Crítica

Até o Último Homem: escalando o melodrama

Após dez anos de hiato, algumas prisões por embriaguez e uma quantidade razoável de antissemitismo,…

Após dez anos de hiato, algumas prisões por embriaguez e uma quantidade razoável de antissemitismo, o ator e diretor Mel Gibson está de volta à carga com o drama de guerra Até o Último Homem, estrelado por Andrew Garfield.

O enredo acompanha a história real de Desmond Doss, soldado adventista do sétimo dia que se recusou a sequer tocar em uma arma durante a Segunda Guerra Mundial. O filme narra essa história dramática da vida de Doss, acusado de ser covarde, até o jovem fiel se arriscar sozinho na terra de ninguém de Hacksaw Ridge para salvar soldados americanos feridos. Doss acabou salvando 75 homens e ganhando a Medalha de Honra do Congresso.

É uma história bastante interessante e um filme que consegue ser muito divertido, mas que é comprometido até certo ponto pelo estilo melodramático e exagerado de dirigir de Mel Gibson. A produção possui um roteiro medíocre, previsível e ponto a ponto: este é o mocinho; mocinho comete um erro que justifica sua repulsa à violência; mocinho conhece mocinha; mocinho vai pra guerra. Parece uma receita de bolo.

Isso não é ajudado, especialmente, pela trilha sonora portentosa, tempestuosa e épica do filme. Ela entra com tudo nos momentos mais mundanos e beira o ridículo nos momentos mais dramáticos. É uma intensidade injustificada e que mais serve para quebrar o clima e a imersão em um filme dramático de guerra.

Porém, é claro, Até o Último Homem também é cheio de acertos, afinal, não cravou seis indicações ao Oscar à toa. Em primeiro lugar, na direção: embora o filme tenha o estilo hiperbólico e melodramático de Gibson, é claramente o filme mais “leve” do diretor, com um tom muito mais sóbrio em relação à Coração Valente ou A Paixão de Cristo.

Gibson também mostra maestria, novamente, ao dirigir cenas de ação. Todos os takes da batalha de Hacksaw são incríveis, muito bem filmados e cheios de tomadas marcantes. Não posso entrar em detalhes para não estragar algumas surpresas, mas são alguns dos melhores combates filmados recentemente no cinema, cenas que remetem à O Resgate do Soldado Ryan.

Outro grande acerto é no elenco. Embora Andrew Garfield esteja muito bem no papel de Doss, o elenco de apoio rouba muito mais a cena. Vince Vaughn brilha novamente em um papel que fica entre o dramático e o cômico do sargento Howell. Mel Gibson também resgatou a carreira de Sam Worthington, há anos sumido das telas, no papel do sério capitão Glover.

Pra variar, o melhor ator do filme todo é Hugo Weaving, veterano de V de Vingança e Matrix, que dá uma vida dolorosa e sentida à Thomas Doss, pai de Desmond, alcóolatra assombrado pelas memórias da Primeira Guerra Mundial. Thomas é um dos melhores personagens do filme e a interpretação de Weaving escapa do melodrama de Gibson, ajudando a dar sentido às motivações e ideais de seu filho Desmond.

Agora, como produção indicada ao Oscar de Melhor Filme, Até o Último Homem definitivamente deixa a desejar: é um bom filme, com premissa interessante, cenas de ação incríveis e ótimo elenco, mas cuja abordagem exagerada e melodramática quase o transforma em um filme Sessão da Tarde.