Outubro Rosa

Uma nova forma de enxergar a vida

Para encerrar o mês dedicado ao combate e à prevenção do câncer de mama, o Mais Goiás preparou uma matéria especial com a lição de vida de três mulheres que lutam contra a doença

Uma nova forma de enxergar a vida

Aprender a conviver com a doença. Esse é o ensinamento que o câncer de mama trouxe à vida de mulheres como Lívia Bontempo, de 34 anos, Lara Nunes, de 28, e Luzia Barbosa, de 57. A doença ofereceu uma nova forma de encarar a vida para as três: Lívia parou de querer o corpo perfeito, percebeu que a “capa humana” deve ser aliada e não motivo de preocupação estética; Lara começou a pensar mais em si mesma e Luzia descobriu que o câncer não a torna diferente de nenhuma outra mulher.

Somente no ano de 2019, 59.700 mulheres brasileiras passaram a conviver com a doença. Dessas, duas mil são goianas, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca). O diagnóstico do câncer não é fácil e para as três mulheres está claro que ninguém, nunca, estará preparado para lidar com ele.  Lívia, Lara e Luzia provam que o câncer não é uma escolha, mas a forma de encará-lo, sim.

Vixe“. Essa foi a primeira palavra dita por Lívia ao receber o exame que apontou o carcinoma mamário infiltrante, tipo não especial, grau dois. A segunda reação da psicóloga, de 34 anos, foi a prontidão para encarar a doença. Já Lara Nunes, professora universitária, que estava em processo de mudança de casa, ficou parada, olhando para as caixas, em choque. Ela conta que nada daquilo fazia mais sentido. Luzia, que é auxiliar de costura, achou que o envelope com o exame era uma sentença de morte.

Todas tiveram apoio da família. Na de Lívia, os homens rasparam a cabeça para ficarem fisicamente semelhantes a ela. Lara teve que se mudar de cidade, saiu do interior do Mato Grosso para fazer o tratamento em Goiânia. Mas, com a mãe ao seu lado, tudo ficou menos penoso. O acesso ao bom tratamento humanizado das equipes médicas fez com elas se sentissem cuidadas e queridas. Desse processo saíram até amizades, o que, segundo elas, deixou a luta mais leve. Foi durante o tratamento que Luzia descobriu o grupo de apoio ‘Amigas dos Peito‘, do Hospital Araújo Jorge, em Goiânia. Nos encontros e conversas, ela conta que quebrou barreiras, se aceitou, aprendeu a conviver com a doença. Foi onde ela soube que não iria morrer.

O câncer de mama como tabu

“O câncer é mais um tabu. As pessoas o veem como um mostro. O sinônimo da palavra câncer é invencibilidade. E não é assim”. Essas palavras são de Lívia. Ela as afirma com propriedade, afinal, é a prova de que é possível vencer a doença. Após passar por quatro meses de quimioterapia e 25 dias de radioterapia ela compartilha, com Luzia, a mesma sensação. As duas ainda precisam de acompanhamento médico pelos próximos dois anos, mas comemoram cada vitória.

A luta de Lara ainda está em andamento. Neste mês de outubro, ela foi diagnosticada com metástase: quando o câncer de espalha para outros órgãos. “Tomara que com essa loucura toda a gente ao menos consiga colocar essa mulherada para colocar as mãos nos peitos, né?”, conscientiza a professora. Por isso, as três ressaltam a importância da Campanha Outubro Rosa: prevenção, autoexame e observação.

No entanto, é importante que as mulheres saibam que o autoexame não substitui a mamografia. De acordo com o Inca, quando diagnosticado precocemente, o câncer de mama pode ter mais de 90% de chances de cura. Além disso, se descoberto no estágio inicial, há maior possibilidade de tratamentos menos agressivos, bem como a preservação da mama.

Apesar da intensificação das campanhas a cada ano, pesquisa da Rede Brasileira de Pesquisa em Mastologia, em parceria com a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), aponta que 2018 foi o pior dos últimos anos: os números de procura por mamografias pelo Sistema Único de Saúde (SUS) foram baixíssimos. Foram apenas 2.648.227 exames realizados.

Entendendo o câncer

O câncer de mama resulta da multiplicação de células anormais da mama, que formam um tumor com potencial de invadir outros órgãos, de acordo com a SBM. Após os 40 anos de idade, a mulher tem mais possibilidade de desenvolver a doença. A partir dos 50, o risco é ainda maior.

Na contramão dos dados citados, Lara e Lívia não estão no grupo de risco por faixa etária. Elas têm 28 e 34 anos, respectivamente. Isso mostra que a mulher, independentemente da idade, deve se tocar e se cuidar. Segundo a SBM há fatores hormonais que também podem ser considerados: a primeira menstruação antes dos 12 anos, primeira gravidez após os 30, não ter amamentado, e parar de menstruar após os 55.

A enfermeira e educadora em Saúde, Maressa Queiroz, explica. “Em relação aos fatores hormonais, se a mulher menstrua antes dos 12 anos e para de menstruar após os 55, significa que ela teve hormônios circulando pelo corpo por mais tempo”. Ainda segundo a Sociedade, estilo de vida, comportamento e histórico familiar também podem levar à doença. São eles: obesidade e sobrepeso após a menopausa, sedentarismo, consumo de bebida alcoólica, além exposição muito frequente ao sol.

Amigas do Peito

Amigas do Peito é o nome do grupo de apoio da Associação de Combate ao Câncer (ACCG) do Hospital Araújo Jorge. As mulheres se encontram na primeira terça-feira de cada mês no ambulatório de Psicologia da unidade. O nome do grupo é, também, a definição do que as pacientes se tornam ao longo dos encontros.

É lá que as mulheres, como Luzia, se sentem livres para falar, chorar, lamentar e também desmistificar a batalha que enfrentam. “Quando entro na sala, me sinto livre pra falar do problema, pra conversar com as pessoas, pra elas me olharem, e ver…que eu tô viva”, relata. “Se você tem uma doença dessas as pessoas acham que você não é nada”.

A psicóloga que coordena as atividades é Amanda Dias de Jesus. Ela explica que o objetivo é levar informação e harmonia para as pacientes. “Em cada encontro tento levar um tema diferente por meio de palestras, dinâmicas e diálogos”. Amanda diz ainda que o grupo existe desde novembro de 2018, e está em fase de crescimento. Atualmente, cerca de sete mulheres frequentam os encontros.

Além de informação, o intuito do Amigas do Peito é mostrar às mulheres que há, sim, beleza onde parece não existir. E mostrar que existe vida em meio ao câncer e depois de enfrentá-lo. “Eu imaginava que o câncer vinha pra matar. A doutora Amanda me ensinou que não é assim, porque a partir do momento q você começa o tratamento certo, o câncer não é tão feio como parece”, relembra Luzia.

Outros olhos para enxergar a vida

O câncer de mama trouxe “olhos de gratidão” para Lívia. Ao enfrentar a doença, ela teve certeza da existência do carinho não só de familiares. E relembra que foi surpreendida pelas “vibrações positivas” de pessoas que nem eram tão próximas. Ela ainda fez amizades com pacientes que enfrentavam a mesma batalha, além de médicos e enfermeiros.

A psicóloga, que é mãe de dois, não deixou de lado a vaidade. Mas explica que parou de buscar o ‘corpo perfeito‘ e correr atrás de um padrão quase inalcançável. A luta contra o câncer mostrou a ela que “o importante é ter saúde”.

Lara passou a se cuidar mais. Ela sempre teve consciência de que precisa de um tempo para si ao invés de se dedicar tanto ao trabalho. “Tem que se alimentar bem, fazer algum exercício. O que todo mundo sempre fala, mas eu nem sempre levei a sério”, afirma a professora. Ser ‘ louca do trabalho‘ sempre foi algo positivo para ela. Mas a doença a fez enxergar essa relação com muito mais flexibilidade e dar mais atenção a pequenos momentos da vida.

O tempo é outro aspecto apontado pela professora. Ela se casou neste mês de outubro, durante a campanha de conscientização contra o câncer de mama.  Nas redes sociais, postou uma foto das mãos dela e do esposo e as alianças nos dedos. Na legenda, Lara descreve a vida como “caixinha de surpresas”, que passa muito rápido. Independente de tudo, é preciso boa dose de amor e cumplicidade para certas decisões. E é isso que ela encontrou na relação com Paulo, que dura sete anos.

“Sentir o tempo escorrendo pelos buracos das mãos é bem difícil. Saber que não temos controle sobre as engrenagens do relógio e que a vida precisa ser vivida na sua mais pura intensidade é andar com um sorvete delicioso derretendo num sol escaldante”, diz.

Conviver com a doença e saber que ela não a torna diferente de qualquer outra mulher é o ensinamento que Luzia carrega dentro de si. Além disso, ela soube que a vida não seria interrompida ali, ao descobrir o câncer. Hoje ela diz que só tem a agradecer. “A sensação que você tem de que conseguiu vencer é muito boa”, relata. Ao longo do processo, ela aprendeu no grupo de apoio e começou a dizer pra si mesma que enfrentar o processo a tornaria uma pessoa melhor. “Não tem doença sem dor, mas a dor te fortalece”, finaliza.