Cultura

Artistas locais repercutem novo projeto de lei de Marco Feliciano

O deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP) voltou a ser assunto nas redes sociais por causa…

O deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP) voltou a ser assunto nas redes sociais por causa do seu novo projeto de lei, a PL 8615/2017. O texto fala sobre classificação indicativa para apresentações ao vivo e sobre proibir a “profanação de símbolos sagrados”.

Até aí tudo bem, mas o que deixou muita gente com a pulga atrás da orelha é que o texto do projeto de lei (que pode ser lido aqui) é bastante vago. O que estaria classificado como profanar um item sagrado? E isso vale para todas as religiões? Ou ele está falando só de símbolos e objetos cristãos?

Outra dúvida é que o Brasil já possui lei contra a intolerância religiosa e regulamentação de classificação indicativa para todos os produtos de entretenimento, incluindo filmes, jogos, apresentações teatrais e shows. Se estas leis já existem, o que a nova PL muda exatamente ou agrega? A esta altura, o texto não dá respostas claras.

A proposta repercutiu nas redes sociais pois, por ser vaga, poderia levar inclusive à proibição de shows internacionais no Brasil. Artistas como Madonna, Lady Gaga, Iron Maiden, Ghost e tantos outros com canções que de alguma forma falam ou questionam a religião poderiam ser barrados.

Porém, no próprio texto, o deputado declara que seu objetivo não é a censura, e sim oferecer um maior controle e clareza aos pais sobre o conteúdo de entretenimento a que seus filhos podem ser expostos. Naturalmente, esta pulga atrás da orelha está causando coceira também entre os artistas locais que, de modo geral, esperam um texto mais claro e que se posicionam veementemente contra qualquer tipo de censura.

“É como chover no molhado”, disse o ator e mestre em Performances Culturais, Rodrigo Peixoto. Ele ressalta que já existem leis postas e que um dos papéis fundamentais da arte é ser livre para fazer críticas: “A arte estremece o chão da moralidade, dos princípios torturantes e impostos, sendo assim, há tempos, ela foi declarada como inimiga dessa classe de pessoas. Por que isso? Porque é mais fácil tratar dos alienados com pão e água do que vê-los contestando supremacias. O pensamento é forte e mortal, por isso deve ser aprisionado”.

Peixoto chama o projeto de “ditatorial” e o vê como uma forma de impor barreiras à criação artística. Para ele, a classe artística precisa se unir, pesquisar, produzir e questionar: “para ser capaz de agir por esse pensamento, em um contexto social que vem sendo amordaçado, a arte deve e precisa ser realizada com muita pesquisa e dedicação para se fortalecer diante das imposições. Artista que não se mune do estudo não merece ser chamado de artista”.

Luiz Eduardo Carneiro (Reprodução/Facebook)

“A arte deve ser livre, sempre”, disse o ator e professor de teatro Luiz Eduardo Carneiro. Em suas palavras, a PL lhe parece “preocupante” e que pode assinalar retrocesso no campo artístico. Ele destaca que questionar e incomodar os poderes postos é um papel importante da arte e não apenas diversão ou beleza: “Na sua essência, a arte não é simplesmente puro entretenimento ou é somente usada para a decoração de um ambiente. Ela tem a finalidade de provocar, trazer reflexões, mudar pensamentos, estimular uma saída da zona de conforto. Incomoda, mas é essencial para o desenvolvimento do pensamento humano”.

Carneiro concorda sobre a classificação etária, mas se sente preocupado com o quão o texto é vago sobre o que seria profanação e sobre proibição. Ele teme que, do jeito que está, a lei possa dar vazão para um retorno da censura: “O que é preocupante na proposta deste novo PL, caso seja aprovado, é que pode significar um passo para o perigoso retorno da censura, que compromete as produções artísticas e culturais”.

Tão vago, que ele até questiona se a lei valeria para outras religiões: “Mas o que dizer dos atos de quebrar imagens de santos e destruir templos de religiões afro descendentes? O fato é que existe muita hipocrisia, quando se demoniza a arte e as diversidades, em favor da ‘moral e dos bons costumes'”, finaliza.

Fábio Marques (Foto: Gui Carvalho/Facebook)

Naturalmente, a PL também preocupa os músicos, especialmente as bandas de rock, que tradicionalmente sempre foram mais questionadoras. “Pra alguém que quer transparecer tanto uma visão plural que não apoia a censura ele fala muito em controle”, disse Fábio Marques, da banda Atomic Winter. Como Luiz, ele concorda sobre, quem sabe, uma melhor classificação indicativa: “A parte em que fala sobre a classificação indicativa vai bem, desde que a decisão caiba aos pais, a classificação indicativa pode sim ajudar na escolha”.

Como os demais entrevistados, a zona cinzenta ao redor do que seria profanação é que lhe preocupa: como vai ser definida a linha entre o que é crítica e o que é ofensa? “Onde estão definidos os símbolos sagrados? Onde está definido o conceito de profanação? Isso não é a censura que linhas atrás era repudiada? Se o pastor está cumprindo seu papel de cristão não estaria ele se referindo exclusivamente a seus símbolos em detrimento de tantos outros?”, questiona.

“Ser artista no Brasil nunca foi uma tarefa fácil, porém a dificuldade vem crescendo a cada dia”, disse Filipe Aguirre, da banda Mellow Buzzards. Ele acredita, assim como Luiz, que o perigo maior é levar à censura: “O projeto de lei do Feliciano segue uma linha de pensamento conservador que vem dando as caras no país nesses últimos tempos, tudo que vem acontecendo ultimamente em relação a arte cheira a censura”.

Filipe Aguirre (Reprodução/Instagram)

Para ele, é fundamental que a classe artística proteste e que faça valer a liberdade de expressão dos artistas: “É preciso bater de frente e lutar contra essa imposição religiosa e conservadora em um país que supostamente é laico”.

A PL agora está na Coordenação de Comissões e Permanentes ainda sem previsão de quando será encaminhada para a Câmara de Deputados para ser votada. Ainda é um longo caminho que irá polarizar muitos debates entre arte e censura.