Prestes a completar 18 anos, jovem que morou desde criança em abrigos consegue ser adotada
Situação mostra uma realidade ainda distante em diversos abrigos, onde boa parte dos adolescentes ainda sofrem com rejeições de casais que preferem adotar crianças
Prestes a completar 18 anos nesta quinta-feira (12), Mariana conseguiu um feito cada vez mais raro: ser adotada por uma família prestes a atingir a maioridade. Ela, que viveu 11 anos em vários orfanatos, quebrou um esteriótipo de preferência sobre a idade ideal para adotar uma pessoa. Os novos pais da jovem são a cabeleireira Lucília Rocha e o pintor Laurentino Rocha.
A decisão foi acertada no último dia 3, no fórum da Cidade Ocidental, e foi presidido pelo juiz André Nacagami, da 1° Vara, que abrange a infância e a juventude. A adolescente, que ficou por muito tempo desacreditada da adoção, voltou a sonhar com uma família.
Porém, nem tudo foi tão fácil. A garota viveu no Orfanato Rebecca Jenkins, mas, antes disso, morou em um outro abrigo em Luziânia. A adolescente chegou ao abrigo após negligência dos pais biológicos, que alegaram não ter condições econômicas de cuidar da menina e de outros três irmãos. A medida era apenas provisória, mas acabou se tornando definitiva e garota acabou perdendo o contato com os familiares.
Com o passar do tempo, muitos colegas de Mariana foram sendo adotados e ela, esquecida. Com o afastamento da menina com os irmãos biológicos, Mariana conseguiu manter contato apenas com uma irmã biológica chamada Maiara, de 20 anos, que viveu durante anos em uma unidade anexa ao orfanato. E foi a partir dela que Mariana conseguiu um novo lar.
Destino
Maiara, diferentemente de Mariana, acabou tendo que ir para as ruas após completar 18 anos e tentar encontrar o seu lugar no mundo. Porém, a jovem se tornou moradora de rua por dois anos. O relato comoveu Lucília e Laurentino, que resolveram ajudar a garota.
Vivendo em uma chácara, no Núcleo Rural Jardim, no Distrito Federal, o casal se dedica à agricultura familiar e produzem diversos alimentos e até criam animais para subsistência. Além disso, o casal tem um histórico de cuidadores e já ajudaram vários outros adolescentes em situação de vulnerabilidade social.
“Somos casados há 22 anos e, nesse tempo, já recebemos em nossa casa 16 adolescentes em situação vulnerável. Filhos de pais alcoólatras ou em situação financeira difícil. Acolhemos, provemos estudos e encaminhamos para faculdades. Nossa casa sempre foi cheia. Por isso mesmo, o pastor Izac acreditou que nós tivéssemos o perfil para ajudar Mariana e Maiara”, destaca Lucília.
A cabelereira conta que voltou, em novembro do ano passado, para encontrar Maiara nas ruas da Cidade Ocidental. Ao encontrar Mariana, o contato de início não foi dos melhores. “Nosso primeiro encontro não foi muito animador. Mariana atravessou um pirulito na boca, para não falar nada, apenas murmurar”, conta a mulher entre risos.
Após isso, o casal solicitou em juízo um pedido para passar o final de semana com a garota. Antes introvertida, a garota foi mostrando ser uma jovem carinhosa e alegre. No final do ano passado, o casal voltou a pedir, judicialmente, que a garota passasse o recesso do final de ano com eles e, em seguida, veio a guarda provisória.
A medida encantou a garota que, com o resultado, voltou a sonhar. Esse fator foi o que mais contribuiu para a decisão do casal sobre sua adoção. “Enquanto passávamos as férias juntos, perguntei para Mariana, ‘qual seu sonho?’. Ela me respondeu: ‘nenhum. Nunca parei para pensar nisso, vivo só um dia de cada vez’. Essa resposta cortou meu coração, como pode alguém não sonhar?”, conta Laurentino.
Mariana, que destacou desejo em seguir carreira profissional na aviação civil, ganhou como presente de aniversário mais três irmãs, que são filhas legítimas do casal, um bode de estimação, gato, cachorro, primos e tios. A adoção foi um consenso e prontamente as garotas entenderam como iria ficar a nova divisão dos objetos na casa.
“Fomos francos: tudo o que era para três vai ser para cinco. Vão estar dispostas? Elas prontamente entenderam, dividem quarto, roupas, sapato. Foram bastante solidárias com a história das irmãs e a acolheram prontamente. Somos acostumados a dividir, não é novidade para a gente”, conta a mãe das garotas.
Jovens ainda sem lar
A adoção de Mariana e Maiara vai na contramão de uma realidade ainda muito presente no meio da adoção. Segundo dados do Cadastro Nacional de Adoção, no país ainda há 4.888 crianças em busca de um lar. Destas, 61,98% são adolescentes de 13 a 17 anos. Na mesma situação de Mariana, há outros 610 jovens que vão completar 18 anos ainda este ano e terão que deixar os centros de apoio.
Lucélia discorre que não acredita que a adoção deva ser feita apenas quando criança e, uma pessoa para ser adotada, precisa apenas receber amor, carinho e sentir-se acolhida. “Muito se fala sobre o caráter se formar na primeira etapa da vida, mas eu discordo totalmente, com embasamento no que eu já vivi, ao receber 16 jovens em minha casa. Se você dá oportunidade para conhecer generosidade, responsabilidade e outras coisas boas, desperta isso no coração da criança. É o exemplo que você dá. Mariana em uma semana mudou nossa casa”, encerra.