Sozinhas e desempregadas, mães relatam a luta para cuidar dos filhos em Goiânia
Neste dia das mães, mulheres relatam as dificuldades e expectativas de um futuro digno aos filhos
Mães, com vários filhos, sozinhas e desempregadas. Essas são características que persistem em descrever a realidade de mais de 11 milhões de mulheres em todo o Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Por conta própria, muitas vezes desde o início das gestações, elas enfrentam a falta de oportunidades no mercado de trabalho, a fome e o desamparo governamental e social.
De acordo com o professor de Ciência Política, Guilherme Carvalho, o flagelo dessas mulheres pode ser explicado pelo desequilíbrio de responsabilidades familiares assumidas por elas e homens no Brasil. É tão comum que eles não acompanhem o desenvolvimento dos próprios filhos que 80 mil brasileiros não tiveram o nome do pai em registros de nascimento, no primeiro semestre de 2020. Dados são da Associação Nacional dos Registradores Civis de Pessoas Naturais (Arpen Brasil). Para essas pessoas, só a mãe existe.
A figura materna então absorve inteiramente a responsabilidade de colocar comida na mesa, educar, levar os pequenos ao médico, brincar com eles e ainda ter energia para realizar tarefas domésticas. Por esses motivos, apenas 54,6% das mulheres, de 25 a 49 anos, mães de crianças de até três, trabalham. Enquanto isso, o nível de ocupação entre os homens da mesma faixa etária é de 80% (IBGE, março 2021).
Para Carvalho, essa são mais evidências da mencionada desigualdade. “O governo precisa criar uma rede de atenção para a profissionalização das mulheres, em especial nas periferias, onde a miséria impera. Além disso, é preciso criar creches, para que as crianças fiquem na escola enquanto essas mães trabalham em diferentes cargos. Mulheres também precisam receber salários equitativos em relação aos homens”, explica.
Apesar das dificuldades, essas mulheres ainda encontra forças para celebrar a maternidade no cotidiano, o que serve como mais uma fonte de energia para que elas lutem por futuros dignos para seus filhos. É o caso de Janes Nascimento, 35; e de Maria Valdirene, que revelaram parte de suas histórias ao Mais Goiás. Acompanhe:
Aprendeu sozinha
Grávida do terceiro filho aos 35 anos, Janes Nascimento da Silva nasceu em São Luís do Maranhão e veio para a cidade de Goiânia há 4 anos em busca de uma vida melhor para ela e para os filhos. Segundo a mulher, mesmo quando tinha apenas uma semana de vida já enfrentava uma dura realidade, pois a mãe tinha mãe alcoólatra que a abandonou com o pai, que por sua vez, também a rejeitou.
“Fui criada em mão de um e de outro. Passei fome, dormi na rua muitas das vezes e saí de casa cedo, pois apanhava muito da minha madrasta. Hoje com certeza não posso ensinar nada da minha criação para os meus filhos. Faço por eles tudo diferente e não tenho coragem de abandonar nenhum”, diz.
Janes está há 2 anos sem conseguir trabalhar. No fim de 2019, ela sustentava os filhos realizando faxinas, mas acabou sendo vítima de um assalto em que teve a mão quebrada pelos criminosos. Com isso, a doméstica passou por duas cirurgias reparadoras e ainda precisa realizar uma terceira, em que ela aguarda apoio do Sistema Único de Saúde (SUS).
Atualmente, a mulher vive com a mão imobilizada, pois quando remove a tala a mão ‘cai’, o que a impede de exercer qualquer atividade. Ela conta que chegou a receber um auxílio doença, mas diz que o dinheiro acabou depois de uns meses. Há pouco mais de um ano, Janes diz que ‘fica no pé’ de uma advogada, na busca por uma aposentadoria por invalidez.
Enquanto não é contemplada pelo benefício, a mãe de Carlos e Pedro Henrique, de 4 e 9 anos respectivamente, afirma que às vezes deixa de comer para poder alimentar os meninos. Gestante, ela diz que se desespera pelo futuro do filho que ainda não nasceu. “Não tem um só dia que eu não chore. Me dói não ter o que dar para os meus meninos. Me colocaram nessa situação”, lamenta.
Janes explica que nunca pôde contar com o apoio dos companheiros e que não tem mais contato com os familiares do Maranhão. Atualmente, ela e os filhos moram numa casa de aluguel, com as contas atrasadas e sobrevivem com a ajuda de quem se compadece de seus sofrimentos. Ela faz os exames de pré-natal por meio do SUS e, até o momento, não tem quase nada para o filho que vai nascer.
“Não sei nem como os donos da casa ainda não me expulsaram. Mas, tudo que tenho veio de doação, não tenho vergonha de falar, pois estou desesperada! Como vou comprar as coisas? Como vou fazer para dar uma vida digna para esse bebê que está a caminho? Preciso de ajuda!”, desabafa.
Amor incondicional
Assim como Janes, a empregada doméstica Maria Valdirene Rufino, de 39 anos, entende o que é o amor incondicional pelos filhos. Criada com rigidez na zona rural de Goiás, ela conta que engravidou pela primeira vez aos 16 anos e, com isso, nunca mais teve a oportunidade de estudar. Sem uma educação completa e com um filho para criar, Maria também veio até a capital em busca de emprego e uma vida melhor.
“Ser mãe é ter um amor incondicional, a gente faz de tudo pelo os nossos filhos. Saí da casa dos meus pais muito nova pra tentar uma vida melhor aqui em Goiânia. Cheguei aqui só com três peças de roupa. Hoje eu os incentivo a não largarem a escola”, explica a doméstica.
‘Quero trabalhar’
Se com apenas o primeiro filho Maria Valdirene enfrentava problemas, a força de vontade teve que se multiplicar depois que ela teve outras quatro crianças. Ela explica que mantinha os filhos com o trabalho de empregada doméstica, em que tinha a carteira assinada. Mas, com o agravamento da pandemia de Covid-19, perdeu o emprego há três meses. Agora, a mulher vê o dinheiro que recebe do seguro desemprego acabar todo dia um pouco mais.
O trabalho doméstico exercido por Valdirene foi diretamente afetado pelas medidas de distanciamento social na pandemia e pelo fator econômico, já que mais famílias tiveram que cortar despesas em casa. “Logo logo esse dinheiro vai acabar. Como eu tinha carteira assinada, não recebi o auxílio emergencial. Não é fácil, mas estou sempre procurando fazer uma faxina, passar roupa para ajudar na renda. Quero trabalhar!”, diz ela.
Maria Valdirene Rufino, empregada doméstica e mãe de cinco filhos (Foto: Jucimar de Sousa / Mais Goiás)
Um futuro melhor: ideal comum
Apesar de histórias de vida diferentes terem sido impactadas por obstáculos semelhantes, Janes e Maria Valdirene ainda têm em comum a esperança de que um dia os filhos terão uma vida melhor. Quando questionadas sobre qual o maior sonho delas, a resposta é a mesma: ‘Ver os meus filhos crescerem na vida, formados, de cabeça erguida e sem desistir’.
Maria Valdirene acredita num futuro melhor e tem fé de que um dia ainda conseguirá fazer uma viagem com os cinco filhos por todo o país. “Meus filhos são a minha maior alegria. Meu sonho é viajar o Brasil todo! Ver eles felizes e com saúde enche o meu coração de alegria”, diz ela.
Janes diz que seu maior sonho é colocar o filho de 9 anos numa escola de futebol, para realizar o desejo do garoto de ser jogador. Mas, segundo ela, quando ficar tudo bem, quer mesmo é uma televisão ‘bem grande e fina’, para se divertirem. “Pode parecer bobo, mas para mim não é”, completa ela.