COLUNA DO DOMINGOS KETELBEY

Marketing, narrativas e crise de confiança: o tabuleiro político de Gusttavo Lima

Uma coisa é certa: ao colocar seu nome no bastidor político, Gusttavo Lima levou para a política uma espécie de sofrência eleitoral

Gusttavo Lima, na Grécia, em show que comemorou seus 35 anos, em 2024 (Foto: Divulgação)

A possibilidade de Gusttavo Lima se candidatar à presidência da República causa tanto estranhamento quanto fascínio. Com um repertório de sofrência e sucesso financeiro construído em cima da imagem do “cara simples que venceu na vida”, o cantor entra no imaginário político como um outsider que agrada tanto os fãs de boteco quanto os defensores da família. A questão que surge é: isso é sério ou só mais uma jogada de xadrez no tabuleiro da política?

A narrativa de “perseguido pelo sistema” cai como uma luva. Após denúncias envolvendo contratos milionários com prefeituras e sua controversa associação com casas de apostas, Gusttavo Lima emerge como um potencial símbolo de luta contra o “establishment”. Um homem que paga o preço de ser bem-sucedido e falar a língua do povo, de acordo com muitos de seus admiradores. Esse discurso encontra eco num eleitorado cansado de escândalos de corrupção e promessas não cumpridas, que já não confia em políticos: nem à direita nem à esquerda.

Mas seria essa entrada no debate público uma candidatura real ou um balão de ensaio para fortalecer aliados políticos? O governador Ronaldo Caiado, amigo próximo do cantor, talvez não veja essa movimentação com maus olhos. Uma figura como Gusttavo pode ser útil: atrai holofotes, aquece discussões e, quem sabe, pavimenta o caminho para Caiado em 2026, enquanto cria narrativas para manter o sertanejo na órbita do poder.

O que chama a atenção é o contexto. Gusttavo Lima encarna o perfil do trabalhador que subiu na vida, um enredo que, para muitos, supera diplomas ou experiência. Mas a espetacularização de sua possível candidatura também é um reflexo da crise de confiança nos políticos tradicionais.

Em um cenário de rejeição aos “velhos nomes”, não é difícil imaginar eleitores dispostos a apostar em alguém que pareça mais próximo, mais humano – mesmo que isso seja construído com doses de marketing. Por ora, é uma peça no jogo. Resta saber se ele transformará a especulação em projeto concreto ou apenas ampliará sua já consolidada presença no imaginário popular e, agora, no debate político.