MONUMENTO

Triunfo do racismo, diz historiador sobre Estátua do Bandeirante, em Goiânia

"Bandeiras representam herança de massacres indígenas deixada aos brasileiros", afirma professor

Triunfo do racismo, diz historiador sobre Estátua do Bandeirante, em Goiânia (Jucimar de Sousa/Mais Goiás)

Erguido há quase 80 anos, o monumento do Bandeirante, nas Avenidas Goiás e Anhanguera, no Centro de Goiânia resiste, apesar de ligado a um personagem controverso (Bartolomeu Bueno da Silva), relacionado casos de racismo e massacres indígenas. Para o professor e historiador José Luciano, ela representa “como o modelo racista e excludente de nossa sociedade triunfou”.

Ela, a estátua, contudo, pode estar com os dias contados – e não é pelas discussões que têm crescido nas redes sociais após o incêndio da estátua de Borba Gato, em São Paulo (considerado justiça por alguns e terrorismo por outros).Tramita na Câmara Federal o projeto de lei (PL) 5296/20, dos deputados Talíria Petrone (PSOL-RJ), Áurea Carolina (PSOL-MG) e Orlando Silva (PCdoB-SP).

O texto proíbe no Brasil o uso de monumentos, como estátuas, totens, praças e bustos, para homenagear personagens da história ligados à escravidão de negros e indígenas. “Consideram-se personagens escravocratas da história do Brasil aqueles que foram proprietários de escravos, traficantes de escravos, autores do racismo científico ou pensadores que defenderam e legitimaram a escravidão”, explica trecho da lei.

E completa: “Os monumentos públicos que já prestam homenagem a escravocratas ou a eventos históricos ligados a prática escravagista devem ser retirados de vias públicas, praças e armazenados nos museus federais, estaduais ou municipais, para fins de preservação do patrimônio histórico”.

Enaltecido entre duas das principais avenidas de Goiânia, o bandeirante Bartolomeu Bueno é símbolo racista e de massacre contra indígenas (Foto Jucimar de Souza) (Infográfico: Niame Loiola)
Enaltecido entre duas das principais avenidas de Goiânia, o bandeirante Bartolomeu Bueno é símbolo racista e de massacre contra indígenas (Foto Jucimar de Souza) (Infográfico: Niame Loiola)

Estátua do Bandeirante

A estátua do Bandeirante, explica o historiador José Luciano, é, na verdade, a estátua de Bartolomeu Bueno da Silva. “Ela foi inaugurada em 9 de novembro de 1942 e posteriormente, em 1991, no dia 7 de Junho, foi tombada como patrimônio histórico. Normalmente essas são as poucas informações que a maioria dos goianos tem sobre a estátua, vista de forma corriqueira no cruzamento das avenidas”, inicia.

Segundo ele, pouco se discute sobre o papel que o bandeirantismo teve na colonização do Brasil. Luciano afirma que durante o século XVI foram as bandeiras a principal forma de explorar o interior do território brasileiro. “Foi através das bandeiras que mapas foram feitos, riquezas minerais foram descobertas, e parte do território atual do Brasil foi construído, como hoje o conhecemos, se não por experiência, ao menos em mapas.”

Mas não só isso: “As bandeiras também foram responsáveis por outras heranças deixadas aos brasileiros, a herança de massacres indígenas, vistos como seres humanos de segunda classe – ainda hoje em dia. Contribuíram para o controle de coronéis sobre os escravos fugidos, auxiliavam na destruição de quilombos. Invadiam terras indígenas em busca de ouro e outros minérios, estupravam e matavam, e tudo com o auxílio da coroa portuguesa.”

O historiador aponta, ainda, que eram homens armados que puderam massacrar populações nativas, conseguindo matar milhões, com auxílio da coroa portuguesa. “A visão da superioridade europeia propagada durante séculos auxiliava ideologicamente essa postura de superioridade racial. As teorias racistas, surgidas principalmente no século XIX (Eram anteriores na tradição europeia), fundamentavam a superioridade da cultura branca sobre os demais povos”, explica.

A estátua do Bandeirante, explica o historiador José Luciano, é, na verdade, a estátua de Bartolomeu Bueno da Silva
A estátua do Bandeirante, explica o historiador José Luciano, é, na verdade, a estátua de Bartolomeu Bueno da Silva (Foto: Jucimar de Sousa/Mais Goiás)

Bartolomeu Bueno

Segundo Luciano, nem mesmo a prisão de Bartolomeu Bueno da Silva, por crime de lesa majestade, por não pagar os devidos impostos sobre o ouro para a coroa, sendo retirado seu status de nobre e condenado, arranharam essa imagem – da qual ele fez parte, segundo o historiador. Ainda conforme informado pelo também professor, o Brasil dos anos de 1940, fortemente impulsionado pelo ufanismo, por uma visão nacional desenvolvimentista patrocinada pelo estado, impôs um modelo de desenvolvimento para o capitalismo nacional, se opondo ao modelo de agropecuário das elites da terra. Em Goiás, essas elites descendiam dos antigos nobres da terra.

“Quando Pedro Ludovico Teixeira decide mudar a capital e tomar para si o poder político dessas elites, ele também dependia da criação de novos símbolos para a mudança dos tempos. Um desses símbolos criados em Goiás foi a ideia de vincular nossa história a história dos colonizadores. De uma forma ou de outra, a história de Goiás foi construída com as elites da terra moldando a sociedade à sua aparência, disforme, gananciosa, pretensiosa. Não surpreende que no Centro-Oeste dominado politicamente por essas elites agrárias ainda se apeguem ao clientelismo. Nessas terras áridas, os ventos quentes do desânimo ainda nublam o pensamento da população, sempre desmotivada em relação à política e seus símbolos.”

Para ele, a estátua é isso. “O papel de reflexão da imagem do Anhanguera ainda é bem restrito a círculos acadêmicos e há poucas discussões dentro de sala de aula, muitas vezes tratadas com tédio pelos ouvintes. A imagem do Anhanguera representa como o modelo racista e excludente de nossa sociedade triunfou, como o colonialismo mais que um modelo econômico, deitou bases sociais sobre a cultura e sociedade no Brasil”, lamenta.

E questiona: “Recentemente a estátua de Borba Gato foi posta abaixo, vista como um símbolo racista. Poderíamos dizer que a estátua do bandeirante representa menos? Poderíamos nos esconder dentro do discurso de sua validade histórica e que é necessário uma reflexão para se entender e criticar tal símbolo?

Não agrada

Quem passa pelas ruas próximas à estátua também não gosta do que vê. É o caso de Flávio Serafim, de 23 anos. Ele, que admite ter achado a estátua bonita, quando jovem, diz que é triste ver uma homenagem a um bandeirante. “Ainda ter pessoas achar legal alguém que massacrou indígenas… Não acho justo”, lamenta.

Da mesma forma, Vagner Godin, de 49 anos, dispara: “Não concordo com essa homenagem. A função dele era escravizar e matar índios. Tinha até um apelido, ‘Diabo Velho’.” Para ele, o ideal era arrancar a estátua e colocar outra. “Pode ser a de Pedro Ludovico”, sugere.

Quem passa pelas ruas próximas à estátua também não gosta do que vê
Quem passa pelas ruas próximas à estátua também não gosta do que vê (Foto: Jucimar de Sousa/Mais Goiás)

Defesa

O deputado federal por Goiás Major Vitor Hugo (PSL) propôs o projeto de lei 1.595/19, que protege, dentre outras coisas, o patrimônio público. Em postagem no Twitter de 26 de julho, publicou um vídeo mostrando o incêndio da estátua, além de ataque a outras, com legenda que classifica a ação como “terrorismo”.

“Não podemos mais deixar que atos terroristas sejam praticados em nosso País. A aprovação do PL 1595/19 representa o reforço em nossa estrutura de prevenção e combate ao terrorismo no Brasil”, escreveu na legenda.

Durante a narração, ele afirmou que o projeto não é contraposição política. Apesar disso, ele disse que “a esquerda tem colocado obstáculo”. O texto ainda está em uma comissão especial. “A intenção é aperfeiçoar o nosso sistema de prevenção e combate ao terrorismo.”

https://twitter.com/MajorVitorHugo/status/1419720721392099332

*Com colaboração de Jucimar de Sousa