Mulheres goianas invadem o tatame
Elas, que já são maioria nas academias goianas, buscam as artes marciais para manter a forma e até superar alguma violência sofrida
Esportes de luta e artes marciais sempre foram associados ao universo masculino. Mas como a violência, infelizmente, ainda é uma constante na vida das mulheres, são elas hoje que são a maioria nas academias que oferecem atividades ligadas a defesa pessoal.
A presença das mulheres nos tatames já é de 70% nas aulas de Muay Thai no Estado, afirma o presidente da Federação de Muay Thai de Estado de Goiás (Fegom), mestre Marlon Felício. “O que eu tenho visto na procura do Muay Thai feminino é a busca de um corpo perfeito e a preocupação também de aprender algum tipo de defesa pessoal. Antigamente, as mulheres eram mais cruas, tinham medo de entrar no tatame. Hoje elas estão usando mais isso para se defender dentro do lar,” explica.
Marlon ressalta ainda que cerca de 40% das mulheres que procuram o Muay Thai em Goiás já sofreram algum tipo de violência e elas buscam no esporte uma maneira de se defender e de se sentirem mais seguras. Esse é o caso de Gisele (nome fictício), que foi casada por cinco anos e apanhava constantemente do marido.
Apesar das agressões, Gisele disse que nunca pensou em denunciar o ex-marido porque ela acreditava estar errada sobre a situação. “Eu estava desempregada e ele me sustentava, e por isso ele se achava no direito de me humilhar, de me bater. Eu não podia fazer nada, tudo era motivo [para as agressões]. Piorava quando ele bebia, e ele falava tanta coisa que eu achava que a culpa era minha”, desabafa ela.
A mudança só aconteceu quando Gisele engordou e começou a ter problemas de saúde. “Ele dizia sempre que eu estava gorda e feia. Uma vez tive uma crise de pressão alta e o médico pediu para fazer atividade física e na academia perto de casa tinha Muay Thai e o instrutor disse que era a melhor coisa para emagrecer”, conta.
Durante as aulas Gisele passou a conhecer melhor o próprio corpo, a ter mais autocontrole e percebeu que não era tão fraca como pensava. Ela também conheceu outras mulheres, compartilhou sua dor e viu que ela não era a única nessa situação. “Eu percebi que eu era um ser humano e não merecia ser tratada daquele jeito. Nenhuma de nós merece”, frisa.
O esporte ajudou a Gisele a superar os medos e ela acabou se separando do marido um ano depois de começar o Muay Thai. Hoje ela diz que aprendeu a se defender física e emocionalmente , que anda de cabeça erguida e até encontrou um novo amor, mas ainda assim continua no esporte “para manter a forma e aliviar o stress”, brinca.
Sem stress
Mesmo para aquelas mulheres que nunca sofreram violência, as artes marciais têm sido a válvula de escape perfeita para fugir do stress e ainda manter a saúde e forma física. É essa a constatação do coordenador da academia Prime Gym, no Setor Marista, que oferece diversas modalidades voltadas somente para elas.
O coordenador explica que as atividades de luta desenvolvem vários aspectos psicológicos, como o autocontrole e autoconfiança, e ainda dão a oportunidade das mulheres extravasarem seus problemas diários. “Às vezes ela estão cheias de dor de cabeça em casa: é marido, filho, trabalho, e chega aqui é a hora delas extravasarem. Além de ter todo o benefício da atividade física, tem essa questão psicológica também”, destaca ele.
O sucesso das aulas ligadas a defesa pessoal fez tanto sucesso que a academia começou a abrir turmas só para elas. “Tem mulheres que não querem ter contato com homens durante a luta e então a gente abre uma turma só pra elas, e tem dado certo”, comemora Fagner.
A equipe do Mais Goiás acompanhou uma aula de boxe feminino na academia e o que nós vimos foi uma turma de mulheres trabalhadoras que usam o esporte para manter a forma, a segurança e o bom humor.
Uma das alunas da turma, a professora de italiano Maria Elisa Cattani, conta que além dos benefícios físicos, a luta ajuda e muito na sua vida pessoal e profissional. “Melhora muito a atenção, o autocontrole e a confiança. A gente também aprende a hora de se esquivar e a de atacar”, garante ela.
A professora também diz que o marido aprovou a ideia. “Ele diz que é melhor eu vir aqui bater em outros do que chegar em casa e bater nele”, brinca.