Pai e filho são presos por trabalho escravo em fazenda no município de Piranhas
Uma criança de 10 anos de idade, uma mulher e dois homens foram encontrados na…
Uma criança de 10 anos de idade, uma mulher e dois homens foram encontrados na tarde de terça-feira (23) em situação análoga à da escravidão, no município de Piranhas, a 512 quilômetros da Capital. Eles, incluindo o menor, trabalhavam em troca de comida na chamada Carvoaria do Ronaldo, localizada na Fazenda Mata Velha. A operação da Polícia Militar Ambiental (PMA) partiu de uma denúncia anônima recebida pelo conselho tutelar da cidade, que acionou o Ministério Público local.
De acordo com informações da PMA, as vítimas viviam em condições precárias, com camas feitas de varas verdes, colchões sujos e rasgados, sem banheiro e sem água tratada. A criança não frequentava escola, visto que não tinha material escolar. O proprietário da fazenda Antônio Rodrigues de Oliveira (73) e o filho dele Ronaldo Moreaes de Oliveira (46), que estavam armados, foram presos.
Segundo o 2° sargento Nilton Carlos Rosa, que comandou a operação, os suspeitos foram autuados por posse ilegal de três armas de fogo e trabalho análogo ao da escravidão, que é crime federal. “Após a prisão, eles foram entregues à Polícia Federal. Eles também responderão por crimes ambientais de desmatamento e degradação de Área de Proteção Permanente”.
Com os suspeitos, a polícia encontrou uma espingarda Flaubert calibre 22, com sete munições intactas e uma deflagrada; uma cartucheira calibre 20, com duas munições deflagradas; uma espingarda 5.5 modificada para calibre 22; uma chumbeira sem identificação e duas motocicletas com chassis raspado.
Na propriedade, os agentes encontraram aproximadamente quatro alqueires de mata ilegalmente desmatada, uma degradação em APP 432 e quatro fornos clandestinos em funcionamento. Os equipamentos foram destruídos pelas equipes, uma vez que não havia autorização para o funcionamento de uma carvoaria no local.
As vítimas
Segundo o policial, o casal trabalhava na fazenda por cerca de 15 anos. “Sempre que pediam dinheiro ouviam promessas de pagamento. Esporadicamente recebiam R$ 100, mas o único pagamento constante eram pratos de comida para eles e para o menor que também trabalhava. O outro homem estava na fazenda por cerca de quatro anos e carregava madeira da APP para a carvoaria. Sozinho ele era responsável por fazer o transporte de quase dois caminhões de madeira”.
A criança nunca tinha ido para a escola, segundo Nilton, não foi por falta de vontade. “Os pais chegaram a solicitar materiais para os exploradores, mas eles se negaram a oferecer. Ainda, quando o Ministério Público soube da situação em que viviam, servidores enviaram uma cesta básica para ajudá-los, mas esta foi tomada deles por Ronaldo. Eles viviam em condições indignas sem banheiro, camas velhas, sujas e rasgadas, um ambiente totalmente insalubre”.
A mulher chegou a perder um filho na fazenda. “Ela relatou que estava de nove meses e em trabalho de parto quando pediu que os exploradores a levassem a um hospital. Ronaldo se negou e ela perdeu a criança. Machucada, ela foi obrigada a se tratar com ervas, um tratamento ensinado a ela pela própria mãe. Se dependesse de médico, ela também tinha morrido”, revela Nilton.
Escravos contemporâneos
De acordo com dados do Observatório Digital do Trabalho Escravo no Brasil, entre 2003 e 2017, 43.428 vítimas de trabalho análogo ao da escravidão foram resgatados. Atrás de estados como Pará e Mato Grosso, Goiás é o terceiro na lista com mais trabalhadores resgatados: 3.716, nesse período.
Conforme explica o procurador chefe do Ministério Público do Trabalho em Goiás (MPT-GO), a condição de trabalho análogo ao da escravidão está previsto no artigo 149 do Código Penal, que pode gerar penas de dois a oito anos de reclusão. “Exploradores podem ser responsabilizados penalmente na esfera criminal no âmbito da Justiça Federal, por meio do Ministério Público Federal (MPF) e também podem ser responsabilizados na esfera cível, no âmbito da Justiça do Trabalho, por meio do MPT.
Segundo o procurador, é considerado escravo contemporâneo aquele que trabalha forçadamente, tem seu direito de ir e vir restrito, trabalha vigiado por jagunço, possui jornada de trabalho exaustiva ou quando é submetido a condições degradantes de trabalho. “Muitas vezes as vítimas estão em fazendas longínquas, dormem, se alimentam e vivem em condições insalubres, não tem água potável ou banheiro. Ou seja, não tem condições mínimas de civilidade”, observa.
Tiago revela ainda que o resgate de pessoas nessa condição deve ser feito “essencialmente” por um auditor fiscal do trabalho, que é quem tem legitimidade para caracterizar a situação como de análoga à escravidão e, nesse caso, de ofertar os direitos dos trabalhadores resgatados, como verbas rescisórias, transporte para a cidade de origem e seguro desemprego, como prevê a legislação trabalhista brasileira.
“Aguardamos aqui a chegada do processo em breve. Como eles foram resgatados por outras entidades, os direitos deles serão assegurados no final do inquérito, que costuma ser rápido. As pessoas que tiverem notícias de casos como esse devem procurar o MPT ou Ministério do Trabalho e Emprego, que são entidades que lutam contra esse tipo de problema”, sublinha o procurador.