SÉRIE

Caso João de Deus é tema da nova série documental do Globoplay

Desde a década de 1970, Abadiânia, cidade de cerca de 19 mil habitantes do interior…

Desde a década de 1970, Abadiânia, cidade de cerca de 19 mil habitantes do interior de Goiás, era famosa pela Casa de Dom Inácio de Loyola, centro de atendimento do médium João Teixeira de Faria. Conhecido como João de Deus, ele chegava a receber dez mil pessoas por mês para supostas curas espirituais. Isso até dezembro de 2018.

Após o “Conversa com Bial” exibido naquele mês e uma série de reportagens do jornal O GLOBO, a pequena cidade e seu habitante mais ilustre passaram a ser lembrados por um dos maiores escândalos sexuais do Brasil. O programa apresentou denúncias de abusos praticados por mais de 40 anos por João de Deus e uma entrevista com a coreógrafa holandesa Zahira Lienike Mous, única vítima que aceitou mostrar o rosto na época.

A revelação desencadeou uma avalanche de denúncias, que culminaram na prisão do médium e em sua condenação a mais de 60 anos por crimes sexuais. A história e seus desdobramentos voltam agora aos holofotes. Na próxima terça-feira, a TV Globo exibe, às 23h15, o primeiro dos seis episódios da série documental “Em nome de Deus”. Na sequência, a produção completa estará disponível no Globoplay.

Além do documentário, o caso é investigado também no livro “A casa”, do jornalista Chico Felitti, que acaba de sair pela Todavia. Até o fim do ano, a Globo Livros lança outra publicação sobre o tema, escrita pela jornalista Cristina Fibe, editora adjunta de Sociedade do GLOBO, que revelou na época outros casos de abusos. E, ainda em 2020, e stá prevista a estreia de uma série da Netflix dirigida por César Charlone.

“Em nome de Deus” é a segunda produção do Globoplay em parceria com a equipe de jornalismo da Globo, depois de “Marielle, o documentário”. A série sobre João de Deus tem criação e argumento de Pedro Bial, e roteiro de Camila Apel e Ricardo Calil. A direção é de Mônica Almeida, Calil e Gian Carlo Belotti (que também assina a direção de fotografia).

Além do caso em si, o documentário traz bastidores da denúncia, que teve início com tentativas de ter o médium como um dos entrevistados do programa. O apresentador relata que, após vários contatos, foi convidado a ir a Abadiânia, mas desistiu.

— Se eu fosse como repórter, poderia trazer minhas impressões dele e daquele ambiente. Mas ali, de certa forma, eu estaria como uma celebridade, e não queria que ele usasse isso como um aval para seus poderes mediúnicos, como ele fez com outros nomes conhecidos que o visitaram — diz Bial. — Quando, num momento seguinte, nos deparamos com as denúncias de abusos, começamos a pensar em como lidar com aquele material dentro do nosso formato, de talk show. Não fazer isso seria nos omitirmos diante de algo tão grave.

Os primeiros relatos de abusos de João de Deus foram ouvidos por Camila, que seguiu buscando novas vítimas, sem que nenhuma brasileira se dispusesse a mostrar o rosto, por medo do poder político, econômico e até espiritual do médium. Quando Zahira aceitou a fazer uma entrevista por Skype, a equipe teve certeza de que a denúncia poderia ser levada à frente.

— Desde os primeiros relatos, notamos um padrão, entre vítimas que não se conheciam. Com Zahira, tínhamos um conjunto consistente de denúncias que poderia ser levado ao ar. Foram três meses muito aflitivos, pois havia o medo de eles tentarem proibir a exibição na Justiça, como de fato tentaram — recorda Camila. — Foi um processo muito delicado e demorado, por se tratar de histórias tão terríveis. Muitas vezes, entrevistas deste tipo embutem na pergunta julgamentos. Ali, demos o tempo necessário para que elas falassem.

“Em nome de Deus” traz entrevistas com vítimas brasileiras e do exterior e mostra como a história de outras suspeitas já haviam sido abordadas em programas de TV de outros países, ainda que no Brasil João continuasse uma figura intocável. A equipe relata que segue recebendo outras denúncias, e Bial conta que tenta uma entrevista com o médium. João, de 78 anos, foi posto em prisão domiciliar no dia 30 de março, pelo histórico de doenças e o risco da Covid-19. O apresentador falou com ele recentemente por chamada de vídeo, e o médium garantiu que a primeira entrevista para a TV seria para ele.

— É um desafio contar uma história que ainda está acontecendo, e uma responsabilidade. É algo vivo, não há uma conclusão. Para mim, não interessa o João de Deus, construção mítica, criada ao longo dos anos. Não o reconheço assim, apenas como o João Teixeira de Faria — diz Bial.

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