A animação e o mundo
Alê Abreu, Priscilla Kellen e Luiz Bolognesi conversaram sobre os desenhos animados nos dias de hoje
Em 2014, no FICA, a produtora e animadora Priscilla Kellen, esposa de Alê Abreu, veio à Goiás estrear a mais nova animação do marido: O Menino e o Mundo. Dois anos depois, o filme acumula dezenas de prêmios e indicações, incluindo a indicação ao Oscar de Melhor Animação 2016, batendo de frente com estúdios gigantescos, como a Pixar.
Este ano, o festival exibe O Menino e o Mundo e Garoto Cósmico e recebe os dois ao lado de Luiz Bolognesi para discutir animação e meio ambiente. Luiz também chamou a atenção, especialmente na internet, como longa Uma História de Amor e Fúria, que tem sido bastante exibido em escolas pelo país e que aos poucos vai virando um sucesso cult.
Os três percebem um ‘bum’ da animação brasileira e acreditam que isso levou a uma profissionalização dos animadores e dos cineastas: “De uma maneira geral a animação vem crescendo no Brasil e no mundo. A animação independente possui um mercado na Europa que não existia há dois anos atrás. A pergunta que os jornalistas mais fazem pra gente é o que aconteceu com a animação brasileira, esse boom, e na verdade é que a gente vem de uma construção histórica de muitos colegas que vem lutando para este acontecimento da animação brasileira, estamos colhendo frutos de muito trabalho”, disse Alê.
Luiz destaca que os brasileiros em sua maiores escolheram o caminho autoral e que isto deu frutos apesar dos riscos: “O mais interessante da animação brasileira é que escolheu o caminho autoral que é bem diferente do que muitos países fizeram que escolheram um caminho comercial que são filmes que são cópias da Pixar. Já o Brasil teve essa chance de ir trabalhar para filmes internacionais e grandes estúdios e muitos escolheram seguir fazendo filmes brasileiros com cara brasileira falando o que a gente quer com as nossas escolhas com menos potência econômica e que acabou tendo uma reviravolta, trazendo um retorno muito grande. Ser cinema autoral não é o cinema do ego, é a liberdade de fazer o que eles querem. Isso não acontece nos grandes estúdios que são guiados pelo lucro, pelo que o público quer ver. Escolhemos um caminho que parecia ser de perdedores e não foi isso o que aconteceu. O filme do Alê foi vendido em 80 países e entrou pra competir no Oscar, um filme de US$ 600 mil contra um da Pixar de US$ 150 milhões. É um momento muito frutífero pra gente e é importante que um festival como esse abra um território de exibição e de discussão sobre a animação”.
Priscilla ressalta que o FICA é um festival que aceita filmes em todos os formatos enquantro outros ainda infantilizam as animações: “acho que dentro do FICA uma coisa muito interessante e que não está presente em muitos festivais é a presença de filmes em diferentes formatos. Tem documentários, comédias, ficção e animação. Infelizmente ainda sinto que no Brasil ainda se tem a percepção de que animação é coisa de criança. Outros festivais possuem uma resistência ainda e festivais como o FICA estão ajudando a mudar estas políticas dos editais”.
Alê trabalha atualmente no seu próximo filme: Os Viajantes do Bosque Encantado, orçado em US$ 7 milhões, e falou sobre ele: “é bastante mais ousado do que os outros anteriores e que envolve muito mais técnicas de animação e a ideia é que ele não seja feito apenas aqui. Já temos um parceiro em Luxemburgo, outro produtor dinamarquês interessado e um francês, até ano que vem já devemos fechar estas co-produções. Este orçamento para o Brasil é alto, mas para o mercado internacional é de baixo orçamento”.
Luiz comentou sobre a mudança no mercado dos animadores que são absorvidos nacionalmente e que acabam “exportados” ao serem contratados por grandes estúdios estrangeiros: “hoje os profissionais de animação estão todos contratados. Os brasileiros estão produzindo muito para as séries de televisão e exportando. Muita gente qualificada está sendo chamada para trabalhar no Canadá e na França. Não dá pra fazer animação nos valores que fazíamos cinco anos atrás, nossos profissionais melhoraram muito, precisamos formar mais gente, tudo isso é muito bom”.
“A gente cansou de perder profissionais em O Menino e o Mundo. Quando o cara chegava naquele ponto que ele tava ótimo, ele chegava e falava, então, vou pro Peixonauta. O que encarece muito animação é o tempo de produção, pelo menos é um dos fatores, eu trabalhei três anos e meio e estamos prevendo 33 meses só de produção para os Viajantes do Bosque Encantado“, completou Alê. Priscilla completa: “na experiência que a gente teve com O Menino e o Mundo você começa com uma equipe e até ela se acostumar com aquela linguagem, estamos falando de filmes que não possuem a mesma cara, igual o Pixar, a gente sempre tenta reinventar”.
Alê deu mais detalhes sobre a sinopse do próximo projeto: “O filme é sobre duas crianças bicho, um menino lobo e um menino urso que são agentes secretos dos seus reinos que é o reino do sol e da lua e que são inimigos mortais, que se odeiam. Eles estão perdidos dentro de um bosque, um lugar perigosíssimo, cercados por gigantes à espreita prontos pra invadir aquele lugar, situações perigosas e eles precisam sobreviver ao mesmo tempo em que condizem suas missões. Eles se odeiam, mas são obrigados a trabalhar juntos para resolver o enigma e eles acabam virando amigos. É uma história sobre amizade. De povos completamente diferentes descobrirem um ponto igual naquele momento especial da infância”.
O realizador comentou sobre uma das grandes mudanças em relação a O Menino e o Mundo: muitos diálogos. “Foi uma mudança muito interessante pra mim porque até agora meu trabalho foi muito visual. Para escrever diálogos a minha escrita não flui da mesma forma. Eu sinto muita dificuldade em escrever, mas estou achando muito legal. Naturalmente foi surgindo muito diálogo em cima desses personagens e da relação entre os dois e estou muito feliz com o roteiro”.
Sobre pirataria, tanto Luiz quanto Alê e Priscilla comentaram que seus filmes circulam muito, especialmente em barracas de camelô. Luiz até ressaltou que seu filme não repercutiu tanto no lançamento, mas que acabou alcançando seu público pela internet: “Quando o filme lançou fiquei decepcionado com o público porque por ser animação os cinemas acharam que era filme infantil e não tinha nenhuma sessão à noite, no máximo à tarde. Mas ele acabou encontrando o adolescente pela pirataria, especialmente pela internet. Muitas sessões em escolas e debates. O filme está rodando tardiamente no circuito que a gente queria mesmo longe do nosso alcance e sem gerar dinheiro pra gente, como artista eu fico muito feliz por isso”.
Alê continua: “O que me incomoda é a qualidade porque aí não é tão legal. O Menino e o Mundo é um filme muito claro aí o branco estoura. Quando vai ter uma projeção que não é muito boa, eu começo a suar, ai, eu fico muito nervoso, e já não ia nas sessões… Mas é o mais vendido no camelô, eu fui na barraquinha e o cara disse que o diretor tinha ido lá ontem… fiquei me perguntando quem será”.
Ele revelou que O Menino e o Mundo vai virar série de TV na França: “o produtor de As Bicicletas de Belleville me procurou depois da exibição por lá e essa série já tá quase pronta”. Além dos projetos cinematográficos, Priscilla agora se prepara para lançar Vivi Vira-Vento, uma série de desenho animado para a televisão: “a Vivi Vira-Vento é uma série bem mais autoral, muito diferente na forma e tá sendo um grande desafio porque na TV você vai brigar por audiência e ela traz várias questões sobre poesia. É uma menina que viaja pelo mundo através das colagens que ela faz no seu diário e a cada episódio ela entra no diário e vai para um lugar diferente do mundo. É minha primeira experiência de direção, está sendo bem puxado, é muito corrido, muitas horas de trabalho por dia. Estamos bem no momento certo com essa profissionalização dos animadores no Brasil para fazer essa ideia dar certo agora. A primeira temporada terá 26 episódios de 11 minutos, vai passar na Discovery Kids e na TV Cultura”.
Finalizando, Alê contou sobre as propostas de trabalhar em grandes estúdios: “Eu tive alguns contatos especialmente ali durante o Oscar com convites, mas não pra trabalhar, falam passa lá pra visitar. O John Lassater me pediu um cartão, peguei um guardanapo, fiz o menino e dei meu email. Ele pegou um guardanapo, fez o Buzz Lightyear e me passou. Foram guardanapos de visita. Teve um outro estúdio de Londres que está formando um grande núcleo por lá pra produzir filmes comerciais no caminho da Pixar e da DreamWorks, mas não me vejo nessa posição se não tiver como eu exercitar o meu trabalho. Acho que o mais interessante são estas possibilidades de co-produções e parceiros internacionais que podem ser pra vida. Mesmo na Europa, as co-produções são responsáveis pelas animações independentes”.