Defensoria recebe denúncias de tortura e violação de direitos humanos na CPP, em Aparecida
Denúncia de uma pessoa sobre torturas dentro do presídio vão de encontro ao relatório de inspeção feito pela Defensoria Pública de Goiás na Casa de Prisão Provisória (CPP)
Relatório de inspeção da Defensoria Pública de Goiás feita na Casa de Prisão Provisória (CPP), em Aparecida, contém denúncias de superlotação, privação de água, materiais de higiene, quantidade de alimentação inadequada e outras violações de direitos humanos. Ao Mais Goiás, uma pessoa que ficou presa por cinco dias no início de dezembro de 2021 denunciou episódios cruéis de tortura física e psicológica que vão de encontro às apurações do órgão feitas dois meses depois.
A inspeção da Defensoria Pública do Estado de Goiás foi feita no dia 4 de fevereiro. A conclusão do documento foi enviada no dia 14 de março à Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP) com oito recomendações do órgão. Dentre elas, consta a necessidade de fornecimento contínuo de água nas celas, de água potável para o consumo, de materiais de higiene pessoal, de alimentação no quantitativo adequado à dignidade humana, de fornecimento de medicamentos.
O documento também revelou ainda denúncias de privação do banho de sol, de atendimento médico e de itens autorizados que podem ser trazidos por familiares dos detentos. Segundo relatório, presos podem ficar até 16 horas sem se alimentar no presídio. O relato do homem que ficou detido por cinco dias no Complexo Prisional, em Aparecida, tem forte relação com as denúncias apontadas no documento.
Relatos de tortura revelam agressões físicas de pessoas na “triagem”
Ao chegar no presídio, T.V.A. afirma que foi colocado na ala do semiaberto, onde estava funcionando a triagem dos detentos. Ele relata que a tortura começou no momento em que entrou no complexo prisional, antes mesmo da sua entrada na CPP. A partir do instante que você entra, começa a sofrer tortura psicológica o tempo inteiro. Não pode olhar no rosto dos policiais penais, tem que andar sempre de cabeça baixa e se você passar por um deles sem bradar ‘Com licença, gloriosa polícia penal’, apanha”, disse.
O denunciante conta que na área da triagem, algemado, já começou a levar socos e pontapés por causa das tatuagens. Os policiais alegaram que ele tinha um coringa tatuado e gostava de matar policiais. “O desenho não tem nada a ver com um palhaço”, contou.
T.V.A afirma que após apanhar teve a cabeça raspada. No mesmo dia, entraram mais dois detentos na mesma cela. Um deles, estava com uma das mãos operada, com cerca de seis pinos de metal cravados. Ele contou como foram as torturas realizadas pelos policiais nos dois presos recém-chegados.
“Os policiais penais bateram neles com socos e pontapés e disseram ‘você é forte, você aguenta’. Deram vários pisões na mão operada de um deles e disseram para ele não gritar. No outro, obrigaram-lhe a fazer cem agachamentos e a cada vez que ele abaixava, levava um pontapé de coturno no escroto”. T.V.A. disse ainda que, na mesma ocasião, um dos policiais penais deu dez chineladas no rosto de outro preso no recinto.
No dia seguinte, o denunciante afirma que ele e os outros presos que estavam na triagem foram conduzidos para CPP, local onde a inspeção da Defensoria Pública do Estado de Goiás foi realizada.
Relatório da Defensoria Pública de Goiás aponta superlotação nas celas da CPP
De acordo com o relatório da Defensoria Pública do Estado de Goiás, a Casa de Prisão Provisória (CPP) é uma das unidades que compõe o complexo prisional de Aparecida de Goiânia e possui seis blocos, 203 celas de 16 metros quadrados, capazes de abrigar até oito pessoas. Segundo a administração prisional, a CPP possui capacidade para 906 pessoas. Atualmente o número de pessoas privadas de liberdade no estabelecimento é de 2.874, indicando um déficit de 1.968 vagas.
O relatório aponta as condições de superlotação das celas da CPP. No Bloco 3 B, por exemplo, os prisioneiros dispõem que as celas possuem uma média de 28 a 30 pessoas, quando a capacidade, no geral, é de oito pessoas por cela. Outro destaque apontado pelo relatório é a cela de isolamento do Bloco 3 B, segundo informações coletadas durante a inspeção, esta possui a capacidade para 12 pessoas, mas conta com 60 prisioneiros.
O relato pessoal de T.V.A. expõe de forma crua como é a condição de sobrevivência nas celas superlotadas da CPP. “Fomos levados para cela, onde havia mais ou menos 30 pessoas. Não havia cama para dormir, eu estava dormindo no chão. Espaço separado para banheiro, não existe. A água é cortada. Não há assento de vaso sanitário, só um buraco no chão que você tem que jogar água para dar descarga, se estiver disponível. O chuveiro é uma bica gelada”, descreveu.
Acesso de água potável no local é inexistente, diz relatório
No relatório conduzido pela Defensoria Pública de Goiás, consta que o acesso à água potável no local é inexistente, não havendo filtragem. De modo geral, a água destinada à higienização é fornecida por cerca de 20 minutos em horários pré-determinados, no entanto, há dias em que não há a disponibilização.
“Só existem dois horários que a água é ligada. Quando liberam, na parte da manhã, você tem que encher os baldes e vasilhames que estão disponíveis. Essa mesma água é a que você bebe, joga como descarga no buraco ou faz a higienização do corpo e da cela. É tudo no mesmo lugar, lotado. Você come, toma banho, lava a roupa e faz suas necessidades. Se você tiver a necessidade de tomar um remédio, é lá dentro da cela que você vai tomar. Você nunca é levado para a enfermaria. Só sai da cela em caso de morte”, conta T.V.A.
No relatório da DPEGO consta que apenas por meio da visita de familiares e fornecimento da Cobal, entrega particular de alimentos e materiais de higiene para a população carcerária nas unidades prisionais, é que os internos têm acesso à água potável. No documento também há relato de privação de remédios e atendimento médico para os dententos.
No relatório, os internos denunciam que durante o isolamento, há dias em que a água não é disponibilizada, agravando a situação do esgoto “a céu aberto” existente no local. Não há fornecimento de energia elétrica e colchões suficientes. O órgão verificou ainda que nas alas, há inexistência de extintores de incêndio, de hidrantes e mangueiras, equipamentos estes essenciais para o combate a eventual incêndio.
O que diz a DGAP?
Em nota a 1ª Coordenação Regional Prisional da Diretoria-Geral de Administração Penitenciária declara que a instituição recebeu, no dia 14 de março de 2022, o relatório de inspeção referente à visita in loco de representantes da Defensoria Pública, realizada em 4 de fevereiro de 2022, na Casa de Prisão Provisória de Aparecida de Goiânia e alega que está analisando o conteúdo do documento e, caso seja necessário, tomará as medidas pertinentes.
Tortura: Policiais penais usam procedimentos padrões, diz denunciante
De acordo com o relato de T.VA., os policiais penais usam as péssimas condições de saneamento para torturar os presos. “Há três dias antes de eu chegar na cela os presos relataram que um policial penal mandaram todos ficarem pelados na cela e jogaram água de mangueira em todo o recinto para que todos dormissem molhados em meio à contaminação do esgoto do vaso. Não há nenhum tipo de saneamento, a água preta cobre o chão com espuma. Quem faz a limpeza do local são os presos, com o que é disponibilizado”, relata.
Além das condições degradantes das celas, T.V.A. relatou episódios que demonstram que os detentos estão em situação de constante tortura física e psicológica. “Na hora que eu cheguei, já passaram um procedimento chamado ‘dispositivo’ que, independente de qualquer hora, pode acontecer. Se houver o barulho no portão da cela, todos os presos tem que ficar sentados no chão, de costas para a entrada com distância mínima um dos outros, com as mãos para cima e sem camisa”, conta.
T.V.A. afirma que se o barulho do portão acontecer durante a madrugada, os detentos tem que ficar atentos para não pegarem no sono. “Ao menor som vindo da entrada da cela, todo mundo levanta desesperado para fazer a formação, ou apanha muito. Não há um minuto de tranquilidade, a pressão psicológica é constante durante a madrugada porque muitas vezes eles batem no portão só para que a formação aconteça, sem necessidade de entrarem na cela”.
O denunciante sofreu na pele a tortura de um dos mais temidos policiais penais na ala em que ele estava, conhecido como 07. “Teve um dia que eu estava lá e o dispositivo não agradou o 07. Ele queria que os presos estivessem o mais amontoados possível. Então, ele entrou no recinto e falou que andaria em cima da cabeça de todo mundo e que, se ele caísse, iria jogar uma bomba de gás lacrimogênio lá dentro e todo mundo iria apanhar”. Segundo T.V.A., o policial conhecido como 07 caminhou com os coturnos pisando na cabeça de todos os detentos que estavam no recinto e, por sorte, não caiu.