Serial killer

Psiquiatra forense diz que assassinos em série têm deformidade de caráter

Uma vez presos, sob tratamento, parecem pessoas normais. Mas, se forem soltos, um gole de álcool ou uma situação de estresse trará de volta o "serial killer"


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Os “serial killers” vivem em uma zona cinzenta, fronteiriça, entre a loucura e a normalidade. Nascem, crescem e morrem com essa sina.

Têm uma deformidade de caráter que os torna pessoas consideradas como de “altíssima periculosidade”. Não conhecem o remorso, o arrependimento. Matar é uma viagem sem volta. Quando começam, não param mais.

Uma vez presos, sob tratamento, parecem pessoas normais. Mas, se forem soltos, um gole de álcool ou uma situação de estresse trará de volta o “serial killer”.

Quem é essa pessoa, afinal, dr. Guido Palomba? Este psiquiatra forense foi médico-chefe do Manicômio Judiciário de São Paulo por dez anos e médico do local por mais cinco. Em dezembro completa quarenta anos de atuação em sua especialidade. O “serial killer”, de certa forma, lhe é um íntimo.

“Esse indivíduo tem uma deformidade de conduta, de caráter. Não é algo que se adquire. É uma coisa inata, constitucional, está no organismo do indivíduo. Ele nasce, vive e morre assim.”

“Não são loucos, mas também não são normais. Entre a loucura e a normalidade existe um intervalo, uma zona fronteiriça, a dos perturbados mentais. É aí que habitam esses assassinos seriais.”

“Eles são incuráveis, incorrigíveis, irrecuperáveis e de altíssima periculosidade.”

Por que não são apenas anti-sociais? “Felizmente não são assassinos todos aqueles que têm deformidade do caráter. Podem ser desequilibrados socialmente, golpistas, estelionatários etc. Mas naqueles que vão ao crime de sangue, as deformidades têm um grau extremo.”

Eles convivem em sociedade, como pessoas normais. Não são agressivos, têm trato aceitável. Mas não formam vínculos profundos. Não se ligam a ninguém. Depois dos crimes, não se arrependem de nada. “São pessoas insensíveis com o próximo, sem piedade, paixão, altruísmo. Nunca se arrependem.”

Podem alegar terem sido abusados quando criança, ou sofrido bullying na escola. “Isso os leva a serem assassinos seriais? Obviamente, não. Esses já nascem deformados. Uma namorada que não quis dar um beijo pode levá-lo a matar em série pessoas com aquele perfil, por exemplo.”

Pode simplesmente ser uma pessoa na rua que negou-lhe um cigarro. “As vítimas não lhe fizeram mal algum. Nem mesmo o conheciam. Eram escolhidas no momento.”

Tiago Henrique Gomes da Rocha, 26, foi detido no dia 14, na semana passada, suspeito de ter assassinado 16 mulheres em Goiânia (GO).

Confessou 39 mortes -22 mulheres e 17 homens. A reportagem da Folha informou que Tiago não conheceu o pai. Ele vivia com a mãe e o padrasto.

A falta do pai pode ter tido alguma influência neste comportamento? “Ele podia estar com família muito bem constituída. Isso não tem nada a ver”, avalia Palombo.

Rocha sempre foi calado. Tinha poucos amigos. “Essa forma de ser retraído, de estar sozinho, faz parte do perfil dessas pessoas”, diz o especialista.

Na polícia, quando o delegado perguntava sobre as mortes, Rocha queria saber o número da vítima (terceira, por exemplo). Então fechava os olhos, com um sorriso. E contava todos os detalhes do assassinato.

“Isso faz parte do perfil psicológico desses indivíduos. São absolutamente frios, não há ressonância afetiva.”

Para Palombo, assassinos como Rocha costumam se vangloriar de seus crimes. “Quando vamos examinar esses indivíduos, procuramos inflar seu ego ou desafiá-los: você matou tanta gente, mas tem uma pessoa que matou mais do que você. Neste contexto, confessam as mortes.”

“São pessoas que gostam de se sentir importantes, nem que seja por uma prática criminal e bizarra.”

Entre as vítimas de Rocha estavam mulheres, homens (alguns supostamente homossexuais), prostitutas e indigentes. “Faz parte do conjunto. Matar, para ele, é coisa banal. Hoje, isso deve passar pela cabeça dele não como se ele fosse o autor, mas como se estivesse assistindo a um filme, uma sequência de cenas sem importância.”

Tiago disse que tinha raiva do mundo e que a necessidade de matar era um vício.

“Não é um vício, é um impulso, algo que ele sente que tem que fazer. Isso faz parte deste tipo de perturbação mental”, explica Palomba.

O psiquiatra acha que o caso de Rocha merece um bom estudo. Certamente é rico em psicopatologias, área que estuda os estados psíquicos relacionados ao sofrimento mental. E tem uma suspeita: “Se ele falou em 39 vítimas, com essa precisão, é porque o número é maior”. Palombo não acredita que, mesmo tendo enumerado os casos, tenha guardado exatos 39.

O que tem absoluta certeza é de que Tiago nunca mais deve voltar às ruas. Deve ficar internado em casas de custódia e tratamento psiquiátrico por quanto tempo ainda viver. (Da Folha)