“Se tivesse diálogo não teria havido tantas manifestações, muito menos ocupações”, dizem estudantes
Em entrevista exclusiva ao MAIS GOIÁS, jovens que ocupam escolas da rede estadual falam sobre suas motivações, criticam a falta de transparência do governo, denunciam violações, comentam sobre a vida dentro das unidades, pedem apoio aos pais e à população
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Quando no dia 14 de outubro deste ano foi publicado o decreto para que a Secretaria de Estado da Educação, Cultura e Esporte (Seduce) selecionasse, até o dia 31 de dezembro, as Organizações Sociais (OSs) interessadas nas gestões de escolas da rede estadual, provavelmente o governo não imaginava a comoção que a medida causaria entre os próprios estudantes.
A intenção da administração estadual é fazer com que as entidades escolhidas possam começar a atuar já no início do ano que vem, com o poder de fazer reformas sem a exigência de licitações e contratar professores por regime de Consolidação das Leis de Trabalho (CLT).
No primeiro momento, a gestão ocorreria em caráter experimental em 30% das unidades das subsecretarias de Educação de Goiânia, Aparecida de Goiânia, Anápolis, Trindade, e do Entorno do Distrito Federal. A relação das escolas, porém, foi mantida a sete chaves.
A novidade não agradou alunos e movimentos sociais. A terceirização, para eles, é a porta de entrada para o fim da universalização e gratuidade do ensino público, assim como para a precarização da carreira do professor. O segredo sobre as unidades que passariam pela mudança também não foi visto com bons olhos.
E o timing do governo estadual não poderia ser mais inoportuno. Isso porque, no dia 9 de novembro, alunos da rede estadual de São Paulo começavam os protestos contra a proposta de “reorganização” escolar, que previa o fechamento de mais de 90 escolas e afetaria mais de 300 mil crianças e adolescentes naquele Estado. Como resultado, 196 escolas acabaram ocupadas pelos próprios alunos, forçando a revogação da medida, oficializada pelo governador Geraldo Alckmin no dia 5 de dezembro.
O sucesso dos paulistas inspirou os alunos goianos. Até a manhã desta segunda-feira (14/12), já são oito as escolas da rede estadual de Goiás ocupadas por estudantes. Desde o dia 9, quando ocorreu a primeira ocupação, no Colégio José Calos de Almeida, no Setor Central, há relatos de ameaças e de repressões.
Apesar disso, o movimento não para de ganhar força. De lá para cá, novas ocupações ocorreram. Na quinta (10), foi a vez do Colégio Robinho Martins Azevedo, no Jardim Nova Esperança.
Na manhã de sexta (11/12), um dos colégios mais importantes de Goiânia foi ocupado, o Lyceu, no Setor Central. No sábado (12), o Instituto de Educação de Goiás (IEG) entrou para a conta dos estudantes.
E não parou por aí. Só nesta segunda-feira (14), foram realizadas mais quatro ocupações, inclusive as primeiras fora da capital. Primeiro, foi o Centro de Educação em Período Integral (Cepi) Cecília Meirelles, no Bairro Santo Antônio, em Aparecida de Goiânia e, em seguida, o Colégio Estadual Pré-Universitário (Colu), no Setor Leste Universitário. Pouco depois, o Colégio Polivalente Frei João Batista, em Anápolis, também foi ocupado pelos estudantes, assim como o Colégio Estadual José Lobo, no Setor Rodoviário, na capital.
Pelos relatos que os próprios estudantes publicam nas redes sociais, tudo indica que, dentro das ocupações, a organização tem sido uma das prioridades. Até mesmo uma Comissão de Comunicação e Imprensa dos Secundaristas foi formada para responder aos questionamentos de jornalistas, e é dela que vêm as respostas a seguir.
Na entrevista, realizada neste domingo (13), os estudantes falam sobre suas motivações, criticam a falta de transparência do governo estadual, denunciam violações, comentam sobre a vida dentro das escolas, pedem apoio aos pais e à população e, também, falam sobre suas esperanças quanto ao futuro do movimento.
Leia a entrevista:
De onde veio a iniciativa de ocupação das escolas? Onde começou a mobilização?
A mobilização começou com pequenas reuniões onde espalhamos as notícias e buscamos informar os nossos colegas. Os Secundaristas se mobilizaram com apoio de estudantes de curso superior e alguns professores contrários à proposta da terceirização, e assim chegamos à situação atual. Sempre inspirados pelos companheiros em São Paulo e também pela Revolta dos Pinguins, do Chile.
Quais são exatamente as discordâncias que vocês têm quanto à gestão por OSs?
Várias. Dentre elas que um aluno matriculado numa escola vinculada à uma OS perde direito à cota de reserva, que garante 50% das vagas para alunos de escolas públicas. Isto pode ser conferido nas cláusulas das cotas de qualquer edital de Institutos e Universidades Federais. A terceirização também abre as portas para cobrança de mensalidades, apesar dos discursos da gestão governamental garantirem que isso não ocorrerá. Também há a questão da instabilidade na carreira dos professores.
Defendemos que a terceirização não é a forma de garantir uma escola pública, laica e de qualidade. Nós, alunos, professores e demais membros da comunidade escolar, que convivemos com a realidade atual da educação, não apoiamos a terceirização, em nossa maioria. Por que então o Estado, que deveria ser o representante legítimo do povo vai nos impor essa medida contra a nossa vontade? Isso me parece ditatorial e não democrático.
E qual a posição de vocês quanto aos colégios militares?
Numa escola militar o aluno tem que adquirir uniforme e fardamento, além de arcar com mensalidade e outros custos. Isso a torna inviável para a população mais carente, onde alunos têm até mesmo duas únicas refeições nas escolas. Nos [Centros de Ensino em Período Integral] Cepis, por exemplo, os alunos têm três refeições durante o dia, gratuitamente. Com lanche pago, a proposta da escola pública se perde infamemente.
Somos contra a militarização, pois a escola deve estimular o aluno pensar e não impor respeito por meio da repressão. Policiais devem estar nas ruas, zelando por nossa segurança, e não nos reprimindo dentro das nossas escolas.
Que tipo de atividades vocês têm desempenhado dentro das ocupações?
Primeiramente mutirões de limpeza. Algumas das escolas se encontravam em situação de abandono, quando chegamos. Até o mesmo o Lyceu, que funcionava regularmente, não tinha todas as suas áreas limpas. É importante ressaltar que nosso movimento zela pelo patrimônio público. Fora isso, desenvolvemos uma série de atividades culturais, desportivas, recreativas, debates, aulas de temas variados, oficinas de teatro e etc. Nós cuidamos de preparar nossa alimentação e de nossa limpeza.
De forma geral, como os pais dos alunos que ocuparam as escolas estão reagindo a essa situação? Eles têm dado apoio?
De forma geral, os pais têm se mostrado receptivos. Mas ainda convocamos o apoio deles como comunidade escolar. Pais, seus filhos estão ali lutando pelo futuro da educação pacificamente. Qualquer ato de violência, vandalismo ou arruaça não representa nosso movimento. Pedimos ainda mais apoio dos pais. Que nos ajudem com donativos e que venham conhecer as ocupações e ver nosso desenvolvimento de trabalhos.
Os ocupantes temem por ações da polícia?
Hoje [13], na escola Instuto de Educação de Goiás (IEG), que foi ocupada nesse mesmo dia por estudantes secundaristas contrários a implementação das Organizações Sociais na rede de ensino do estado de Goiás, foi palco de grande pressão e violência psciclógica, quando a partir das 22h, várias viaturas da Polícia Militar e de seus batalhões especializados cercaram a ocupação e ameaçaram durante horas que iam despejar os estudantes que estão ocupando a escola de maneira pacífica e cuidando de seu patrimônio de forma muito melhor do que o Estado o faz. Foram duas horas de intensas ameaças, que felizmente não foram concretizadas.
Acreditam que o movimento em Goiás tomará as mesmas proporções que tomou em São Paulo? A vitória dos estudantes lá dá mais esperanças de que vocês obtenham uma vitória aqui também?
Esperamos que sim, desejamos que todos os estudantes se mobilizem e imponham sua voz. Quanto mais estudantes se mobilizarem, assim como toda a população, a chances de obter vitória aumentam. A luta de São Paulo e a nossa luta, no fundo são a mesma. Essa geração só de ter conseguido voz autônoma já tem vitória.
Há acusações de que as ocupações estão sendo organizadas por sindicalistas e partidos da oposição. A informação procede? Vocês têm recebido apoio de entidades desse tipo?
Esses boatos são uma forma baixa de tentarem descredibilizar nossa luta. É óbvio que nossa luta foi organizada por secundaristas e está sendo protagonizada por nós. É um absurdo ele subestimarem nossa capacidade de organização, como se nós não soubéssemos refletir. No entanto, a luta pela escola pública é do povo, logo toda a sociedade se solidariza com a causa e vem prestar apoio.
Recebemos apoio de todos os setores da sociedade como advogados, pais, professores, entidades,universidades, etc., que nos ajudam com doações, notas de apoio e oficinas culturais. Não há nada de errado nisso. Quando a Seduce defende a OSs eles sempre dizem que é uma parceria que o governo faz e que isso é bom, então por que quando se trata dos estudantes ganharem a parceria da sociedade civil isso é visto como algo negativo?
Na última sexta-feira [11/12], a Seduce divulgou nota afirmando que a secretaria “sempre esteve aberta ao diálogo, por isso entende que esse movimento de ocupação de escolas da rede é extemporâneo, injustificável e desnecessário”. Houve alguma tentativa de aproximação entre as partes?
Nunca houve diálogo. Uma medida em formato de decreto não visa diálogo. Um bom exemplo é a lista das escolas que passaram a ser geridas pelas Organizações Sociais. Ela só será divulgada depois do chamamento das OSs, ou seja, depois que todo o processo de implantação for consolidado. Isso não é dialogo.
Antes das ocupações houve três manifestações, sendo que na ultima a [titular da Seduce] Raquel Teixeira se comprometeu publicamente chamar um debate público, o que não aconteceu. Nem no debate com o [Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Goiás] Sintego ela compareceu. Além disso, todas as vezes que nós (estudantes) propúnhamos debates sobre o tema nas escolas éramos barrados pela gestão que afirmava que “a secretaria de educação não permite esse tipo de debate”. Se tivesse diálogo não teria havido tantas manifestações, muito menos ocupações.
Dizem que consideram nossa luta desnecessária. Nossa resposta é muito clara: desnecessário é fechar escolas e deixar outras em estado de abandono.