Policial denuncia condições precárias da Cadeia Pública de Cromínia
Sem agentes carcerários, muro ou portões, presídio que abriga integrantes do CV e PCC é gerido pela PM. Militar reforça que efetivo insuficiente associado à tutela da unidade prejudica segurança do município
Reboco que se desfaz ao toque, falta de portão, rede elétrica defasada e segurança insuficiente. Esses são apenas alguns dos problemas que acometem a Cadeia Pública de Cromínia, cidade com 3,6 mil habitantes da região Sul de Goiás. Com 20 detentos, nove deles condenados por homicídios e latrocínios, e ainda com alguns declaradamente membros de facções criminosas como Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV), a unidade, construída em 1969 e não reformada desde então, é vigiada diariamente por um Policial Militar (PM), responsável por atender todas as demandas internas de segurança do local.
Um dos policiais que faz o revezamento para a guarda do cadeia pública, que pediu para ter a identidade preservada, enviou fotografias e vídeos que comprovam a situação de deterioração do centro de detenção. Em um dos registros é possível notar que a qualidade da estrutura física do prédio é questionável: com uma caneta uma pessoa raspa e consegue remover o reboco de uma das paredes internas da prisão. Assista:
“O estado nunca tomou conta. A cadeia é de 1969, atendia a realidade da época. Hoje não se adequa. Não houve nenhuma reforma desde que foi construída. A parede das celas e do prédio em geral não tem cimento. Colocaram apenas areia e cal para fazer a massa. Com uma caneta é possível furar a parede. Está tudo mofado, com rachaduras e, além disso, a rede elétrica não presta e a qualquer hora podemos ser vítimas de um incêndio. Aqui é tudo cheio de gambiarra. Nessas condições, o pessoal não foge porque não quer”, aponta o PM.
Insegurança
O militar denuncia que outro problema grave é a completa ausência de equipes carcerárias para conduzir os trabalhos na unidade. “A segurança aqui é feita por policiais, os quais deveriam estar nas ruas garantindo a segurança da população. Como não temos agentes carcerários, nós mesmos absorvemos esse papel. A PM não foi criada para cuidar de presídio, estamos lá de forma obrigatória e não ganhamos nada pra isso. O problema é que nosso contingente é pequeno e isso gera um impacto na qualidade do serviço e também na segurança pública”.
Ele explica que, além do PM destacado para permanecer no prédio, a cidade como um todo possui cobertura diária de outros dois policiais e a situação de insegurança se agrava quando os detentos precisam participar de audiências de custódia ou demais atendimentos fora do presídio.
“Nesse contexto, os policiais – responsáveis pela segurança de todo o município – precisam ficar, por horas, à disposição da agenda judiciária, de forma a deixar Cromínia exposta a ações criminosas. Lá, abrigamos presos de alta periculosidade. Tem homicida, latrocida e outros que se dizem integrantes do CV e PCC. Ao todo, 12 agentes da corporação se revezam para realizar os serviços na cidade e no presídio, de modo que apenas três trabalham por 24h, enquanto os outros nove folgam”, expõe.
Outro vídeo mostra as condições internas da unidade:
A situação foi reconhecida formalmente em janeiro de 2016, quando a antiga superintendência Executiva de Administração Penitenciária (Seap) emitiu documento ao então juiz corregedor-geral de Justiça, Átila Amaral, afirmando “que ainda não foi possível assumir a Cadeia Pública de Cromínia, apesar dos esforços expendidos no sentido de fazê-lo”. Atualmente, o órgão estadual responsável pela questão é a Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP).
Segundo o documento, entretanto, estava em processo de finalização de um concurso público para Agentes de Segurança Prisional, “o que muito deve melhorar os transtornos existentes nas Unidades Prisionais que ainda não estão sob o controle direto desta Pasta”. Porém, até o momento, nada foi executado.
Muro
De acordo com o prefeito de Cromínia, Gilvander Pereira (PSDB), uma tentativa de conferir mais segurança ao local, e por consequência, à região, partiu do próprio município em parceria com as prefeituras de Professor Jamil, Maripotaba e o Judiciário. As obras iniciaram em 2017, mas até o momento, apenas parte da estrutura com seis metros de altura foi erguida.
“O Judiciário pediu uma reunião com os três municípios, fizemos a pareceria e e estamos ajudando, mas veio o período chuvoso e parou. Entramos com a mão de obra e o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), com o material. Mas eles também aguardam a finalização de um processo licitatório para liberação dos recursos, compra dos materiais e continuidade do trabalho”, afirma Gilvander. Veja como está o interior de uma das celas da unidade:
Em nota, o TJGO reforça que não é do Judiciário, mas do Executivo a responsabilidade da construção de presídios. Além disso, a assessoria do Tribunal apresenta outra versão para a pausa na construção do muro. Leia a íntegra:
“Nas referidas comarcas, o Judiciário é parceiro do Conselho da Comunidade e de três prefeituras da região na reforma do prédio. Os materiais para a obra serão adquiridos com o dinheiro da Execução Penal, montante que só pode ser movimentado com alvará judicial. Esse documento, contudo, não pôde ser emitido uma vez que depende de orçamentos que deveriam ser repassados pelo presidente do Conselho da Comunidade, que se encontra doente. A juíza já marcou uma reunião com ele para decidir se ele continua à frente dos trabalhos ou se nomeia um substituto. O presídio funciona normalmente, com os regimes fechado e semiaberto masculinos, sem superlotação e a reforma é apenas para melhoria de suas condições estruturais”.
Apesar de aprovar a parceria e a construção do muro, o PM revela que a cadeia está aberta e não possui portões ou guaritas para garantir a segurança dos agentes e da população. “Utilizamos os portões antigos amparados com madeiras na tentativa de isolar o local, mas sabemos que é insuficiente. O fato é que não estamos seguros”, reforça.
Para Gilvander, o presídio é antigo e a melhor solução seria mover os presos para uma estrutura mais adequada, em “outro local”. “Presídio não é uma boa coisa de se ter. É melhor tirar que receber. Na verdade, nossa mobilização tinha que ter sido para construção de uma nova cadeia em outro lugar, mais afastado da cidade”.
Ministério Público
De acordo com a promotora da cidade, Sandra Lemos, não há Ação Civil Pública (ACP) protocolada pelo Ministério Público contra o Estado de Goiás, responsável por administrar casas de detenção, sobre a situação. No entanto, existe um procedimento administrativo instaurado para pedir informações à DGAP, quanto a administração da cadeia, que é feita pela PM, necessidade de reforma e procedimentos internos de segurança.
Por meio do procedimento, o órgão ministerial também acompanha a construção do muro. Sandra informa que, junto com o Judiciário, o MP tem revertido recursos obtidos por meio de multas aplicadas a cidadãos que descumprem medidas judiciais – como dirigir bêbado ou sem habilitação – ao Conselho da Comunidade, os quais serão utilizados para conduzir reformas no local. O serviço é acompanhado pelo MP e pelo TJ.
O coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal do MP, que administra as promotorias criminais do Estado de Goiás, o promotor Luciano Miranda Meireles, reitera a responsabilidade do Estado e afirma que presídios com baixa população carcerária tendem a ser regionalizados. “A intenção com a lei 19.962/2018, que trata da regionalização das unidades, é de que presídios com pequenas massas carcerárias deixem de existir. Os detentos passariam a prédios maiores com mais pessoas. Este deverá ser também o caso de Cromínia, lembrando que todo presídio é construído e é de responsabilidade do Estado”.
Respostas
Em nota, a DGAP afirma que “está em fase de implementação o projeto de regionalização do sistema prisional e que os presos da unidade devem ser transferidos em breve para outro presídio”. No entanto, não estabeleceu um prazo para que a mudança seja concluída.
Esta redação também tentou contato com o juiz Átila Amaral, que hoje está lotado na 2° Vara Cível, mas este não se encontrava no Tribunal no momento das ligações.