Urbanista critica lei que permite edifícios às margens de rios e lagos em área urbana
Mestre e doutora em Geografia Urbana Maria Ester Souza explica que essa nova lei oferece riscos tanto à população, como ao meio ambiente
Os municípios são agora os responsáveis por regulamentar as faixas de restrição à beira de rios, córregos, lagos e lagoas nos seus limites urbanos. A mudança aconteceu com a aprovação da lei 14.285, de 2021, na última quinta-feira (30/12). Com isso, a nova determinação modificou o que estava previsto no Código Florestal (lei 12.651, de 2012) e rejeitou a emenda que assegurava a largura mínima de 15 metros desocupados para as faixas marginais de cursos d’água em “áreas urbanas consolidadas”. Ao Mais Goiás, especialistas explicaram quais as consequências dessa nova lei.
Como funcionava antes da nova lei?
Antes desta mudança, haviam duas leis que garantiam a proteção do meio ambiente, bem como a segurança das populações urbanas. Eram elas: o Código Florestal e a lei 6.766/79.
O Código Florestal tinha como uma das responsabilidades regulamentar as áreas que ficam às margens dos rios e lagos tanto na zona rural, como na urbana. Vale ressaltar que essas àreas são chamadas de ciliares ou ripárias e são consideradas regiões de preservação permanente.
Já a lei 6.766/79. era a responsável por restringir construções consideradas impróprias no entorno dessas áreas ciliares. A determinação exigia que edifícios devessem manter uma distância de pelo menos 15 metros longe dessas margens dos rios e lagos. Essa distância, inclusive, já era menor do que a originalmente estipulada pelo Código Florestal.
Ambas leis levam em consideração que construir edificações às margens dos rios e lagos podem oferecer riscos à população urbana. Isso porque, em casos em que há muita chuva e o transbordamento dos rios e lagos, a água inundiaria os edifícios. Com isso, poderiam haver desmoronamentos que colocariam a vida de muitas pessoas em risco, fora o prejuízo ambiental.
O que a nova lei diz?
Pela nova norma, cabe agora aos municípios decidir como proteger as áreas que preservação que ficam às margens dos rios e lagos. São eles que também irão decidir qual o tamanho da faixa que delimita onde os edifícios devem ou não ser construídos. Para isso, devem incluir os perímetros citados em um plano diretor ou em uma lei municipal específica.
Além disso, o município deve dispor de, no mínimo, dois equipamentos de infraestrutura urbana implantados, entre eles drenagem de águas pluviais, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, distribuição de energia elétrica e iluminação pública e limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos.
Riscos
A mestre e doutora em Geografia Urbana, Maria Ester Souza, explica que essa nova lei oferece riscos tanto à população, como ao meio ambiente. Um dos motivos disso, para ela, é que grande parte dos municípios brasileiros não possuem a infraestrutura para redesenhar um plano diretor ou desenvolver novas leis específicas e mais severas quanto aos danos ambientais causados pelas construções. Até porque, de modo geral, os municípios com população menor à 50 mil habitantes apenas seguem as determinções estaduais e federais.
“Imagine que temos um país com mais de 5 mil municípios, onde mais 70% não possui um planejamento urbanístico, um código ambiental, plano diretor, por causa do tamanho que têm. Essa nova lei não leva em consideração essa falta de estrutura, que os municípios não vão desenvolver um plano tão rígido e seguro. Estão deixando os municípios decidirem, sem que eles tenham competência para isso. É a mesma coisa que deixar uma criança decidir o que quer fazer, ela não tem condições de fazer escolhas prudentes”, analisa a doutora.
Um outro ponto analisado pela especialista é a descrença dos governantes no que a ciência e o conhecimento técnico já comprovaram. “Eles querem comparar com outros países, que têm construções tão proximas das águas, como na Europa, nos Estados Unidos, mas sem levar em consideração o nosso tipo de solo. Aqui nós não conseguimos fazer isso sem que haja um risco enorme de enchente, inundação, desmoronamentos. Deixar que uma pessoa ocupe um local às margens de rios, é o mesmo que dizer ‘olha, corra o risco, a responsabilidade é sua'”, afirma.