Prisão de Carlinhos Cachoeira expõe escândalo em competência do judiciário
Goiano foi condenado, mas recorreu e recebeu direito de cumprir pena em regime semiaberto; juiz aponta ocupar função de forma inconstitucional, e declina competência para julgar caso
Condenado a 6 anos e 8 meses, Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira já pode ser considerado preso irregular em Goiás, e defesa ingressa, a qualquer momento, nesta quarta-feira, 30, com pedido de Habeas Corpus no Tribunal de Justiça de Goiás. A motivação básica é porque o juiz da recém transformada 7ª Vara Criminal em Vara de Execuções Penais (VEP) de Goiânia, que trata sobre cumprimentos de penas neste tipo de regime, declarou que a criação da nova VEP foi uma remoção compulsória indireta do próprio magistrado, o que caracterizou inconstitucional.
O juiz Oscar de Oliveira Sá Neto, da 7ª Vara Criminal e VEP, se declarou incompetente para julgar o processo. Não há mais juiz para julgar o caso, já que somente hoje dois magistrados declararam incompetência no mesmo processo. Mais cedo a juíza Wanessa Rezende Fuso Brom, da 2ª Vara de Execução Penal, assinou em despacho que não competia a ela o caso. A única forma que se há de recorrer, agora, é ao Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), por meio de desembargadores, para que seja tomada alguma decisão sobre cumprimento de prisão em regime semiaberto, como já determinado pelo STJ, cumprimento de prisão em regime domiciliar, ou aberto, como pretende ser pedido no novo Habeas Corpus.
A defesa de Cachoeira até tentou pedir ao juiz Oscar de Oliveira Sá Neto. Mas o magistrado respondeu que a transformação da 7ª Vara Criminal onde ele estava lotado em uma VEP foi inconstitucional, e considerou que isto foi uma remoção compulsória do cargo. “A resolução que me conferiu competência para atuação em matéria de execução penal, não veio precedida de consentimento deste juiz e nem atendeu às formalidades legais, tornando-o manifestamente ilegal e inconstitucional. Configura remoção compulsória indireta, violando a garantia da inamovibilidade do juiz de direito, estando, assim, em confronto com o disposto no art. 95, II, da Constituição Federal.”, diz o juiz.
Oscar de Oliveira Sá Neto ainda desabafa, no texto da decisão: “O que me causa estarrecimento é que no ano de 2015, para viabilizar a implantação do Projeto ‘Audiências de Custódia’ do CNJ, no âmbito desta comarca de Goiânia, eu me predispus a aceitar a alteração da minha competência para resolver grave celeuma que se instalava em nosso Tribunal diante do movimento deflagrado por boa parte dos juízes criminais de nosso Estado contrários ao novel instituto processual, agora sou gravemente punido por ter colaborado no passado, com a minha remoção compulsória, consistente na alteração de minha competência, sem consulta ou consentimento. Esse deve ser o preço que se paga por se sacrificar em prol da coletividade e da Justiça”.
CACHOEIRA
Cachoeira foi preso no início de maio, na casa do irmão, em um condomínio fechado da capital. Na ocasião, ele cumpria prisão domiciliar preventiva por ser alvo de investigação da Operação Saqueador, da Polícia Federal. A determinação de prisão foi expedida pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Nefi Cordeiro, no dia 4/5, apesar da condenação no caso Loterj ter sido obtida em 2013.
Outro pedido de prisão foi expedido pela Justiça do Rio de Janeiro no dia 8/5, mas a prisão do bicheiro ainda levou mais dois dias por falta de documentação. Levado ao Rio para cumprimento de pena em regime fechado, foi beneficiado com a transferência do caso para Goiás e, dias depois, com a conversão da pena para regime semiaberto.
As fraudes na Loterj, segundo os autos, tiveram início no ano de 2002. O caso contra Cachoeira foi encorpado por ele próprio, quando apresentou vídeo em que combinava o pagamento de vantagens indevidas ao então presidente da loteria, Waldomiro Diniz. Segundo denúncia do Ministério Público, Waldomiro teria pedido R$ 1,7 milhão em troca de uma alteração em um edital de licitação em benefício do bicheiro.
Além de beneficiar Diniz, o dinheiro, de acordo com o MP, teria sido utilizado em campanhas políticas. Para a defesa, a condenação é um “absurdo”. Ao Mais Goiás, o advogado de Carlos, Cleber Lopes, reforçou que a gravação foi feita para que ele se resguardasse, mas acabou servindo para sua condenação. “Ele não pagou as vantagens solicitadas e acabou condenado por isso. Um absurdo. Ele gravou para se defender e, apesar disso, foi condenado. Se tivesse pago, não tinha nem sido processado”.