Foram horas de ansiedade, que o Brasil inteiro seguiu eletrizado. Mas a novela, se novela fosse, não teve desfecho feliz. Logo depois do almoço, na quinta, 15, o ator Domingos Montagner mergulhou nas águas do Rio São Francisco, com sua colega de elenco, Camila Pitanga. Haviam terminado de gravar uma cena de Velho Chico, o lugar era a paradisíaca Canindé, na fronteira de Sergipe. Nadaram até um rochedo, a cerca de 300 metros da margem. Camila chegou ofegante. Percebeu que o rio estava puxando. Conseguiu subir, não logrou segurar o amigo. Domingos submergiu duas vezes nas águas do rio.
Imediatamente, Camila deu o alarme e o motorista que acompanhava os dois correu em busca de socorro. Em depoimento à polícia, Camila disse mais tarde que percebeu o cansaço de Montagner. Deflagrada a busca, barcos ocuparam o rio – num deles estava o também ator Marcelo Serrado. Helicópteros foram agregados. A população acolheu, todo mundo ansioso, querendo ajudar. As horas foram se passando e a esperança, dissipando-se. Finalmente, às 18h50, veio o anúncio oficial. Domingos Montagner, o Santo de Velho Chico, morrera afogado. O corpo foi localizado a 18 metros de profundidade, preso às pedras e próximo à Usina Hidrelétrica de Xingó, na região de Canindé do São Francisco. E vieram depoimentos emocionados como o da diretora Denise Saraceni. Ela contou como Montagner ia fazer uma novela com ela, mas um dia chegou em seu escritório, na Globo, e lhe disse que tinha de fazer Velho Chico, a novela de Luiz Fernando Carvalho, com texto de Benedito Ruy Barbosa.
Denise, com sua sensibilidade artística, disse apenas: “Ele não sabia, mas tinha um encontro marcado”.
Há cerca de um mês, Montagner encontrou-se com o repórter em São Paulo para falar do filme Um Namorado para Minha Mulher, de Júlia Rezende, em que atuou com Ingrid Guimarães e Caco Ciocler. Pouco antes, o ator, preso nas gravações de Velho Chico, faltara a outra pré-estreia em São Paulo, a do drama Vidas Partidas, de Marcos Schechtman, em que faz um marido violento. Dessa vez, conversou longamente com o repórter. Estava feliz com a repercussão do trabalho em Velho Chico. Definiu-se como um homem doméstico. “Esse trabalho de ator tem muita tensão, muita adrenalina. Gosto de relaxar em casa.” Falar de casa era falar da família – casado com Luciana Lima (desde 2001), pai de três garotos, Leon, Dante e Antônio, todos menores. “Então eles precisam de você”, disse o repórter. “Eu é que preciso deles!”, riu gostosamente, o então feliz papai.
Domingos Montagner nasceu em São Paulo, em 26 de fevereiro de 1962. Tinha 54 anos. Iniciou-se num curso de interpretação de Myriam Muniz. Foi artista de teatro e circo. Em 1997, fundou o Grupo La Minima com Fernando Sampaio e ganhou o Prêmio Shell de melhor ator. Em 2003, realizando um sonho, fundou o Circo Zanni, do qual foi diretor artístico. Na TV, teve o que se pode definir como carreira meteórica. Fez o Cabo Moacyr de Força Tarefa, há apenas oito anos, e na sequência emendou Divã, Cordel Encantado, O Brado Retumbante, Salve Jorge, Joia Rara, Romance Policial (como Espinosa) e Velho Chico. No cinema, desde Paredes Nuas, de 2009, as participações foram aumentando – Tarja Branca, Gonzaga – De Pai pra Filho, De Onde Eu Te Vejo, Um Namorado para Minha Mulher, Vidas Partidas, o inédito O Rei das Manhãs.
No teatro, destacou-se em Feia – Uma Comédia Circense, Reprise, A Noite dos Palhaços Mudos e Mistero Buffo, com a qual excursionava pelo País nos intervalos das gravações de Velho Chico. Mistero Buffo baseia-se na comédia de Dario Fo, dramaturgo premiado com o Nobel. Montagner e Fernando Sampaio revezavam-se nos 20 personagens das quatro histórias adaptadas da Bíblia, e que satirizam a fé como espetáculo. Na ficção da novela, o personagem Santo desaparecia no rio e sumia da trama por muitos capítulos. “O Benedito (Ruy Barbosa) é bom nesse tipo de coisa. O desaparecimento de Santo está desencadeando revelações que vão fazer avançar e solucionar a tramas. E eu estou voltando”, ele disse com aquele seu sorriso franco, viril. O texto do jornal “O Estado de S. Paulo” não era só sobre o filme (Um Namorado), mas também sobre o retorno de Santo à novela.
Montagner pretendia tirar 15 dias de férias, após o término da novela. Estava cheio de planos. Ia gravar nova série até o fim do ano. Contou que tinha um sonho. “Gostaria de fazer um vilão. Ou então comédia. Já fiz comédia no cinema e no teatro, mas nunca na TV. Como ator, há sempre uma tendência a fazer com que a gente repita o mesmo papel. Se deu certo… Mas eu gosto de mudar de registro. Acho que é importante para testar os limites da gente. Ajuda a evoluir na carreira.” O sonho ficará no imaginário do público. Como seria o vilão de Montagner, a sua comédia na TV? Grande, como tudo o que ele fazia, com seu amor pela arte (e a vida).
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.