Promotora pede cassação do prefeito de Bom Jardim por compra votos
Ana Carla Mascarenhas reuniu elementos que, segundo a ação, provam que o prefeito descumpriu a lei para vencer a eleição
A promotora eleitoral Ana Carla Dias Lucas Mascarenhas pediu a condenação e a cassação do prefeito de Bom Jardim de Goiás, Odair Sirvino Leonel, por captação ilícita de votos e abuso de poder econômico na eleição de 2020. Ana Carla pede também a aplicação de multas ao prefeito, que o diploma do vice-prefeito também seja cassado e que ambos fiquem inelegíveis por oito anos.
Com base em elementos colhidos na investigação, a promotora afirma que Odair entregou dinheiro e comida à eleitores, arcou com consertos de motocicletas, prometeu arcar com o valor de passagens rodoviárias e cometeu outros atos ilícitos de natureza semelhante para vencer o adversário nas urnas.
O relatório do Ministério Público diz que a prefeitura, sob a gestão de Odair (que foi candidato à reeleição), adquiriu R$ 23,4 mil em produtos no supermercado Mineirão com verba advinda do governo federal para o combate à covid-19 no município. Os produtos teriam sido levados ao Lar dos Idosos São João Batista com o número da coligação do prefeito a pedido de Cátia Núbia Silva Reis, esposa de Odair. O carregamento não foi complemente entregue. A primeira-dama confirmou que o veículo estava adesivado, mas culpou o dono do supermercado pelo adesivo.
Outros casos de compra de votos que complicam o prefeito de Bom Jardim
Outras testemunhas ouvidas pelo MP disseram ter recebido de Odair – ou de pessoas ligadas a ele – cestas básicas, dinheiro e outros benefícios que pudessem influenciar a escolha do voto. Ao narrar um dos depoimentos, a promotora conta: “Odair compareceu na sua residência junto de outras pessoas e lhe ofereceu cestas recheadas, e ela disse que aceitou porque é ‘fraca de situação’; e que no outro dia outras pessoas levaram as cestas; disse também que Odair, na oportunidade, pediu para pregarem adesivos”.
Outras pessoas também ouvidas pelo Ministério Público e pela Justiça Eleitoral, relataram ter recebido dinheiro das mãos de Odair, como é o caso de Olinda Moreira Rodrigues, e promessa de vantagens, como aconteceu com Sérgio Gomes Bueno, cujas declarações não se divergem nas duas etapas de apuração (extrajudicial e judicial).
Uma testemunha chamada Valdemar Rodrigues da Silva disse que recebeu R$ 600 em dinheiro para arcar com parte do conserto de sua motocicleta. Segundo relatou, foi paga a metade do conserto na Loja Trial Motos e, em troca, foi obrigado a declarar apoio a Odair.
Odair venceu a eleição do ano passado por 201 votos. Em função da pequena margem de frente no resultado final, a promotora defende que a conduta ilícita atribuída ao candidato foi decisiva em favor da sua vitória. A promotora lembra que, em municípios pequenos, “ao se adquirir o voto de um único eleitor, estar-se-á também angariando os votos de quase toda uma comunidade familiar”.
Ela diz também que, no decorrer dos depoimentos das testemunhas, ficou patente que existem outros eleitores que também venderam o voto, mas que não o confirmaram por receio de perseguição – o que a promotora considera “compreensível”.
Veja o trecho de um diálogo de Odair com testemunhas depois de saber que havia uma investigação em curso:
Odair: Deixa eu te perguntar… Como que foi que eles iniciaram lá a abordagem? Assim… as suas palavras, o seu depoimento…
PNI 1: É. Tá na hora de você começar, eles perguntou o quê?
Odair: É… Porque nós tem que saber, porque eu conversei com o advogado, entendeu? Você não pode mudar uma versão é diante do Juiz… Com eles aqui, depois não importa… Agora lá é que se falar uma vez, vai ter que falar duas e falar três.
PNI 1: Três, quatro vez, né?!
Odair: Eles vão montar um Inquérito pra investigar… É… eu tive olhando na câmera mais o Adriano… O carro não prova que eu passei dinheiro, passei alguma coisa… Uai, passei material de
campanha…
Clayton: Não mostra.
Odair: Ham?
Clayton: Não mostra nas câmeras.
Odair: Agora lá de dentro parece que a gente só vê sua carteira, não vê dinheiro. Vê dinheiro lá dentro?
[…]
Odair: E o que que eles te perguntou e o que que você falou?
Clayton: Eles perguntou se, tipo, eu achava que você tava comprando voto, aí eu peguei e falei que não. Eles fez pergunta, assim, mais pra saber mesmo, foi pergunta meio que forçando mesmo… Ficou só eu e eles lá… E eles tentou fazer mais me forçando. É… Muitas coisas não deu pra lembrar, né? Mas algumas eu tentei.
Odair: Mas você falou que eu te entreguei dinheiro? Você chegou a falar isso pra eles?
Clayton: Não, falar assim que você entregou, não.
PNI 2: Se você falou, você pode falar pra nós, porque nós tem que saber certinho.
[inaudível]
Clayton: Não, na hora sim.
[…]
PNI 2: Ele perguntou a quantia em reis?
Clayton: Perguntou.
PNI 2: Quanto você falou?
Clayton: Falei o valor certo.
PNI 2: 300?
Clayton: Sim.
Odair: Lá na Delegacia ele te perguntou isso também?
Clayton: Perguntou.
Odair: Foi lá que você falou que foi 300?
Clayton: Falei na hora e lá eles foi mais pressionando. Eles perguntou se eu achava que tinha vendido meu voto, falei que não, expliquei que foi da parte lá do motor. Eles falaram assim ‘você acha que você vendeu seu voto?’, neguei né… Porque… Eu não acho que vendi. Expliquei pra eles, entendeu?
PNI 1: Mas período eleitoral, eles não quer saber não.
[…]
Odair: Mas lá vai ter que negar tudo. Você vai ter que falar ‘olha, falei mesmo com Renato, pedi uma ajuda, mas no dia lá ele me passou… E o dinheiro lá, eu até brinquei com meus colegas’… Você vai ter que arrumar um jeito pra nós…
PNI 2: Não, ele vai ter que sentar com o advogado, todo mundo… Isso é tudo arquitetado [inaudível].
Odair: Você não precisa ter medo com Justiça. Mas uma hora ele vai chamar, a qualquer momento.
[inaudível]
PNI 1: Uma coisa que não adianta é falar que não era você que estava no carro…
Odair: …Eu que tava no carro.
[…]
Odair: Se eu não tivesse cumprimentado todos vocês, eu poderia falar que não era eu quem estava no carro, mas todo mundo veio e me cumprimentou.
PNI 1: Aí tem que organizar, tudo certinho.
[inaudível]
Odair: Outra coisa, se você for chamado lá pela Promotora, você vai ter que negar… ‘não, eu até pedi ajuda lá pra arrumar a moto, mas ele me entregou lá foi o material, e o dinheiro, eu que tava com ele, eu brinquei com meus amigos que eu tinha ganhado o dinheiro’. Ela vai te perguntar três vezes [inaudível]. ‘E eu falei lá na Polícia porque eu estava pressionado… Eu nunca vivi uma situação dessa’.
Odair: Pro Juiz é que você não pode hoje falar uma coisa e amanhã você falar outra.
PNI 1: E outra, se você falar aí você vai preso.
PNI 2: Finado Leandro que matou o cara, falou pro João Alexandre ‘não, fui eu quem matei’. Chegou lá na hora do Juiz, ele falou que não foi ele quem matou, que ficou com medo, que ficou ameaçado pelo policial, se sentiu ameaçado, entendeu?! Isso aí é o de menos.
Odair: …E o que eu te passei foi material de campanha… Você pediu apoio lá, seus amigos, tudo… Mas o que conversamos foi isso…