FINADOS

Turismo em cemitérios: entre memória, arte e história

Por que visitar cemitérios está ganhando popularidade? Os cemitérios tornaram-se espaços que vão além do luto e do descanso eterno, oferecendo uma perspectiva cultural e histórica singular para turistas

O turismo em cemitérios, conhecido como necroturismo, tem crescido ao longo dos anos, atraindo pessoas interessadas em arte, arquitetura, história e cultura. De maneira inusitada, esses locais passaram a integrar o roteiro de viagens de curiosos e estudiosos, que buscam ali não apenas tranquilidade, mas também a oportunidade de compreender mais sobre o passado de personalidades e tradições locais.
Essa modalidade de turismo propõe uma exploração do patrimônio histórico, cultural e artístico preservado nos cemitérios. Mais do que lápides e mausoléus de figuras célebres, muitos desses espaços destacam-se por uma arquitetura imponente e esculturas que capturam o olhar dos visitantes.

Além disso, os “cemitérios-parque”, com grandes áreas verdes, proporcionam um ambiente contemplativo onde a natureza se mistura à arte, oferecendo um espaço de reflexão e conexão com a memória histórica.

Em Goiânia, alguns cemitérios possuem relevância histórica e cultural, guardando figuras importantes e características arquitetônicas singulares. Um dos principais é o Cemitério Nossa Senhora de Santana, fundado em 1940 no bairro Campinas. Nomeado em homenagem à padroeira da antiga cidade de Goiás, o cemitério exibe traços do estilo art déco, típicos das primeiras construções da capital, além de elementos cristãos em sua arquitetura, como esculturas e monumentos religiosos.

Com mais de 50 mil sepultamentos registrados ao longo dos anos, o Cemitério Santana foi tombado como patrimônio histórico em 2000. Entre as personalidades ali sepultadas estão Padre Pelágio, sacerdote alemão muito querido em Goiás, Iris Rezende, ex-prefeito e ex-governador de Goiás, e o fundador da cidade, Pedro Ludovico Teixeira.

Outro cemitério relevante em Goiânia é o Jardim das Palmeiras, fundado em 1971, onde estão enterradas figuras locais importantes como o cantor Leandro, sua mãe Carmen Costa, o jogador de futebol Fernandão e Francisco Camargo, pai dos músicos Zezé di Camargo e Luciano. No Cemitério Parque Memorial, um ponto de homenagem que atrai multidões é o túmulo da cantora Marília Mendonça, falecida em 2021. A artista, uma das responsáveis pela popularização do sertanejo em escala nacional e internacional, ainda é reverenciada por fãs que visitam o local em Goiânia.

Turismo em cemitérios atraem quem busca contemplação e conhecimento

Apesar de não ser um turismo convencional, o necroturismo oferece uma experiência rica e reflexiva, onde arte, história e cultura se misturam de maneira única. O aumento do interesse por esse tipo de visita revela que cemitérios são, mais do que locais de luto, espaços que convidam à contemplação e à preservação da memória cultural de um povo.

Jorge Lima, pesquisador e psicanalista, observa que “a morte é um tema tão antigo quanto a vida” e que diversas áreas do conhecimento a estudam “não apenas como algo biológico, mas, sobretudo, fenomenológico”. Ele explica que, em tempos antigos, existiam as necrópoles — “cidades dos mortos” — onde “as pessoas faziam comércio, casavam e realizavam julgamentos” em meio aos túmulos, refletindo uma proximidade mais natural entre vivos e mortos. Lima argumenta que “essa separação e distanciamento” dos mortos progrediu de tal maneira que, atualmente, é comum que a maioria das pessoas lembre dos cemitérios somente no dia de finados.

Além disso, Lima aponta que os espaços, como o Cemitério Parque e o Cemitério Santana, frequentemente enfrentam abandono e vandalismo, evidenciando a falta de políticas públicas adequadas. Ele enfatiza que os cemitérios são locais de memória, afirmando: “O espaço cemiterial é a memória de um povo; é o retrato de como as pessoas vivas tratam seus mortos, e isso reflete no dia a dia”.

Para ele, a maneira como a sociedade lida com a morte está intrinsecamente ligada à forma como trata a vida: “Pessoas morando nas ruas, outras sendo assassinadas, e ninguém olha, ninguém liga. O modo de olhar a morte reflete diretamente como olhamos a vida.”

Necroturismo no Brasil

Após explorar o panorama em Goiânia, é importante ressaltar que o necroturismo também encontra representantes significativos em outros estados. No Rio de Janeiro, o Cemitério São João Batista, conhecido como o “Cemitério das Estrelas”, atrai turistas que visitam os túmulos de ícones como Oscar Niemeyer, Carmem Miranda e Tom Jobim, tornando-se um ponto de encontro entre história e cultura. Em São Paulo, o Cemitério da Consolação se destaca por suas esculturas e pela importância histórica dos sepultados ali, enquanto em Ouro Preto, o Panteão dos Inconfidentes guarda a memória de figuras importantes da Inconfidência Mineira, refletindo a luta pela independência do Brasil Colônia.

No contexto internacional, cemitérios como o Père Lachaise, em Paris, e o da Recoleta, em Buenos Aires, atraem milhões de visitantes anualmente, revelando aspectos únicos das tradições culturais e da história de cada local sobre a memória coletiva e a herança cultural de um povo.