Polícia indicia João de Deus sob suspeita de violência sexual mediante fraude
Se condenado pelo crime sexual, João de Deus pode pegar entre dois e seis anos de prisão em regime fechado.
A Polícia Civil de Goiás concluiu a primeira investigação sobre o caso João de Deus e o indiciou sob suspeita de violência sexual mediante fraude.
O relatório final do inquérito sustenta que em 24 de outubro, a pretexto de fazer um tratamento espiritual, o médium molestou uma mulher de cerca de 40 anos na Casa Dom Inácio de Loyola -espécie de hospital de cirurgias espirituais que ele fundou em Abadiânia (GO).
O depoimento dela à polícia foi publicado nesta quinta (20) pela Folha de S. Paulo. ”É um estelionato sexual. A vítima foi lá para ser curada. Ele se aproveitou dessa situação, a enganou e abusou dela sexualmente”, afirmou o delegado Valdemir Pereira.
O indiciamento significa que a polícia considera os indícios colhidos na investigação suficientes para que o suspeito seja denunciado. O caso será enviado agora para o Ministério Público de Goiás, que decidirá se apresenta a acusação à Justiça.
Se condenado pelo crime sexual, João de Deus pode pegar entre dois e seis anos de prisão em regime fechado.
O médium prestou depoimento no domingo (16), dia de sua prisão, e negou ter abusado de pacientes em seu centro espírita. Questionado sobre o atendimento de 24 de outubro, ele confirmou ter recebido a mulher, mas negou a violência sexual e disse que ela teria de provar o que disse.
Antes de concluir o inquérito, os investigadores levaram a denunciante à Casa Dom Inácio e ela reconstituiu a agressão.
Segundo o depoimento dela, após a violação, o médium teria pedido que ela não contasse o que ocorreu a ninguém e a teria presenteado com dois quadros religiosos e um cristal.
“Isso ficou muito claro, é uma prática dele: abusa sexualmente da vítima e depois dá presentes”, comentou o delegado.
Também nesta quinta, a polícia instaurou novo inquérito contra João de Deus por posse ilegal de armas.
Na terça (18), foram apreendidos três revólveres, uma pistola e uma garrucha, todos sem registro, no quarto dele, em Abadiânia.
O caso que embasou o indiciamento também foi usado para requerer a prisão preventiva do médium. A denúncia foi feita na segunda (10), após os primeiros relatos sobre abusos serem divulgados.
A suposta vítima contou ter ido com o namorado e a cunhada à Casa Dom Inácio. Enquanto aguardava na antessala, João de Deus teria se aproximado e pedido para que os acompanhantes saíssem, pois ela precisava de “atendimento individual”.
O médium, então, teria apagado a luz, a colocado de costas e começado a passar as mãos em suas costas, braços e barriga. Em seguida, teria passado a massagear seu baixo ventre, ao mesmo tempo em que pedia que mexesse o quadril.
A denunciante contou ter tentado se esquivar e, então, passado a observar as atitudes de João de Deus. Relatou que pedia calma a si própria mentalmente e que determinou que encerraria a sessão se percebesse que o médium tinha uma ereção.
“Desde que houve o desligamento da luz e ficou de costas para o autor, sentiu-se constrangida e, por ser da religião espírita, percebeu que a conduta não era comum em tratamento espiritual”, diz transcrição do depoimento à Polícia Civil.
João de Deus teria acendido a luz e perguntado o que a paciente achava estar acontecendo ali. Ela disse ter respondido que acreditava ser um tratamento para seu útero, ao que ele teria novamente deixado o ambiente na penumbra e, na sequência, solicitado que ela massageasse a barriga dele.
Segundo o depoimento, o médium perguntou se a paciente “queria outro tratamento daquele ou se só aquele bastava”. Ela disse ter ficado em silêncio porque temia demonstrar que estava nervosa e gerar alguma situação agressiva por parte dele. Se gritasse, explicou, poderia ser maltratada pelos trabalhadores e frequentadores do local.
“Assim permaneceu em pânico, enquanto massageava a barriga do médium, que pediu para ela continuar e que fizesse a massagem com mais amor, carinho”, prossegue o relato.
João de Deus teria pedido para a denunciante abaixar a mão, quando ela teria notado que uma parte do pênis dele estava para fora da roupa. “Ele arrumou as calças, acendeu a luz e pediu para escolher um dos quadros que estavam expostos em cima da mesa”, afirmou ela.
A suposta vítima disse ter sido presenteada com duas telas, com imagens de Nossa Senhora, uma escolhida por ela própria e a outra pelo médium.
Ele então teria destrancado o cômodo, pedido que ela saísse e a apresentado ao público de forma elogiosa. “Pediu que ela escolhesse um dos cristais que estavam no salão. E pediu para que ela não relatasse a forma do tratamento para ninguém”, concluiu a depoente.
Para os investigadores, esse e outros casos demonstram que João de Deus se aproveitava da vulnerabilidade “psicoemocional” das pacientes -fragilizadas por conta de doenças- para praticar os abusos. Para isso, usaria uma estratégia de intimidação, ao isolá-las dos demais atendidos, além de dar às violações uma roupagem de ritual de fé.
A defesa do médium ainda não se pronunciou.
Denúncias
As denúncias contra João de Deus têm se avolumado desde o sábado (8), após 13 supostas vítimas relatarem violações à TV Globo e ao jornal O Globo.
Na última semana, Aline Saleh, 29, contou à Folha de S. Paulo que esteve na Casa Dom Inácio em 2012, foi levada para um banheiro, posta de costas e que João de Deus colocou a mão dela em seu pênis.
Desde então, a força-tarefa montada pelo Ministério Público de Goiás para investigar o caso recebeu 506 relatos sobre supostos abusos cometidos pelo médium. A maioria chegou por e-mail e as denunciantes estão sendo chamadas a prestar depoimentos.
Na última sexta (14), a Justiça decretou a prisão preventiva dele. João de Deus ficou escondido num sítio na zona rural de Abadiânia até se entregar na tarde de domingo (16) e ser levado para a prisão em Aparecida de Goiânia.