Funk 150 BPM

Com ‘Coisa Boa’, Gloria Groove quer uma mistura entre frevo e resistência

A cantora divulgou a nova faixa de Funk 150 BPM - com um videoclipe inspirado em 'Orange Is The New Black' e 'Telephone', de Lady Gaga - nesta quinta-feira (10)

Nesta quinta-feira (10), Gloria Groove lançou uma aposta de hit para o Carnaval 2019: Coisa Boa. A faixa abandona um pouco as raízes Hip Hop da cantora e abraça com força o Funk 150 BPM. “Comecei a admirar bastante essa onda, com artistas como Nego do Borel, por exemplo. Ficava louca vendo estes funks que estão saindo. Então, quis experimentar”, disse a artista ao Mais Goiás.

A canção – claro – foi gravada no Rio de Janeiro, com produtores cariocas. “Vi que a música tinha potencial para se tornar algo maior e melhor”, sublinhou Gloria. O que, à primeira vista, parece um remix de Bella Ciao (ou Só Quer Vrau) é muito mais do que um sanfoninha acelerada. “Quero que Coisa Boa seja a minha música de resistência”, apontou.

A drag queen explicou que esta é uma faixa em que ela fala na primeira pessoa – ao contrário de outros hits, como Bumbum de Ouro, por exemplo – justamente para se colocar na mensagem. “As pessoas entendem quando eu faço as duas coisas, o fogo e a luta”, frisou.

“As pessoas gostam de gostar de um artista por fazer algo. O público entende e gosta quando eu uso minha voz de uma maneira diferente”, afirmou. Posicionamento e resistência política, entretanto, não são novidade no trabalho de Gloria Groove. Vide o primeiro disco da cantora, O Proceder, lançado em 2017. “Preciso muito me fazer presente agora, porque não sei o que vai ser da minha comunidade [LGBTQ+] nos próximos anos”, disse, referindo-se à política do país.

“Quero mais bichas geniais perto de mim”

Gloria Groove caracterizada de Lady Gaga (Foto: Reprodução/YouTube)

O videoclipe de Coisa Boa foi dirigido por Felipe Sassi. Este é o quinto trabalho de Gloria com ele, contando as parcerias musicais com Léo Santana, Lexa e Aretuza Lovi. “Ele é uma bicha genial e eu quero mais bichas geniais perto de mim”, brincou.

Segundo a cantora, os dois têm ideias muito parecidas, referências da mesma época e ambos são Little Monsters, apelido dado aos fãs da cantora Lady Gaga. Aliás, foi dessa paixão pela popstar que veio uma das referências para o videoclipe: Telephone, uma parceria da norte-americana com Beyoncé, lançada em 2010.

Assim como Gaga, Gloria está em um presídio (de verdade, aliás; abandonado). Em uma das cenas, ela está com figurino idêntico ao da popstar. Outra referência foi a série original da Netflix, Orange Is The New Black.

Assista ao vídeo de Coisa Boa, de Gloria Groove:

A caneta mais rápida do pop

Desde 2017, Gloria Groove não lança disco. Só singles. Um atrás do outro. “Eu nunca paro. Sempre gravo, junto material, componho. Um novo álbum, que é um projeto pessoal que tenho, pode estar mais perto do que imaginamos”, disse ela, misteriosa.

A drag queen tem um processo criativo intenso e elogiado por outros artistas. Em entrevista ao podcast Um Milkshake Chamado Wanda, do PapelPop, Lia Clark afirmou que ficou surpresa com a rapidez de Gloria ao gravar com ela. Segundo contou, a cantora fez sua parte da faixa no carro, a caminho do estúdio.

Groove riu da declaração e disse nem sempre foi assim. Antes de se tornar drag queen, só estudava muito. “Passava horas ouvindo músicas com a letra aberta, decorando-a para cantar na balada e humilhar as amigas (risos). Isso é um estudo. Me influencia. Acabei criando uma enciclopédia”, contou.

Só depois que o Daniel se tornou Gloria Groove, há quatro anos, é que as composições vieram mais rápido. “Passei a me sentir muito mais livre para compor”, sublinhou. Para ela, ser drag deu-lhe vários pontos de vista e abriu “uma frestinha” para uma expansão de criatividade.

No mainstream

De dois anos para cá, drag queens estão conquistando espaço na lista das músicas mais tocadas do Brasil. Pabllo Vittar, Lia Clark, Aretuza Lovi e a própria Gloria Groove são exemplos desta expansão no mercado fonográfico. Romperam a bolha de um nicho e alcançaram o mainstream.

Para ela, o início de tudo foi a popularização do reality show estadunidense RuPaul’s Drag Race, no qual drag queens competem em provas para mostrar seu talento e ganhar o título de “Superstar Drag da América”. “Mesmo com o sucesso inegável das participantes nos EUA, elas não atravessam a bolha como fazemos aqui”, disse.

“Isso não seria possível sem o impacto que a cultura drag já tinha no Brasil”, analisou Gloria, citando nomes que vieram antes dela e já faziam sucesso por aqui, como Rogéria e Silvetty Montilla. “Mesmo em um dos países que mais matam travestis e transsexuais no mundo. É paradoxal e necessário [o trabalho delas]. Estamos ressignificando muita coisa”, continuou.

Ela também discorda do termo “drag music”, utilizado diversas vezes para categorizar o trabalho dela e das demais artistas citadas. “A gente faz música. Este é só mais um termo para nos segregar de novo”, pontuou.

Algo, para a cantora, impensável. Hoje ela se vê como uma plataforma de amor e ambientação; alguém que possa causar identificação. “Já imaginou onde eu ou a Pabllo [Vittar] estaríamos se, quando jovens, tivéssemos artistas com os quais pudéssemos nos identificar?”, indagou. “Me deixa muito feliz saber que existe esse espaço que possibilita a nossa existência”, destacou.