Abril azul

Não é doença, é condição: conscientização, amor e inclusão no dia mundial do autismo

Quando Pedro Lucas tinha um ano e cinco meses, a família começou a perceber sinais…

Quando Pedro Lucas tinha um ano e cinco meses, a família começou a perceber sinais incomuns. Pedro não verbalizava, não interagia com outras crianças, tinha fascínio por objetos giratórios, mantinha pouco contato visual, entrava em pânico ao ouvir barulhos altos e parecia que nunca ouvia ao ser chamado.

A mãe, Elizângela Ferreira, 30 anos, procurou um neurologista pediátrico. “Ao contar como era o comportamento do Pedro, o neurologista foi direto e disse que ele apresentava sinais do Transtorno do Espectro Autista. Eu saí do consultório sem chão, me perguntando porque com o meu filho!”, relembra.

O diagnóstico foi confirmado quando Elizângela procurou outros especialistas e exames: Pedro Lucas é autista. Hoje com três anos de idade, ainda não verbaliza e apresenta outros comportamentos comuns aos autistas. O autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento, logo, os autistas têm comportamentos ou sinais. Eles não têm sintomas, pois não se trata de uma doença.

O psicólogo Gustavo Tozzi Martins é especialista em casos de Transtornos do Espectro Autista e professor de Psicologia. Ele explica que, a qualquer sinal de alteração na criança, a família deve procurar um neuropediatra.

“É comum os pais ouvirem que deveriam esperar a criança se desenvolver, mas o ideal é a intervenção precoce. Antes dos três anos de idade, características já podem ser identificadas, como dificuldades na comunicação, alterações sensoriais, movimentos repetitivos, entre outros” explica.

Elisângela explica que a desinformação da sociedade é um dos maiores problemas em torno do autismo. “As pessoas julgam, lançam olhares tortos e são cruéis. As crianças autistas são taxadas de mal-educadas e estranhas apenas por se comportarem de maneira inadequada durante uma crise, por exemplo”, afirma.

 

Pedro Lucas com a mãe Elizângela Ferreira e o pai Márcio Ferreira no Parque Beto Carrero World (Foto: Reprodução)

A mãe de Pedro Lucas já ouviu dizerem que o filho “não parecia autista”. E a frase ecoa constantemente. “Autismo não tem cara. O diagnóstico não é uma sentença. Qualquer autista pode ser surpreendentemente brilhante, e eles merecem uma sociedade mais consciente e tolerante”.

Três anos após saber que o filho é autista, hoje ela está mais otimista. Com o apoio da família, todos têm aprendido a levar uma vida mais leve. “Nos adequamos a essa nova realidade. Valorizamos cada avanço do Pedro Lucas, pois o simples fato dele conseguir calçar os chinelos sozinho merece ser comemorado. Assim seguimos amando, apoiando e apreendendo com ele diariamente” conclui.

O psicólogo Gustavo Tozzi lembra que crianças autistas são, antes de autistas, crianças. E que o autismo, longe do que as pessoas pensam, não é uma doença, e sim uma condição.

“É um desrespeito dizer que autistas não têm empatia ou sentimento. As emoções são condições inerentes ao ser humano, sendo algumas inatas e outras decorrentes de aprendizagem. É possível que algumas pessoas demonstrem dificuldades em manifestar as emoções, mas elas existem” completa o médico.

Tozzi diz que cada criança ou adulto pode ou não ter dificuldades conforme seu desenvolvimento, e que o autismo gira em torno de pilares que envolvem habilidades sociais, padrões restritos de interesses e comportamentos e alterações sensoriais.

Dia 2 de abril é o Dia Mundial da Conscientização do Autismo (Foto: Divulgação/Ministério da Saúde)
Dia 2 de abril é o Dia Mundial da Conscientização do Autismo (Foto: Divulgação/Ministério da Saúde)

Diagnóstico e tratamento

Sabe-se que o autismo tem influências genética e ambiental do pré-nascimento. Até o momento, a ciência diz que as pessoas nascem autistas e não se tornam. Além disso, o autismo não tem causa oficial conhecida.

“O que se sabe são possíveis variáveis influenciadoras, mas não ainda com um nexo causal bem definido, como um fator determinante, como histórico familiar ou o uso de algum medicamento durante a gestação”, diz o psicólogo.

Para o tratamento, é preciso entender as demandas reais de cada pessoa. “É imprescindível o acompanhamento médico e qualquer outro que seja importante, não por um padrão de tratamento a ser seguido, mas porque existem profissionais que podem auxiliar cada pessoa em seu desenvolvimento e autonomia”.

“É comum dizer que o autista vive em um mundo só dele. Porém, ele está no mesmo mundo que nós e deve ser respeitado em todos os seus direitos e individualidades. A forma como ele se expressa pode ser diferente, mas isso não o torna um ser de outro mundo. A inclusão deve ser feita sempre com muito respeito”, conclui Tozzi.

Inclusão divertida

Em 2017, a tradicional série infantil Vila Sésamo estreou a primeira personagem com autismo. Júlia é uma menina de olhos verdes e cabelo laranja, e a ideia principal dos criadores do program foi propiciar uma maior inclusão das crianças autistas.

“Se você tem cinco anos e vê outra criança que não faz contato visual, pode pensar que ela não quer brincar com você. Mas não é o caso. Queremos criar maior consciência e empatia, contou Sherrie Westin, diretor da Vila Sésamo, à revista People.

“As demandas de um autista são muitas”

Nicole Oliveira Boarin tem 13 anos. Ela gosta de praticar esportes, principalmente natação. No tempo livre, escuta música, assiste televisão, clipes no YouTube e adora ir ao cinema. A mãe, Rita Maura Boarin, 55 anos, conta que, quando tinha um ano e meio de idade, Nicole perdeu toda a comunicação.

“Não respondia mais aos chamados, não pronunciava mais nenhuma palavra e arremessava tudo para cima. Brincava de maneiras diferentes. Com os carrinhos, por exemplo, virava eles para baixo e era capaz de ficar horas olhando as rodinhas se movimentarem”, diz Rita.

Nicole tem autismo, mas isso não a impede de adorar natação e ir ao cinema (Foto: Reprodução)
Nicole é autista e isso não a impede de adorar natação e ir ao cinema (Foto: Reprodução)

A mãe de Nicole explica que sempre teve a meta de fazer a filha conviver em sociedade.Supermercados, shoppings e restaurantes eram desafios.

“Saía para almoçar as 11h pois o ambiente estaria vazio e o barulho a incomodaria menos. Em viagens de avião, eu prendia o cinto na Nicole umas 50 vezes e ela soltava. Hoje, ela mesma prende. Se chegássemos na porta de uma festa de aniversário e tivesse balões, não entrávamos pois ela tinha pavor do balão estourando. Hoje ela já aceita ir a aniversários”.

Para Rita, o mais difícil na infância de Nicole foi a adaptação escolar e encontrar profissionais capacitados, além do preconceito. Ela relembra que, muitas vezes, a família era isolada de eventos sociais, não era convidada para casamentos ou confraternizações. Rita salienta que os autistas crescem, passam para a adolescência e aí cria-se um vácuo, apoiado pela desinformação da sociedade sobre o transtorno.

Nicole junto da mãe, Rita Maura Boarin, e do pai, Marcelo Boarin (Foto: Reprodução)

“As demandas de um autista são muitas e informação é sempre necessário. Faltam políticas públicas eficazes, que atendam os autistas. A pauta é extensa, mas a causa é nobre e não podemos deixar de reivindicar”.

Agora é lei

A Lei Estadual n° 20.116, sancionada em junho de 2018, assegura atendimento preferencial para o autista em estabelecimentos públicos estaduais e privados (supermercados, bancos, farmácias, bares, restaurantes, lojas em geral e outros locais nos quais sejam obrigados conter placa de atendimento prioritário).

O Procon Goiás é responsável por fiscalizar os estabelecimentos e, caso a lei não seja cumprida, o responsável pelo local recebe uma advertência. Se houver reincidência, será aplicada uma multa no valor de R$ 1 mil a R$10 mil.

Placa com o símbolo mundial do autismo garante atendimento prioritário (Foto: Divulgação/Procon Goiás)
Placa com o símbolo mundial do autismo garante atendimento prioritário (Foto: Divulgação/Procon Goiás)