Proposta de criação de creches domiciliares gera debates em Goiânia
Audiência vai discutir projeto que prevê terceirização dos cuidados a crianças para particulares, mas assunto já começa a ser questionado por especialistas
Todo início de ano a história se repete: centenas de pais goianienses começam a peregrinação em busca de um Centro Municipal de Educação Infantil (Cmei) com vagas para seus filhos pequenos, muitas das vezes sem sucesso. A busca costuma levar diversos homens e mulheres aos conselhos tutelares em busca de uma solução, mas, ainda assim, para a maioria deles o problema persiste.
A falta lugares para crianças de 0 a 5 anos já é um problema crônico na capital goiana. No último ano, por exemplo, um balanço da Secretaria Municipal de Educação, ao final da gestão do ex-prefeito Paulo Garcia, revelou que mesmo com a criação de aproximadamente 14 mil vagas desde 2011, ainda permanecia um déficit de 4 mil vagas.
Segundo a própria secretaria, ainda não há dados sobre o déficit neste ano, visto que o processo de preenchimento de vagas para 2017 ainda está em andamento. Entretanto, a pasta reconhece que os 140 Cmeis da cidade somados às 46 unidades conveniadas e turmas de pré-escolas em unidades de ensino fundamental não são suficientes para atender toda a demanda, especialmente para as crianças de 1 a 3 anos de idade.
A dona de casa Antônia de Jesus é um exemplo entre os pais e mães que sofrem por causa dessa situação. Ela, que era faxineira, se viu obrigada a fazer sacrifícios pela falta de amparo do poder público a seus filhos pequenos. “Eu precisei deixar de trabalhar para ficar com as crianças”, diz a mulher, que tem filhos de 2, 4 e 12 anos.
Mesmo recorrendo aos conselhos tutelares, desde 2014 ela não encontra vagas para os pequenos. Atualmente o sustento da família humilde fica apenas por conta do marido.
Proposta
Esse tipo de problema incentivou a vereadora Sabrina Garcez (PMB) a começar a desenhar uma projeto que prevê a implementação de creches domiciliares na cidade. Em outras palavras, ela estuda a terceirização do cuidado das crianças para integrantes da própria comunidade. A ideia, batizada como “Mães Crecheiras”, é que pessoas interessadas em ceder seu lar, tempo e disposição poderiam passar por uma espécie de treinamento para estar aptas a garantir a segurança e alimentação de crianças em troca de um aporte da prefeitura.
De acordo com a legisladora, o projeto sobre o assunto ainda não foi desenvolvido porque será alvo de discussão na Câmara Municipal, prevista para a segunda ou terceira semana de março. “Muitas pessoas querem participar da formatação do projeto, então foi apresentado o requerimento pedindo uma audiência pública”, conta.
A vereadora pretende apresentar durante o debate os modelos em vigência em Brasília (DF), Rio de Janeiro (RJ) e Porto Alegre (RS), que devem servir de base para seu projeto, caso venha a ser efetivamente apresentado. Segundo ela, os programas dessas capitais possuem dispositivos que ajudam a garantir segurança às crianças e sossego aos pais.
“Pensamos em estabelecer algumas condições mínimas para os interessados, como não possuir antecedentes criminais, não ter qualquer histórico de problemas com crianças e ser maior de idade. Além disso, temos ouvido a reclamação de alguns profissionais da área e pretendemos garantir a preferência a pessoas que tenham alguma formação em Educação, por exemplo”, garante a vereadora. “São esses tipos de critérios que serão estabelecidos na audiência pública.”
Os cidadãos aprovados no sistema que vier a ser implementado passariam por um curso de aperfeiçoamento de aproximadamente seis meses de duração, que seria aplicado pela Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas). Cada um receberia uma quantidade de crianças conforme critérios como o tamanho da casa, por exemplo, em troca de um valor mensal pago pela prefeitura.
Para a vereadora, a medida é uma forma de garantir os direitos das crianças e dos adultos, já que, além do desemprego, o déficit de vagas acarreta também o crescimento das creches informais, trazendo riscos aos pequenos. “É fundamental que se analise a questão pela perspectiva das mães, das famílias e das crianças. O que se quer é garantir que a criança tenha espaço e alimentação adequada, que é o mínimo que o município deve oferecer”, pontua.
Questionamentos
Apesar de Sabrina garantir que a segurança das crianças seria assegurada pela fiscalização constante de órgãos da prefeitura, há quem enxergue com desconfiança a viabilidade do projeto. A vice-presidente da Comissão dos Direitos da Criança e do Adolescente da seccional goiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO), Renata Vanzella Barbieri, acredita que existe uma série de complexidades na proposta que merecem ampla discussão.
“Pelo que eu vi, a ideia é capacitar pessoas para substituir as creches. Acho isso bem raso. É preciso discutir tudo muito bem a fundo”, afirma. “Creches e escolas precisam de muitas licenças, como da Vigilância Sanitária e do Corpo de Bombeiros. O problema não é só a capacitação”, avalia.
Além disso, Renata critica a relegação de uma obrigação do poder público a particulares. Efetivamente, a Constituição Federal, em seu artigo 211, determina que cabe aos sistemas municipais de ensino os cuidados necessários para a institucionalização da educação infantil.
Mesmo assim, a advogada não enxerga outra possível solução a curto prazo para o problema da falta de vagas para as crianças. “Não vejo outra saída, mas capacitar acho pouco. É uma questão do poder público, que precisa ampliar o mais rápido possível, abrir novas oportunidades e botar gente com capacidade técnica para trabalhar”, declara.
Ela ressalta que a segurança e a saúde das crianças são os primeiros fatores que devem ser considerados e que dificilmente estariam assegurados em uma situação como a prevista pela vereadora. “Quando damos essa opinião, estamos pensando sobretudo na dignidade humana da criança”, conclui.