medida ‘in limine’, seja pela ilegitimidade ativa, seja pela carência de ação para tal finalidade”. Ainda é possível as partes interessadas entrarem com recurso, se não houver transitado em julgado, ou uma nova ação – mas caberá ao juiz analisar se houve perda do objeto ou não.

Romilda celebrou a vitória. “Fruto da luta das mulheres.” Vale lembrar, em março de 2023 teve início a ocupação da Fazenda São Lukas, durante a Jornada Nacional de Luta das Mulheres Sem Terra. Houve o despejo no mesmo dia, mas elas retornaram em 24 de julho daquele ano. “A maioria da coordenação é formada por mulheres, mães. Essa vitória significa muito, pois esta terra era utilizada para o tráfico internacional de mulheres”, lembra.

De acordo com ela, o desafio, agora, é garantir o acesso pleno à propriedade. Ela argumenta que parte do local é ocupado por funcionários da prefeitura, que ainda permanecem na propriedade, de forma ilegal, e utilizando das estruturas para restringir o acesso das famílias à água e luz elétrica. O Mais Goiás procurou a assessoria da prefeitura de Hidrolândia para comentar a fala.

Segundo o município, o juiz não analisou o pedido da presente demanda judicial, não sendo, portanto, decidido que o MST teria direito a permanecer na posse do imóvel objeto da discussão judicial. Além disso, reforçou que não houve determinação para retirada da administração do imóvel.

“Assim, mesmo diante da inexistência de decisão judicial que obrigue o município a desocupar a referida área, será realizado dentro dos próximos dias a desocupação da área e consequentemente a entrega do imóvel ao INCRA, para que tome as medidas que achar pertinentes.”

Terra usada para exploração sexual no passado, hoje é utilizada para alimentar, sobretudo, pessoas carentes (Foto: Jucimar de Sousa)

Vida nova

“Temos plantado mandioca, batata-doce, melancia, abóbora, quiabo, jiló, alface, couve, amendoim… São essas variedades, no momento”, diz orgulhosa, Romilda. Após a colheita, ela revela que existe a divisão entre as famílias que vivem no acampamento. “Como não conseguimos consumir tudo, fazemos as doações para creches e asilos em Hidrolândia, Professor Jamil e outras. Também na rua, para pessoas carentes”, explica.

Uma terra usada para exploração sexual no passado, hoje é utilizada para alimentar, sobretudo, pessoas carentes. Romilda destaca, constantemente, que o assentamento é coordenado, em sua maioria, por mulheres. Agricultoras que trabalham na terra. “Todas as famílias festejam a vitória na Justiça.”

O projeto de assentamento do Incra vai abrigar 13 famílias, inicialmente, conforme edital. O local, hoje, abrigam mais de 300 grupos familiares, todos aptos a concorrer a cerca de um alqueire. “Morar dentro da área, ter o Cadastro Único (CadÚnico) do município e ter o título eleitoral.” Os excedentes serão assentados em outros acampamentos. “Se o Incra não arrumar a área para colocar os excedentes, as famílias vão ficar aqui, nesse espaço coletivo, em forma de acampamento”, adianta.

Viver da terra

A agricultora Marlene Moraes não deixa a enxada para falar ao Mais Goiás – e nem desfaz o sorriso. Segundo ela, hoje não é mais um acampamento, mas um assentamento, pois por três vezes foi possível vencer na Justiça. “Foi muito difícil, mas o resultado veio agora. Da mesma forma, a ocupante Deusuita Amorim, com uma abóbora na mão, revela que o grupo trabalha em uma área de produção de hortaliças até outras mais altas. “Queremos uma produção para atender mais pessoas”, revela o interesse em ajudar.

Coraci Pereira também é agricultora e está no local entre idas e vindas, desde a primeira ocupação. Mãe de oito filhos e avó de nove netos, ela diz que luta para eles. “Para mostrar que vale a pena estar neste movimento, lutando por essa terra. Para nós, a terra é um remédio, de aprendizado, de dividir. Faz parte da nossa vida. Estamos trabalhando.”

Coraci Pereira quer mostrar aos filhos e netos que “vale a pena estar neste movimento, lutando por essa terra” (Foto: Jucimar de Sousa)

Ocupação

A primeira ocupação, como mencionada, ocorreu em 25 de março de 2023, e teve como objetivo acelerar o processo de retomada da política de reforma agrária em Goiás. Após ampla visibilidade proporcionada à situação da Fazenda São Lukas, diversas autoridades se reuniram no Ministério do Desenvolvimento Agrário em Brasília (DF) em 27 de março de 2023 para tratar da destinação da área que havia sido alvo de uma operação que prendeu uma quadrilha de traficantes de mulheres em 2016.

O acampamento instalado na área é denominado “Dona Neura”, em homenagem a Neurice Torres, vítima de feminicídio em setembro de 2022. Dona Neura era uma assentada da reforma agrária, conhecida por ser uma guardiã do Cerrado e defensora da Agroecologia. O processo de destinação da propriedade foi transferido pela União, representada pela Superintendência do Patrimônio da União em Goiás (SPU-GO), para o Incra, ainda naquele ano.

Nota completa da prefeitura de Hidrolândia

A Administração Pública Municipal de Hidrolândia, Estado de Goiás vem a público manifestar acerca da decisão judicial exarada nos autos da Ação de Reintegração de Posse, no âmbito da Fazenda São Lukas, nesta urbe.

Ressalta-se que a demanda judicial foi julgada “sem resolução de mérito”, ou seja, o juiz não analisou o pedido da presente demanda judicial, não sendo, portanto, decidido que o MST teria direito a permanecer na posse do imóvel objeto da discussão judicial.

Vale esclarecer ainda que, não houve determinação judicial, visando a retirada do Município de Hidrolândia do imóvel.

Assim, mesmo diante da inexistência de decisão judicial que obrigue o município a desocupar a referida área, será realizado dentro dos próximos dias a desocupação da área, e consequentemente a entrega do imóvel ao INCRA, para que tome as medidas que achar pertinente.”