Criar filhos nunca é tarefa fácil. Entre trocar fraldas, garantir a alimentação, cuidar da saúde, gerenciar os trabalhos domésticos e acompanhar o desenvolvimento escolar, é preciso ainda achar um “tempinho” para conciliar tudo isso com a vida pessoal e profissional para assegurar o provento da família.
Imagine então ter que fazer tudo isso sozinho. Sem um cônjuge para auxiliar, os desafios são dobrados e a rotina pode ser muito mais estressante. Pois é exatamente essa a realidade vivida por um número cada vez maior de homens solteiros em nosso País.
Segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de 2008, avançou em 28,57% o número de homens que assumem a criação dos filhos no Brasil em comparação a 1993, quando uma série similar foi colhida pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). Esse quadro é composto por histórias como a do encarregado Francisco Pereira da Silva, de 52 anos, que há 19 anos cuida sozinho de três filhos. A história começou em 1998, quando ele estava em processo de separação da esposa, com quem teve quatro filhos. Na época, as crianças tinham 8, 7, 6 e 4 anos de idade.
Apesar do iminente fim do casamento, a mulher dele tomou uma atitude inesperada: em uma tarde, quando Francisco voltou da igreja, descobriu que a mulher havia ido embora levando consigo a filha mais nova. “Eu não estava preparado para isso. Foi um choque”, conta.
O período que se seguiu foi de muita luta e adaptação, em que Francisco tentava conciliar seus deveres como pai com sua rotina profissional. Ele até tentou morar em outro Estado com os filhos em busca de ajuda, mas a experiência não deu certo. “Minha sogra morava no Tocantins e pediu para eu levar os meninos para lá. Eu fui e passei um tempo, mas não estava conseguindo um bom emprego, então resolvi voltar”, relata.
Mais uma vez em Goiânia, ele passou a pagar uma pessoa conhecida para ajudar no cuidado com as crianças enquanto ia trabalhar. A situação se manteve assim por alguns anos, até que os meninos cresceram e ele percebeu que poderiam se cuidar. “Quando ficaram maior, assumi sozinho”, afirma Francisco.
Foram longos meses sem que as crianças tivessem contato com a mãe, mas o pai afirma que sempre fez o possível para garantir que elas não guardassem mágoas. “Sempre trabalhei a cabeça deles para que não ficassem contra a mãe. Falei muito com eles sobre isso”, diz.
Foi assim por um tempo, até que a mãe dos meninos resolveu reaparecer dois anos depois, mas não voltou a assumir seu papel maternal integralmente. Apesar de alguns encontros aqui e ali, foi Francisco quem continuou cuidando dos filhos. “Com o decorrer do tempo ela veio morar num setor mais próximo. No fim de semana eles iam lá, visitá-la, mas por dez anos criei eles sozinho”, ressalta Francisco, que nesse período também retomou o contato com a filha que havia sido levada.
Esses dez anos, pontua o encarregado, não foram fáceis. Mas educar os filhos e prover a família foi possível graças aos apoios que recebeu. “Eu tive muita solidariedade das pessoas. Meus dois vizinhos dos lados me ajudaram bastante passando informações e ajudando a educar”, pontua.
Hoje, Francisco se sente realizado vendo os filhos adultos e constituindo suas próprias famílias. Agora eles têm 27, 26 e 25 anos, além da caçula, de 21. “Eu sempre falo para os meus colegas que, independente de ser casado, solteiro ou separado, os filhos vêm em primeiro lugar”, diz o encarregado. “Quem é pai uma vez vai ser sempre pai. Não abandone seus filhos.”
Lição diária
O professor de inglês Emiliano Azevedo tem uma história semelhante para contar. Há cerca de dez anos ele é o único responsável pelo filho, que hoje tem 13 anos de idade. A mãe, originária dos Estados Unidos, voltou para o país depois de um processo de divórcio e há nove anos não mantém contato com o menino.
Assim como Francisco, Emiliano também precisou passar por um processo intenso de adaptação. “Não tem como ser fácil. Na época, minha mãe também tinha acabado de falecer, então foi bastante complicado. Tive que reorganizar minha vida inteira ao redor dele”, conta o professor.
Aos poucos, ele teve que descobrir como educar o filho sozinho e, ao mesmo tempo, conciliar a tarefa com sua agenda profissional. “É uma lição diária. Todo dia é um aprendizado”, diz.
No entanto, Emiliano assegura que, em uma cultura em que mães solteiras ainda enfrentam a discriminação, sua jornada foi mais simples do que aquela pelas quais passam essas mulheres. “Eu nunca sofri preconceito. Pelo contrário, o pessoal acabou me admirando. Eu até reprovo isso, não está certo. As mães solteiras enfrentam mais dificuldades”, pondera o professor.
O maior desafio foi mesmo conseguir adaptar sua rotina de trabalho. Nas escolas em que lecionava, ele não tinha a possibilidade de levar o filho. O jeito foi montar a própria escola para que pudesse estar junto ao menino dia e noite.
Questionado se guarda alguma mágoa pela ex-esposa por ter deixado o filho para trás, Emiliano é enfático: “De jeito nenhum. Só guardo amor. Meu filho é meu melhor amigo.” Para ele, uma relação sólida como essa só pode ser construída na base do respeito, do diálogo e, principalmente, das ações: “O filho nem sempre vai ouvir o que a gente fala. Ele segue exemplos. Por isso acredito que um pai deve sempre dar o melhor exemplo para que ele se desenvolva como um cidadão consciente”, destaca.