Revogação de portaria de cotas em pós-graduação já era pensada, dizem estudiosas
Diretora da Associação Associação Nacional de Pós-Graduandos lembra que Weintraub disse odiar o termo "povos indígenas" e afirma que só existe um povo no Brasil; professora de história da África cita que Salles pediu para aproveitar a pandemia para promover mudanças administrativas
Abraham Weintraub anunciou sua saída do Ministério da Educação (MEC) na quinta-feira (18). Porém, não sem um último ato: revogar uma portaria da sua pasta que estabelecia a política de cotas para negros, indígenas e pessoas com deficiência em cursos de pós-graduação. Ele já havia dito que não vê diferença entre os brasileiros, pois odeia o termo “povos indígenas”, por exemplo. Raísa Vieira, diretora acadêmico-científico da Associação Nacional de Pós-Graduandos lembra da fala, que foi dita em reunião ministerial em 22 de abril e divulgada a pedido do STF.
“Ele não vê as especificidades que formam o povo brasileiro. É um governo que demonstra claramente a oposição a essas comunidades e reforça desigualdades no meio acadêmico”, lamenta Raísa, que aponta uma grande perda, no caso das universidades, que possuem autonomia, simplesmente abandonarem a política de cotas.
“Durante muito tempo, a pós-graduação foi elitizada e favorecia uma visão única da ciência, mesmo o País tendo diversas etnias e origens. Com medidas de ações afirmativas, tiveram oportunidades para que mais pessoas pudessem cursar e seguir carreira”. Segundo ela, a diversidade favorece a ciência por aumentar a perspectiva de resolver problemas da sociedade.
A expectativa da diretora da associação é que as Universidades utilizem sua autonomia para manter a política de cotas. “A UFG (Universidade Federal de Goiás), por exemplo, foi a primeira a implementar cotas. Foi um pontapé inicial importante e, considerando a atual gestão, ela continuar tendo essa portaria”.
Ela lamenta, porém, que não há mais a portaria do Ministério da Educação para servir como orientação. Raísa lembra ainda que, mesmo com a política de cotas, os negros ainda são menos de 30% dos estudantes que cursam pós-graduação. A informação é baseada em Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), que avaliou o número de mestrandos e doutorandos negros, de 2001 a 2013, no País.
Seguiu a cartilha
Janira Sodré, da rede goiana de mulheres negras e professora de história da África do IFG, também se lembra de uma fala da reunião de 22 de abril. A do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles: “Passar reformas infralegais (…), porque a imprensa só fala de Covid-19, e ir passando a boiada.”
Em resumo ela diz que Salles sugeriu mudar o que fosse administrativo, portaria, pois o que dependesse do Congresso seria mais difícil. Weintraub seguiu a cartilha. E não fez com a graduação, porque é lei, o que não seria possível, avalia Janira. “A pós-graduação abria o desenvolvimento científico e tecnológico [para essas categorias beneficiadas]. A ciência e tecnologia estão majoritariamente abrigadas em universidades.”
Desta forma, ela avalia que a revogação da portaria é um projeto de gestão da educação excludente e antidemocrático. “Democratizar a educação superior, ciência e tecnologia, passa diretamente pelo desenvolvimento social de 54% da população brasileira, que é negra. Quando temos a entrada de negros trazemos as grandes questões sociais negras.”
Ela explica que ocorre o impacto na produção com a essa participação, pois essa comunidade traz perguntas e enriquecem o debate. Indagam o mundo de forma diferente. “Nos Estados Unidos, eles veem como rico e criativo ter equipes com essa diversidade. Não só na pesquisa, mas até nos negócios. Eles pegam, inclusive, pessoas de todo o mundo.”
Vingança
De volta a Raísa, da APGN, ela afirma que a revogação foi claramente uma afronta, “uma vingança ao movimento estudantil e movimentos sociais. Especialmente às populações indígenas, negras e quilombolas”.
Pensamento semelhante é o de Iêda Leal, coordenadora nacional do Movimento Negro Unificado. Ela classifica a revogação como forma de retaliação. “São pessoas que não entendem o processo de cotas e tentam deslegitimar a nossa luta. Negros, indígenas e pessoas com deficiência têm dificuldade no acesso. É preciso as cotas para oportunizar essas pessoas”, declara.
Para ela, a revogação é uma violação dos direitos humanos. “Vai reforçar a desigualdade. As cotas servem para oportunizar a entrada de todas as pessoas no sistema educacional superior.” Sobre o ministro, ela diz que sua atuação foi um desastre. “Perverso, racista e não entende de história. As cotas são legítimas, o STF já se pronunciou sobre isso e deve haver cotas no ensino superior e pós-graduação”, avalia.
A UFG também foi procurada para comentar sobre a questão, atual número de contemplados e mais. Até o fechamento da matéria não houve retorno.