Cultura

Os 130 anos de Cora Coralina: a mulher que reescreveu a história de Goiás com poesia

Escritora goiana mais reconhecida do país marcou época por registrar o ponto de vista feminino e desvelar preconceitos de seu tempo

Cora exaltou a liberdade da mulher e expôs realidade opressora da sociedade goiana no século XX (Foto: Reprodução)

Cora Coralina faria 130 anos nesse dia 20 de agosto. A escritora goiana mais reconhecida do país marcou época por registrar o ponto de vista feminino, desvelar preconceitos de seu tempo e ajudar a reorganizar a história oficial de Goiás e do Brasil. Em sua obra estão temas do cotidiano das mulheres, dos velhos e das crianças. Abordagens críticas de estética ímpar documentam os excluídos e marginalizados dos séculos XIX e XX.

Através de Cora vemos o castigo dos cacos de vidro amarrados ao pescoço das crianças, as prostitutas punidas com cabeças raspadas e a Igreja disciplinando corpos. A escritora foi umas das precursoras no enfrentamento à dominação cultural da sociedade machista. Escreveu sobre os temas que a rodeavam e transgrediu as normas sociais por ser uma mulher escritora que exaltou a liberdade das mulheres.

Nascida na cidade de Goiás em 1889, foi batizada como Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas e escolheu Cora Coralina. “Gosto muito deste nome, que me invoca”, escreveu o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade no Jornal do Brasil, em dezembro de 1980, encantado com a goiana.

Drummond cravou: “Cora Coralina, pra mim a pessoa mais importante de Goiás. Mais do que o governador, as excelências parlamentares, os homens ricos e influentes do Estado. Entretanto, uma velhinha sem posses, rica apenas de sua poesia, de sua invenção”.

Cora cresceu em meio ao processo de mudanças na vida das mulheres – que aos poucos conquistou acesso à educação e espaços nunca antes ocupados na sociedade. Frequentou as primeiras séries do ensino primário e aos 14 anos escreveu os primeiros textos. Com 21 anos, grávida, saiu de Goiás para São Paulo com seu futuro marido.

De volta a Goiás

Ela voltou viúva para a agora conhecida casa velha da ponte, às margens do Rio Vermelho, em Goiás, onde foi doceira de reconhecida mão cheia. O primeiro livro veio em 1965: Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, que foi lançado quando ela tinha 76 anos. O livro foi enviado para vários escritores. Drummond foi um deles e ajudou na projeção nacional da escritora. O mineiro louvou ao país a idosa de versos singelos e libertários.

(Foto: reprodução/Internet)

Pesquisadores e críticos literários apontam que os excluídos – com ênfase nas questões das mulheres – e os problemas sociais circundaram a poesia de Cora. A obra se mostra atual e de importante registro, uma vez que pouco foi superado e as feridas das desigualdades de gênero e desigualdades econômicas seguem expostas nos dias de hoje.

“Ela (Cora) se coloca junto aos humildes, defende-os com espontânea opção, exalta-os, venera-os. Sua condição humanitária não é menor do que sua consciência da natureza. Tanto escreve a Ode às Muletas como a Oração do Milho”, analisou Drummond, ainda no texto de 39 anos atrás.

Mulher forte

A personalidade forte e marcante na obra; o fato de ter vencido todos os obstáculos da vida de artista; e o dom com as palavras e o dom com a poesia são os motivos que o escritor Miguel Jorge atribui ao sucesso empreendido por Cora Coralina desde sua primeira publicação.

“Em cada obra poética sentimos a emoção e os sentimentos de uma mulher comum e lutadora que sabia se expressar através dos versos”, diz o escritor que sucedeu Bernardo Élis na cadeira de número 18 da Academia Goiana de Letras (AGL).

A obra de Cora “é de sua própria essência, de suas vivências pessoais, seus amores, suas frustrações. Das coisas que a cercavam. Era uma poeta feminista que usava a linguagem do povo”, lembra Miguel Jorge.

Casa da escritora Cora Coralina, na Cidade de Goiás (Foto: Patrick Grosner/Folhapress)

Na biografia de Cora estão: Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais (1965), Meu Livro de Cordel (1976), uma segunda edição de Poemas dos becos de Goiás (1978), Vintém de cobre – meias confissões de Aninha, (1984), Estórias da Casa Velha da Ponte (1985) e o livro infantil Os meninos verdes (1985).

A escritora faleceu em Goiânia, em 10 de abril de 1985, aos 95 anos. Quatro meses antes ela havia sido eleita para a Academia Goiana de Letras (AGL), para a cadeira de número 38. Após a morte de Cora, a velha casa da ponte foi transformada no Museu de Cora Coralina. O local guarda manuscritos, livros, objetos pessoais e as correspondências trocadas durante anos entre a escritora e o amigo Carlos Drummond.

Um ano para Cora

Para homenagear dos 130 anos de Cora, o governo de Goiás decretará nessa terça-feira (20), na cidade de Goiás, o Ano Cultural Cora Coralina. A iniciativa do governo e tem como proposta promover eventos para exaltar a escritora. Estão previstas inúmeras atrações, que incluem saraus literários, oficinas, concursos de redação, exibições audiovisuais, exposições, concurso literário, entre outras atividades.