Violência

Escolas se transformaram em palco de tragédias em 2017

Ano teve como destaque casos que tiveram como vítimas os adolescentes Tamires de Paula, Raphaella Noviski e seis alunos do atentado no Colégio Goyases

A violência ganhou um novo espaço em Goiás neste ano: as escolas. Os locais de ensino e aprendizagem se transfomaram em palco de tragédias  quando três jovens resolveram as suas frustrações utilizando facas e armas de fogo contra colegas de classe.

Tamires, João Pedro Calembo, João Vítor Gomes e Raphaella Noviski morreram antes mesmo de completar o Ensino Médio, mas deixaram um alerta: é preciso cuidar mais de nossos jovens!

De acordo com o psicólogo Leonardo Faria, não existe uma causa para justificar a violência e sim uma série de fatores que acarretam a realização de crimes como esses. “Existem fatores biológicos, como alguns distúrbios mentais, fatores de ambiente, como o lugar que a pessoas convive e como ela vai se dar com a frustração. Esse é o pior de todos”, explica Faria.

A frustração é vista como pior, pois será ela que vai demostrar como será a reação das pessoas diante de suas expectativas não alcançadas. “Uma boa parte dos crimes foram são cometidos quando a frustração toma conta da pessoa e a única saída, que é vista, é resolver com a violência”, conta o psicólogo.

Caso Tamires

A adolescente Tamires de Paula foi morta a facadas no último dia 23 de agosto por outro adolescente de 13 anos. O assassinato aconteceu no edifício em que ambos moravam, localizado na Rua C-137 no Jardim América, em Goiânia.

O adolescente encontrou a jovem dentro do elevador e, quando chegou ao quinto andar, ele puxou a garota e a arrastou até a escadaria de incêndio, aonde desferiu os golpes em Tamires. De acordo com a PM, a menor foi atingida com dez facadas espalhadas pelo pescoço, braço e toráx.

Após o crime, o adolescente foi até o Colégio Estadual Jardim América, que ambos estudavam, e confessou o crime para a diretora da instituição. Eles voltaram até o prédio, onde a gestora viu o corpo da garota na escadaria do quinto andar.

A mãe da garota, após saber da notícia, passou mal e foi encaminhada para uma unidade de saúde. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) esteve no local, mas constataram o óbito da menina. A menina foi enterrada no dia 24 de agosto em Pires do Rio, sua cidade natal.

Tamires Paula foi morta por adolescente de 13 anos (Foto: Reprodução)

 

De acordo com o delegado Luiz Gonzaga Júnior, da Delegacia de Polícia de Apuração de Atos Infracionais (Depai), o adolescente demonstrou ser “um garoto frio, que em momento algum demonstrou qualquer tipo de arrependimento, e que confessou que pretendia matar três colegas de escola.”

O adolescente em depoimento informal, relatou ao delegado que guardou o dinheiro que ganhou no seu último aniversário, em junho de 2016, e comprou uma faca e ele a levava todos os dias para a escola. “Ele falou que pretendia matar três meninas, entre elas uma que gostava dele, e outra que provocasse um grande luto na escola”, conta o delegado.

O menor não explicou o motivo de matar Tamires. Por mais que estudassem na mesma escola e morassem no mesmo prédio, eles não tinham convivência. A violência, relatada pelo menor ao delegado, surpreendeu a todos. Ele contou que bateu a cabeça da jovem várias vezes na parede. “Como não conseguiu matar ela com pancadas, ele então desferiu várias facadas. A violência com que aplicou os golpes foi tão grande que a faca dobrou no corpo da garota”, pontuou Luiz Gonzaga.

O menor era considerado um garoto extrovertido e de fácil convivência com o colegas. Fato esse que a mãe, em entrevista a uma emissora de TV, confirmou e ainda disse acreditar que o filho era vítima de bullying pelo fato de ser mais alto que os colegas, e por isso já ter acontecido na antiga escola em que o menor estudava. A mãe também alegou que existe um histórico de depressão na família.

O menor teve a internação em um centro para menores deferida ainda no dia 24 de agosto. Ele cumpriu 45 dias no Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) de Goiânia.

Foto: Reprodução

 

Colégio Goyases

No dia 20 de outubro, um adolescente de 14 anos atirou conta os colegas do oitavo ano do Colégio Goyases no Conjunto Riviera, em Goiânia. Seis estudantes foram atingidos, sendo que João Pedro Calembo e João Vitor Gomes, ambos de 13 anos, morreram no local. Três vítimas foram encaminhados para o Hospital de Urgência de Goiânia (Hugo) e outra foi encaminhada para o Hospital dos Acidentados.

O adolescente estava com uma pistola .40, arma da mãe que é Policial Militar, e alegou que cometeu o crime por ser vítima de bullying. Colegas de classe relataram que o menor era constantemente alvos de comentários maldosos sobre a sua falta de higiene. “Nós falávamos para ele tomar banho, passar desodorante. Ontem o menino que sentava atrás dele até disse que ia trazer um desodorante e pelo que eu vi, ele foi o primeiro a ser baleado”, disse a aluna de 13 anos que estava na sala durante os disparos.

 

João Pedro Calembo (à esquerda) e João Vitor Gomes morreram após tiros em escola de Goiânia (Foto: Reprodução)

Quatro pessoas ficaram feridas durante o atentado. Hyago Marques, de 13 anos, foi o primeiro a sair do hospital. Ele foi atingido no tórax e teve alta no dia 22 de outubro. A segunda vítima a ser liberada foi Lara Fleury, de 14 anos. Ela ficou internada no Hospital dos Acidentados e recebeu alta no dia 24 de outubro.

Marcela Rocha Macedo, de 14 anos, foi a terceira aluna a ser liberada. Ela foi atingida no tórax e teve o pulmão esquerdo perfurado. Ela passou por cirurgia e ficou internada na enfermaria do hospital. Ela teve alta no dia 3 de novembro.

De todos, a situação mais complicada foi a de Isadora de Morais Santos, de 14 anos. A jovem foi atingida por três disparos e um deles atravessou a nona e a décima vértebra torácica e atingiu a medula, deixando-a paraplégica.

Marcela, Lara e Isadora foram vítimas do atentado no Colégio Goyases (Foto: Reprodução/ Facebook)

O menor foi encaminhado para o Instituto Médico Legal (IML) para passar por exame de corpo de delito e após seria encaminhado para a Delegacia de Polícia de Apuração de Atos Infracionais (Depai). O pai do garoto, que também é policial militar, acompanhou o filho nesse processo.

De acordo com o adjunto da Depai, Luiz Gonzada Júnior, a coordenadora teve um papel principal para que a tragédia não fosse maior. Ela convenceu o adolescente a parar de atirar, conseguir desarmá-lo e se entregar aos policiais. O menor ainda cogitou cometer suicídio, mas também foi convencido a fazer o contrário.

No mesmo dia do crime, o delegado Luiz Gonzaga Júnior relatou, durante coletiva de imprensa, que o adolescente alegou que se baseou em outras tragédias. O desastre de Columbine, ocorrido em 1999 nos Estados Unidos, e de Realengo, em 2011 no Rio de Janeiro. Ainda durante o depoimento ao delegado, o menor contou que queria fazer como vítima somente João Pedro Calembo, que teria levado o desodorante para a escola, mas depois sentiu a necessidade de fazer mais vítimas.

Também ao delegado, o menor falou que encontrou a arma da mãe escondida em um móvel da casa e que nem ela, nem o pai, o ensinou a atirar. O garoto passou por tratamento psicológico e não havia histórico de queixas de bullying com o adolescente na escola.

 

No dia seguinte do atentado, 21 de outubro, o promotor de Justiça Cássio Sousa Lima recomendou a internação provisória imediata, de 45 dias, do adolescente.  No dia 28 de outubro, o Juizado da Infância e da Juventude decidiu manter o jovem atirador internado no centro para menores. O menor pode ficar internado por até três anos.

Estudante que atirou em colegas sofria bullying na escola pela suposta falta de higiene. (Foto: Divulgação)

 

Caso Raphaella 

Raphaella Noviski, de 16 anos, foi morta no dia 6 de novembro, por volta das 7h30, com 11 tiros dentro do Colégio Estadual 13 de Maio em Alexânia, no entorno do Distrito Federal. Os disparos foram desferidos por Misael Pereira de Osair, de 19 anos. O autor teria pulado o muro do colégio e procurado a jovem, até encontrá-la dentro de uma das salas e assassiná-la.

Isabela Cristina, irmã da vítima, contou que Raphaella evitava o autor nas redes sociais. “Ele mandava solicitação para Raphaella no Facebook, mas ela nunca aceitava. Ela era muito nova e nunca quis namorar com ninguém”, afirma Isabela. Ele era conhecido pela família pois morava próximo da casa da vítima. “Nunca imaginaríamos que isso iria acontecer. Estamos todos abalados”, disse Isabela.

O autor, em primeiro vídeo, não apresentou nenhum arrependimento do crime. De acordo com a delegada, Rafaela Azzi, o menor se mostrou bastante frio enquanto contava o crime. “Ele disse que sabia tudo sobre a vida da vítima e se organizou para cometer o crime”, afirma a delegada. As aulas foram suspensas até o dia 16 de novembro, quando foram retomadas.

A vítima foi enterrada no Cemitério Campo da Saudade. O velório aconteceu na igreja frequentada pela família, Assembleia de Deus Ministério Madureira.

Raphaella Noviski foi morta dentro do colégio qeu estudava (Foto: Reprodução/ Facebook)

 

Misael foi preso em flagrante, juntamente com Davi de Souza, que o ajudou na fuga. A linha de investigação da Polícia Civil foi crime passional, já que o jovem nutria uma paixão não correspondida pela jovem. “Ele afirmou que a motivação para o crime foi o ódio que sentia pela Raphaella e comprou a arma calibre .32 especialmente para matá-la”, conta a delegada. Misael não tem nenhuma passagem pela polícia e estava desempregado.

Durante a audiência de custódia, ocorrida no dia 7 de novembro, Misael declarou, em novo vídeo, que se arrependeu do crime. O autor também apareceu com o olho roxo durante a oitiva e alegou ao juiz que o hematoma se deu por uma queda no banheiro da penitenciária, devido a baixa luminosidade do local.

Sobre o arrependimento do jovem, a delegada salienta que a possível mudança de argumento se deu após o jovem tomar consentimento da dimensão que o problema causou. “Possíveis conversas com outros companheiros de cela podem ter influenciado na decisão do acusado, já que o feminicídio é um dos crimes com maior duração de pena. Neste momento, é possível dizer que caiu a ficha do que ele fez. Durante a escolta, ele até se mostrou disposto a trabalhar para reduzir a pena.”

Ele ainda declarou que ameaçou a vítima duas vezes por telefone. A primeira ligação aconteceu no final de semana que antecedeu a tragédia. Quem atendeu foi uma tia da vítima e o autor conta que mudou a voz e desligou o telefone. A segunda ligação foi no dia do assassinato e ele mesmo ameaçou a vítima, que não se importou com as ameaças.

“Ele conta que tentou conversar com a Raphaella para poder desabafar, contar o sentimento reprimido que sentia pela garota. No outro dia, ele ameaça a vítima indagando se ela estava preparada para morrer. Acreditamos que ela não deu importância na ameaça”, aponta a delegada.

Além de Misael e Davi, outras duas pessoas foram indiciadas pela morte de Raphaella. Wilkennedy Gomes dos Santos e José Alberto Moreira dos Santos são acusados de venderam a arma do crime para o autor. “Localizamos os suspeitos e eles nos relataram que não sabiam que Misael iria matar a adolescente. Eles responderão por venda irregular de arma de fogo, que tem pena de 4 a 8 anos de prisão mais multa”, destaca Rafaela.

Misael matou Raphaella com 11 tiros dentro do colégio em que a vítima estudava (Imagem: Reprodução)

 

Visão do psicólogo

 

Leonardo explica que deveriam ser feitas campanhas incentivando os pais a conversarem e explicarem como funcionam todas as esferas de uma sociedade. “A pessoa busca a diminuição de violência, mas cada vez nascem crianças intolerantes e sem nenhuma tipo de instrução para a vida. Se você quer uma sociedade melhor, a iniciativa tem que partir de dentro de casa.”

O psicólogo também conta que as pessoas necessitam de mais reflexão do que se deixar levar apenas pela sua percepção. “Nem tudo o que é passado é visto de forma igualitária entre todos. Eu posso interpretar algo de uma forma, que não será digerido da mesma forma por outra pessoa”, fala Leonardo.

E completa: “A violência não acabará, mas dá para diminuir se investimos em campanhas. Pessoas sofrem, famílias sofrem. São buscados soluções de curto prazo, mas sabemos que para conscientizar uma pessoa não é da noite para o dia. Várias esferas como cultural, social, comportamental têm que ser trabalhadas para assim trabalhar a educação e, posteriormente, chegar na diminuição nos números de casos de violência.”

*João Paulo Alexandre é integrante do programa de estágio do convênio entre Ciee e Mais Goiás, sob orientação de Thaís Lobo.