Segurança Pública

Recriação da Secretaria de Administração Penitenciária é vista com ceticismo

Em geral, a avaliação é que, se a nova secretaria não vier a ter caráter estritamente técnico, sua criação não terá nenhum impacto efetivo

Menos de três anos depois de acabar com a Secretaria de Administração Penitenciária e Justiça ao absorvê-la na Secretaria de Segurança Pública e Administração Penitenciária, o governo de Goiás tenta voltar atrás em sua decisão. Um projeto de lei que reinstitui a pasta tramita, desde o dia 14, na Comissão Mista da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás (Alego).

Conforme o PL, de número 3.492/2017, a nova estrutura “possibilitará o aprimoramento dos instrumentos de gestão da execução penal, dado o caráter de especialização que se busca”. A recriação da secretaria propiciaria ainda “especialização e maior valorização, também, de outra área bastante complexa, a defesa dos direitos do consumidor, buscando, ainda, interlocução perene entre os Poderes Executivo e Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública, de modo a favorecer atuações convergentes que possam aprimorar e humanizar a aplicação da Justiça em todo o Estado de Goiás”.

Entre as atribuições do órgão estão previstas a realização de articulação com os poderes Judiciário e Legislativo, a interlocução com entes públicos e entidades da sociedade civil, a formulação e execução da política de administração penitenciária estadual, a implementação da Política Nacional de Defesa do Consumidor, além da gerência do sistema prisional e fiscalização e apuração de atos ilícitos que venham a ser praticados por seus servidores.

Alguns dos principais pontos do projeto são os artigos que garantem a transferência do Fundo Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor e do Fundo Penitenciário para a nova pasta, e aquele que descreve que o orçamento setorial destinado às despesas associadas às atividades de administração penitenciária e execução penal, referentes aos recursos diretamente arrecadados, passam a compor o Fundo Penitenciário.

Outro detalhe importante é o detalhamento de que, com a aprovação da lei, o governo estadual estaria autorizado a abrir, no corrente exercício, créditos especiais do Fundo Penitenciário Nacional no valor de até R$ 15 milhões, destinados ao Fundo Penitenciário do Estado.

O corpo da secretaria seria formado pelo Gabinete do Secretário de Estado da Administração Penitenciária e Justiça, e pelas superintendências: Executiva; de Gestão, Planejamento e Finanças; de Gestão da Execução Penal e Reintegração Social; de Segurança; de Correições; e de Proteção aos Direitos do Consumidor. Ao todo, seriam criados mais de 200 novos cargos, ao custo de R$ 1.961.972,22 somente no ano de 2017.

Na ocasião da apresentação do projeto, o líder do governo na Assembleia Legislativa de Goiás, Francisco Oliveira (PSDB), defendeu a propositura.“Foi feito um estudo bem elaborado, fundamentado pelo secretário de Segurança Pública Ricardo Balestreri que entende que assim funcionará muito melhor a segurança pública. Os estudos se basearam também em opiniões importantes de pessoas que conhecem profundamente o assunto”, disse.

O Mais Goiás entrou em contato com a SSPAP, mas a assessoria de imprensa do órgão declarou que não comentaria o texto, já que ele ainda está passível de alterações durante seu trâmite na Casa Legislativa. A secretaria só se pronunciará sobre o projeto caso ele venha a ser aprovado.

Apesar das boas intenções da proposta, ela é vista com ceticismo por pessoas ligadas à área. Em geral, a avaliação é que, se a nova secretaria não vier a ter caráter estritamente técnico, sua criação não terá nenhum impacto efetivo.

Perspectivas

Jorimar Bastos, presidente da Associação dos Servidores do Sistema Prisional do Estado de Goiás (Aspego), entende que a ideia do projeto é “muito boa”, mas que é preciso haver autonomia administrativa e financeira. “O sistema prisional passa por um problema muito grande de falta de investimentos, falta de pessoal, insegurança e com a atuação do crime organização dentro das unidades prisionais”, avalia. “Se não houver aplicação direta do governo, a tendência é piorar muito.”

A perspectiva de implementação de verbas do governo federal, por meio do Fundo Penitenciário Nacional, animam o presidente da Aspego, mas ele tem ressalvas. “Sou muito temeroso com a criação de uma secretaria com fins políticos, que criem diversos cargos mas os loteiem politicamente. Isso não pode acontecer”, diz.

De acordo com Jairo, a lei estadual 17.090, que prevê que as funções de chefia, superintendência, direções de unidades prisionais, coordenações, supervisões, gerências e quadros técnicos, dentro da carreira de Agente de Segurança Prisional serão privativas de servidores efetivos da Superintendência do Sistema de Execução Penal, nunca foi efetivamente cumprida em Goiás. Para ele, sua aplicação é fundamental para que os problemas do setor sejam ao menos minimizados. “Se for para colocarem pessoas que não têm noção nenhuma de vigilância, de reintegração social, de segurança, de disciplina, de classificação de presos, vão fazer uma gestão equivocada, não proficiente. Vai ser mais do mesmo”, pontua.

A professora doutora Bartira Miranda, diretora da faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás (UFG), é ainda mais reticente quando às mudanças que o texto poderia proporcionar. “O projeto não apresenta nada de novo, apenas apresenta uma modificação na estrutura das secretarias de Estado”, diz.

A professora acentua que o projeto não trata de questões como melhorias nos presídios, melhoria das condições das pessoas presas, nem em melhorias para quem trabalha no sistema penitenciário. “São mais cargos a serem distribuídos, o que se faz acomodando as forças políticas que disputam o setor”, declara.

Para Bartira, falta uma cultura de planejamento no trato com a segurança pública. De acordo com ela, se houvesse vontade política, não seria necessária sequer a mudança estrutural.

“Em primeiro lugar, há de se identificar quais são os problemas do setor. O superencarceramento é um problema? estamos de acordo com isso? ou será que devemos prender mais? O trabalho dos agentes públicos deve ser para reduzir ou para aumentar a população encarcerada? Como diminuir o superencarceramento? O que o Estado pode fazer para reduzir o quantitativo de crimes?”, questiona. Entre as soluções apontadas pela especialista estão a diminuição da desigualdade social e a redução do número de armas em circulação. “Além disso, é de suma importância que se dê continuidade ao desenvolvimento institucional no setor da segurança e sistema penitenciário”, destaca.

Sobretudo, Bartira analisa que um fator primordial para a redução da criminalidade do país, e consequente minimização dos problemas do sistema carcerário, é o investimento em políticas específicas para os jovens. Citando pesquisas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ela aponta que o aumento de 1,0% da taxa de frequência escolar de jovens entre 15 e 17 anos reduz a taxa de homicídios em 5,8%; um aumento de 1,0% na taxa de desemprego dos homens de 15 a 17 anos aumenta a taxa de homicídios no Brasil em 2,4%; e um aumento de 1,0% na taxa de desemprego dos homens de 18 a 24 anos aumenta a mesma taxa de homicídios em 4,1%.

“É evidente que a segurança não se resolve com polícia, embora reconhecemos sua importância e imprescindibilidade”, declara a professora. “Da mesma forma, para melhorar o sistema penitenciário, precisamos urgentemente melhorar as condições materiais da prisão, para as pessoas presas e para as pessoas que lá trabalham, mas principalmente para os presos e presas.”

Apoio

Apesar de desencadear ceticismo, o projeto tem seus defensores entre aqueles que veem uma administração especializada como único ponto de partida para a resolução dos problemas do setor. Um deles é a deputada estadual Adriana Accorsi (PT), ex-delegada-geral da Polícia Civil e presidente da Comissão de Segurança Pública da Alego. “Temos manifestado nosso apoio à proposta. Inclusive esse assunto foi objeto de minha audiência com o governador do Estado em exercício, deputado José Vitti (PSDB), para que o projeto, que foi elaborado em seus detalhes técnicos pelo secretário Ricardo Balestreri, fosse encaminhado à Assembleia para que pudéssemos discuti-lo, no que fui atendida prontamente”, ressaltou.

Adriana tem publicizado sua aprovação ao projeto desde o início de sua discussão. “Manifesto nosso apoio porque entendemos que a questão prisional é de suma importância”, pontua a petista. “É muito grave a situação prisional, não só em Goiás, mas no Brasil. Inclusive tivemos duas rebeliões recentemente que resultaram em mortes.”

Para a deputada, o desmembramento da SSPAP pode garantir que sejam efetivadas medidas benéficas em todos os espectros da questão penitenciária. “A administração penitenciária precisa de uma estrutura autônoma, técnica, especializada, para gerenciar, criar políticas públicas de ressocialização e de dignidade para os trabalhadores agentes prisionais, que necessitam de uma atenção devida e especial.”

A petista frisa também que a aprovação da proposta que tramita na Alego viria a atender a critérios estabelecidos, inclusive, pela Organização das Nações Unidas. “A própria ONU recomenda que exista em cada unidade no mundo uma autonomia administrativa da polícia, porque quem prende não pode ser o mesmo que gerencia a execução penal”, conclui.