Crítica

Black Mirror: as raízes do terror ficaram pra trás

A quarta temporada de Black Mirror, segunda desde que o programa foi adquirido pela Netflix, continua…

A quarta temporada de Black Mirror, segunda desde que o programa foi adquirido pela Netflix, continua a se afastar das suas origens sombrias e britânicas. Com seis novos episódios, o roteirista Charlie Booker entrega histórias menos aterrorizantes que as das duas primeiras temporadas.

De qualquer forma, é provável que os seis novos episódios vão dividir os fãs ao mesmo tempo em que, ao meu ver, todos sejam muito bons por seus próprios méritos, ao contrário da terceira temporada que parecia nitidamente dividida entre bons episódios e episódios ruins. Será que a série consegue manter este equilíbrio?

O bom

De cara esta é uma excelente temporada de Black Mirror. O principal motivo para isto é que todos os seis episódios são bons. Não apenas em qualidade geral, mas bem atuados, bem escritos, bem dirigidos e muitas vezes ainda trazem uma bela cenografia e uma edição interessante de brinde.

A temporada também teve algo pouco presente nas demais: uma certa continuidade em estilo e temática. Ao invés de terror puro e da sempre constante sensação de perturbação que eram marcas registradas da série, a nova temporada traz uma pegada mais reflexiva e especulativa.

Com exceção do quinto episódio, Metalhead, que é abertamente distópico, os demais brincam com cenários de “e se”. O tema central em todos os episódios é, de uma forma ou de outra, controle e vigilância: em USS Callister, um déspota misógino tem controle absoluto de vidas conscientes, embora artificiais; em Arcanjo, uma mãe superprotetora não sabe seus limites; em Crocodilo, a memória é uma arma; em Metalhead, a vigilância traz consigo a morte indiferente; em Hang the DJ, o amor é uma fórmula controlada; em Black Museum controle é tortura.

É muito interessante ver este super-tema se expandir e se ramificar em cada um dos episódios que são radicalmente diferentes entre si. Outra linha temática nos seis episódios é que toda a temporada possui protagonistas femininas. Foi uma decisão consciente de Booker e que foi uma escolha interessante e importante para a antologia.

Hang the DJ tenta bater San Junipero. E falha (Divulgação)

Particularmente, meus favoritos são USS Callister, Hang the DJBlack Museum. Todos os três me parecem clássicos instantâneos. Jesse Plemons está absolutamente incrível como o sádico misógino Robert Daly e sua interpretação de capitão Kirk é impecável: é simplesmente idêntico à atuação de William Shatner nas temporadas originais de Jornada nas Estrelas. Cristin Milioti também está excelente como a protagonista Cole, facilmente a mais durona da temporada.

Já Hang the DJ é o “episódio bonitinho” desta temporada e que claramente queria superar ou senão se igualar ao favorito dos fãs: San Junipero. Infelizmente, o episódio não consegue chegar a tanto, nem de longe, mas ainda assim é um bom episódio, envolvente e tem, fácil fácil, um dos melhores finais da série.

Por fim, Black Museum é o mais próximo de um lore episode que Black Mirror já teve até hoje. Recheado de referências a episódios passados e com histórias dentro da história, o season finale é uma maravilha, especialmente graças à atuação de Douglas Hodge como Rolo, roubando completamente a cena.

O ruim

Como disse anteriormente, eu particularmente gostei de todos os episódios, mas é necessário dizer que a série passou por uma mudança completa de tom e estilo que pode afastar muitos fãs antigos.

Black Mirror oficialmente não é mais uma série de terror. Se San Junipero era uma fuga da regra na temporada passada, o episódio Crocodilo, o mais violento e abertamente de suspense desta, é a nova exceção.

Black Museum é o excelente finale desta temporada (Divulgação)

Passados são os dias de zoofilia e vale-tudo de pedófilos nesta série. O resultado é que embora os episódios continuem interessantes, eles parecem ter perdido os dentes: nenhum dos capítulos desta temporada consegue ser tão perturbador quanto Queda-Livre ou Manda quem pode, os mais sinistros da temporada anterior.

Mais ainda: é possível argumentar que todos os episódios desta temporada possuem final feliz. Vilões são punidos, protagonistas são recompensados ou vivem felizes para sempre, rompendo com a regra da série de que finais felizes não existem, sendo, até agora, San Junipero a exceção.

O veredito

A quarta temporada de Black Mirror continua excelente e vale a pena ser conferida. Seus episódios trazem questionamentos interessantes, desta vez todos protagonizados por mulheres e com um super-tema de vigilância e controle.

Porém, a série deixou suas raízes de terror para trás, com episódios mais reflexivos e até mesmo com finais abertamente felizes, completamente o oposto da regra das temporadas passadas.

Sendo assim, os novos caminhos da série podem alienar fãs antigos ao mesmo tempo em que se torna mais acessível para quem nunca viu o seriado. Caberá a você julgar se a série está melhor ou pior.