Envolto em polêmicas, Aquarius chega aos cinemas de Goiânia nesta quinta-feira (8)
Filme de Kleber Mendonça Filho retrata a luta de uma mulher para preservar sua história contra a ganância corporativa
Objeto de polêmica e sucesso de público e crítica, o filme Aquarius chega aos cinemas de Goiânia nesta quinta-feira (8). A produção estreou em outras cidades no dia 1º, acumulando 55 mil espectadores em seu primeiro fim de semana de exibição, tornando-se a segunda maior abertura de nacional do ano.
A obra, escrita e dirigida por Kleber Mendonça Filho, começou sua breve trajetória de sucesso ao ser aplaudida de pé no festival de Cannes, na França, onde foi exibida na mostra competitiva em maio deste ano. Na ocasião, a equipe de produção aproveitou a oportunidade para protestar contra o contexto político por qual passava o Brasil, com o processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff em andamento. No tapete vermelho, atores, produtores e o diretor denunciaram, em francês e em inglês, que o Brasil estava passando por um “golpe”, afirmando que o mundo não poderia “aceitar o governo ilegítimo”.
A repercussão no Brasil foi imediata. Personalidades contrárias ao posicionamento político da equipe suscitaram campanhas de boicote e alguns jornalistas publicizaram seu desdém pela obra. Um deles, Reinaldo Azevedo, colunista da revista Veja, teve inclusive uma de suas frases utilizadas de forma irônica no cartaz de divulgação do filme: “O dever das pessoas de bem é boicotar Aquarius”.
Algum tempo depois, o Ministério da Justiça, já sob o governo Michel Temer, concedeu ao filme a classificação de não indicado para menores de 18 anos, alegando que a trama teria “uma situação sexual complexa”. A medida, considerada injustificada pelos produtores e pelos críticos de cinema que já haviam avaliado a peça, foi vista como uma tentativa de enfraquecer o filme, retirando o potencial público de 16 e 17 anos e fazendo com que estivesse sujeito a perder lugar em salas de cinema. Passada a polêmica, porém, o próprio Ministério da Justiça voltou atrás em sua decisão na última semana e modificou a censura para 16 anos.
Como se não bastasse todo esse imbróglio, o filme ainda virou centro de nova polêmica política quando o crítico de cinema Marcos Petrucelli foi escolhido para integrar a comissão de nove pessoas que vai escolher o representante brasileiro para concorrer a uma vaga no Oscar no próximo ano. Petrucelli já havia se manifestado de forma contrária ao protesto feito pela equipe de Aquarius, e sua nomeação foi vista como uma tentativa de boicotar suas chances de premiação.
O resultado foi a saída de dois dos principais concorrentes de Aquarius na vaga para o Oscar: “Mãe só há uma” e “Boi Neon”. Os idealizadores das obras, respectivamente Ana Muylaert e Gabriel Mascaro, decidiram retirar os filmes da disputa como forma de protesto à suposta parcialidade da comissão julgadora e aumentando as chances da produção de Kleber Mendonça. O diretor, inclusive, chegou a escrever um artigo para a Folha de S. Paulo criticando a escolha de Petrucelli, que, por sua vez, também publicou um texto no mesmo jornal salientando que divergências políticas não interferem em seu trabalho e que ele é apenas um dentre os integrantes da comissão.
Preservando memórias
Se o filme vale todo o estardalhaço gerado, os goianienses vão poder descobrir a partir desta quinta, quando estreia nos cinemas Cinemark, do Shopping Flamboyant, Kinoplex, do Goiânia Shopping, Cinépolis, do Shopping Cerrado, e Lumière, do Shopping Bougainville. Neste último, inclusive, os mais ansiosos puderam conferir a pré-estreia na noite desta quarta-feira (7).
A trama gira em torno da sexagenária Clara, vivida por Sonia Braga naquela que é tida como a melhor atuação de sua carreira. Viúva, solitária, com três filhos já criados e carregando consigo as cicatrizes físicas e emocionais de um câncer que venceu décadas atrás, ela precisa encarar um novo desafio quando uma construtora passa a assediá-la para que venda o apartamento onde mora.
Última moradora do Edifício Aquarius, ela recusa-se a permitir que o antigo prédio seja demolido para dar lugar a um novo empreendimento, visto que ali estão depositadas décadas de memórias e símbolos afetivos. A divergência gera uma série de conflitos, inclusive com sua própria família.
Tal qual o último filme de Kleber Mendonça, “O Som ao Redor”, “Aquarius” desenvolve sua história sob um clima de mal-estar social que cria um tipo de tensão próxima a de filmes de terror ou suspense – o que fica mais evidente nos pesadelos da protagonista. Ainda assim, a obra é pontuada com toques sutis de humor e não deixa de prezar pelos momentos de afeto, sem nunca escrachar para o melodrama.
Clara também não é retratada em nenhum momento apenas como uma idosa que se nega a aceitar a inevitabilidade do “progresso”. Afinal, se ela, enquanto jornalista e crítica musical, não deixa de prezar pelas sensações e histórias contidas em um LP comprado em um sebo de uma cidade distante, nem por isso se nega a ouvir músicas por streaming ou a pedir a seu sobrinho que grave as canções de que mais gosta em seu celular.
A música, aliás, é um fator preponderante para o filme e permeia boa parte das 2h25 de projeção. A sonoridade e as próprias letras dos acordes de Queen, Roberto Carlos, Maria Bethânia e Gilberto Gil ajudam a dar o tom aos momentos dos personagens, sem que pareçam intrusivos ou excessivos.
Tanto quanto os elementos sonoros, diversos simbolismos em aspectos físicos e visuais ajudam a estabelecer a profundidade da trama sem a utilização de recursos óbvios. Se os cabelos de Clara aparecem “à là” Elis Regina nos primeiros minutos de filme, é para que os diversos momentos subsequentes em que exibe suas longas madeixas transpareçam sua independência, seu apreço pela liberdade e a maturidade adquirida ao longo dos anos — inclusive pelas duras batalhas enfrentadas. Da mesma forma, uma simples cômoda presente em diversos momentos da narrativa passa a representar as décadas de história (de dores, amores e luxúria) que Clara tenta preservar.
Mas é na força do elenco que o filme se destaca. Sempre sutis, os personagens transmitem suas emoções de forma singela, seja com um gesto, no jeito de sorrir, nas lágrimas que se acumulam nos cantos dos olhos ou na forma com que as palavras perdem potência e criam um nó ao tentarem sair da garganta durante uma discussão familiar.
É com essa sutileza que Aquarius elabora a dicotomia entre a afetividade e o corporativismo que não sabe demonstrar empatia, revelando em seu subtexto a carga de tensão social praticamente onipresente no Brasil desde sua fundação. Ainda assim, apesar de toda a comoção gerada, o filme nunca entra no mérito do nosso contexto político atual, e (mais importante que isso) nunca perde seu tom humano. Dessa forma, a obra de Kleber Mendonça consegue tocar corações e mentes de seus espectadores de forma equânime, a despeito de classes sociais ou correntes ideológicas.