Entrevista: “Sou um jovem velho”, diz Selton Mello
Ator passou por Goiânia para um bate-papo na 10º mostra O Amor, a Morte e as Paixões
Primeiro foi Sidney, ao lado de Nair Belo e Elias Gleizer, em Dona Santa (1981). Teve Braço de Ferro (1983), Sinhá Moça (1986), a série O Auto da Compadecida (1999) e depois o filme (2000). Foram 35 anos de carreira para Selton Mello, espremidos em apenas 44 de vida.
“Eu me sinto um sobrevivente. Com dez anos eu era famoso e dava autógrafo na escola, saía mais cedo, era parado no shopping com onze anos. Eu credito essa sanidade mental a duas coisas: aos meus pais, que não têm nada a ver com arte. Meu pai foi bancário, minha mãe dona de casa, mas tiveram a sensibilidade de me guiar e me proteger sem me forçar a nada, respeitando as minhas escolhas. Isso é um berço de ouro. Meu núcleo familiar é muito forte, incluindo meu irmão, que também é ator [Danton Mello], e a gente é bastante próximo”, contou ele nesta sexta-feira (17), na entrada do Cinema Lumière.
“O segundo elemento é que no adolescência eu fui interditado. Eu fui ator infantil e com doze anos pararam de me chamar. Fui dublador profissional de filmes, seriados, desenhos, e eu só tinha a voz para me expressar. Isso foi um trauma grande na minha vida. Durante a adolescência, eu vivia assim: eu sou ruim, eu sou feio, eu nunca mais vou ser ator. Isso foi bom, porque me deu um choque de realidade. Eu tive um sucesso e me tiraram. Eu descobri o fracasso, o anonimato, e me deu um pé no chão”. A entrevista aconteceu pouco antes do bate-papo que ele tinha programado durante a 10º mostra O Amor, a Morte e as Paixões, que tem curadoria do professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) e doutor em cinema Lisandro Nogueira.
“Isso é um trabalho muito bonito do Lisandro e do Gerson [Santos, diretor do Lumière], um trabalho romântico e de resistência cultural, de poder levar para o público filmes diversos. Tem clássico, tem filme grande, europeu, filmes goianos, e isso é muito importante em uma mostra que está completando dez anos. Eu estive aqui na primeira edição com Lavoura Arcaica e é muito legal poder retornar depois de tanto tempo. Fazia tempo que eu não vinha a Goiânia, acho que uns dez anos. Acho que para lançar O Cheiro do Ralo, em 2006”.
Projetos
“Eu acabei antes de ontem uma minissérie da Globo chamada 13 Dias Longe do Sol, que eu não sei quando vai passar, acho que final do ano ou janeiro. Com dez capítulos, muito original, do Luciano Moura e da Helena Soares, que são os autores do filme A Busca, com o Wagner Moura. Eu faço um engenheiro de um Centro Médico que está em construção e a Carolina Dieckmann faz a filha do dono desse empreendimento. Ela vai me dar uma dura porque a obra está atrasada, a gente vai para a garagem e o prédio desmorona. A gente fica soterrado, então estou morto, agora, estou acabado, porque foi um trabalho muito físico e emocional. Toda nossa parte é soterrada. Estamos no S5 e nossa missão é chegar no S1. A história se passa no mundo de cima e no soterrado”.
Terminar um projeto, para Selton, não significa férias. Engatilhados, ele já tem um filme e um uma minissérie, como O Alienista, baseada na história de Machado de Assis. “É um conto que eu amo há mais de 20 anos. Já tive vontade de fazer um filme sobre isso, mas achei que era complicado, porque é uma reconstrução de época muito grande, é século 19, e apresentei esse projeto para a Globo, que a achou uma ideia ótima. Vai ser a minha estreia na Globo como diretor e eu também vou atuar fazendo o protagonista, que é Simão Bacamarte. É um projeto que no momento está sendo escrito. A adaptação é feita pelo Felipe Miguez, autor da novela Cheias de Charme, e o Marcelo Vindicatto, que é o roteirista que trabalha comigo em cinema. Vai ser uma minissérie de dez capítulos”.
“O Filme da Minha Vida é o meu terceira longa-metragem como diretor – que, aliás, pretendo encontrar todos aqui de novo quando eu voltar para lançar, porque certamente vou vir – que é baseado num livro do Antônio Skármeta, um autor chileno que escreveu o livro que deu origem a O Carteiro e o Poeta. Ele também é autor de uma peça de teatro que gerou um filme chamado No, com Gael García Bernal. A história é curiosa porque ele me procurou e eu achei que era trote. Eu falei ‘por que o cara d’O Carteiro e o Poeta tá atrás de mim pra eu fazer um filme?’, O Carteiro é um clássico do cinema mundial. O que acontece é que o Skármeta é um apaixonado pelo Brasil, vive no Brasil, tem amigos brasileiros, é parceiro musical do Toquinho”.
“E aí teve O Carteiro e Poeta, que é um filme ítalo-americano, o No, que é chileno, e teve um outro argentino, e ele tinha esse sonho de ter um daqui. E ele perguntou para um amigo gaúcho, disse ‘cara, eu tenho esse livro aqui, se chama Um Pai de Cinema, acho que tem tudo a ver, quem eu procuro?’. E na época estava passando O Palhaço. Eu demorei uma semana achando que era trote, e quando eu li o livro, vi que era o meu próximo filme”.
“Tem o Rolando Boldrin, que é uma coisa que eu gosto de fazer sempre, misturar atores conhecidos e desconhecidos do público, e também trazer pessoas que eu acho que deviam estar nos holofotes e não estão. Foi assim com o Moacyr Franco n’O Palhaço, foi assim com a Darlene Glória no Feliz Natal, foi assim com o Cláudio Cavalcante no Sessão de Terapia. Acho que é uma profissão muito cruel, que é muito ligada no novo, no lançamento, mas que muita gente boa que as pessoas deixam de olhar. Quem amou O Palhaço vai amar este também. É um filme para sonhadores”.
Parcerias
“Tenho vontade de trabalhar com a Grazi Massafera, que é uma menina muito legal e que está se desafiando muito. O Verdades Secretas, para ela, foi uma virada muito grande na vida. Esse personagem que eu pretendo que ela faça é uma mulher feia, e acho que ela está querendo isso agora. Ela tem uma qualidade muito rara, que é, apesar do caminho muito louco, tem humildade e vontade de querer aprender. Vamos ver se dá certo de fazer [O Alienista] com ela”.
Em entrevista ao Adoro Cinema no final de janeiro, a atriz Tatá Werneck revelou seu desejo de trabalhar com Selton e ser dirigida por ele. O ator e diretor não titubeou: “A Ingrid [Guimarães] foi minha companheira de escola de teatro. A gente era da mesma turma do tablado, e eu já olhava para a Ingrid e via que ela ia ser um sucesso. Na outra turma tinha a Heloísa Perissé, e foi ali que elas se conheceram. A Ingrid e a Tatá [Werneck] me procuraram [para direção], a Ingrid por ser parceira antiga e a Tatá pela gênia que ela é, é uma mente muito fervilhante e peculiar, e parece uma ideia ótima. Mas é tanta coisa que eu faço que eu disse ‘olha, vou amar, mas não estou com cabeça agora, se vocês arrumarem alguma coisa a gente volta a conversar mais adiante’. Eu ia começar a gravação da minissérie [13 Dias Longe do Sol], ia ficar literalmente soterrado [risos]”.
Profissão
“A direção veio de uma forma bem orgânica na minha vida como uma forma de me expressar, de uma forma mais ampla. Como ator você pensa no seu personagem apenas, e como diretor, você pensa em trinta. É muito rico, e quando comecei a dirigir foi muito encantador, porque abriu um mundo para a minha criatividade gigante. De certa forma, alimentou o meu lado ator, porque não olhei mais para o meu ofício de ator da mesma forma. Ser ator agora é férias, é fácil, é leve, é brincar. O fato de eu fazer as duas coisas não me deixa nunca em uma zona confortável: quando estou começando a relaxar como ator, eu dirijo, que me dá um tesão diferente; quando estou diretor demais, volto para o ator”.
“Tenho tido vontade de experimentar… É uma coisa muito geracional, na minha idade eu olhava para rede social de uma forma muito ‘não quero ter isso’, até que agora tenho uma página no Instagram e foi uma coisa que comecei a gostar, é um contato com o público. E estudando melhor esse mundo, estou começando a me movimentar para criar algo para minha página no Instagram, ficção, algo em série. Acho que é algo pouco explorado. Tem um público ali que talvez nem conheça meu trabalho, uma garotada de 13, 14 anos que não viu O Auto da Compadecida, não viu Johnny, e de repente vão gostar disso. É uma retroalimentação”.
“Selton, nesta semana está acontecendo no Rio Branco uma Mostra Nacional só com filmes estrelados por você. Como é saber que já tem cineclubista fazendo Mostra Selton Mello?”, perguntamos.
“‘Tô sabendo por você”, respondeu ele, surpreso. “Bonito. Muito me honra me saber disso. Os jovens atores todos me procuram, me ligam, eles falam ‘o que eu devo fazer? Você acha que eu faço esse filme? Você acha que eu faço essa série?’ Acho que eles me veem como uma referência de alguém que fez boas escolhas. Costumo dizer que é uma profissão muito dura, que existe uma aura de glamour mas na verdade é uma ralação danada, diária e constante, que exige muito estudo. O fato de ter minha obra revisitada já tão jovem – eu acho que é porque eu sou um jovem velho. Um jovem que já tem história. Nem sei quantos filmes eu já fiz, acho que mais de 30”.
“Você fez 32”, ofereceu o professor Lisandro.
“Com ele descobri que fiz 32 filmes, com ele descobri que está tendo uma mostra em Rio Branco… [risos] Legal saber que eu inspiro, que gente pode ver meu trabalho e se inspirar de alguma forma. Entrar na profissão é difícil, mas é possível se você tiver talento, vocação, paciência, perseverança, estar no lugar certo na hora certa e batalhar. Mas mais difícil ainda é permanecer interessante e interessado ao público – isso é a grande arte”.