Comentários no BBB 19 levam a inquérito policial, e especialistas apontam que ocorreu racismo
Declarações feitas por participantes faziam críticas a crenças de matriz africana; emissora afirma que falas de confinados não refletem posicionamento da TV
Comentários feitos no confinamento do reality show BBB 19 estão saindo da casa para a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância, no Rio. Um inquérito, que corre sob sigilo, foi aberto para averiguar se procedem acusações de racismo e intolerância religiosa contra dois participantes do reality show.
Um dos episódios que geraram revolta nas redes sociais ocorreu no último domingo, enquanto os confinados Rodrigo França e Gabriela Hebling, ambos negros, escutavam a música “Identidade”, de Jorge Aragão, emocionados com os versos “Temos a cor da noite/ Filhos de todo açoite/ Fato real de nossa História”. O participante Maycon Santos afirmou ter sentido um “arrepio estranho”.
— Cumprimentei (a Gabriela e o Rodrigo), conversei e, de repente, senti um arrepio. Começaram a tocar umas músicas esquisitas. Olhei para os dois, num sincronismo legal. Achei legal, juro por Deus. De repente, comecei a olhar e escutar uns negócios. “Não faça igual a eles.” Aí veio Jesus Cristo na minha mente. “Se fizer igual a eles, eles ganharão mais força”. Eu não sou doido — afirmou Maycon.
Para Alexandre Marques, professor de filosofia da Uerj e pastor presbiteriano, os comentários podem ser considerados discriminatórios.
— Qual o significado de Jesus numa fala dessas? Com certeza não é o Jesus bíblico. Não é necessário criar concorrência e muito menos criar demonizações para enaltecer Jesus — afirma o professor e religioso. — São frases racistas. Se eles fossem brancos, de olho claro e adeptos do budismo, que também invoca antepassados, duvido que tivessem feito essa relação.
Rodrigo França, segundo parentes, é budista, mas foi criado em uma família iniciada no candomblé, e costuma explicar a religião de matriz africana a outros participantes. Esses discursos foram alvo de críticas da também confinada Paula von Sperling, que afirmou ter “muito medo” do participante. Questionada se o seu “medo” era de ser mandada por ele para o paredão, votação para eliminar um candidato, respondeu:
— Não, eu tenho medo de eu ser líder e mandar o Rodrigo para o paredão. Ele mexe com esses trecos aí. Ele fala o tempo todo desse negócio de Oxum deles lá. Eu fico com medo disso tudo — afirmou Paula, que foi aconselhada por outra participante a não fazer esse tipo de comentário, mas continuou: — Eu não sou (preconceituosa), não. Nosso Deus é maior.
REFLEXO social
Para o babalaô Ivanir do Santos, esse tipo de episódio não pode ser deixado de lado.
— O fato de estarem participando de um reality show não os isenta de responder por falas racistas. Cabe ao Ministério Público abrir uma ação civil de forma imediata. Tem uma particularidade no Brasil de as pessoas acharem que racismo é brincadeira. Mas não é. É ofensa.
Paula já tinha se envolvido em um debate sobre racismo anteriormente, ao ouvir que uma participante tinha cabelo encaracolado e dizer que também já teve “cabelo ruim”. Foi rebatida por Gabriela, que afirmou que “ruim era ter preconceito”.
Também não foi o primeiro comentário de Maycon apontado como preconceituoso. O confinado sugeriu que Gabriela tinha feito um “trabalho” para que outra participante ficasse gripada.
— O preconceito com religiões de matriz africana é histórico. Isso se deve ao fato de serem religiões ligadas originalmente aos subordinados, aos pobres, aos destituídos de poder. Esse episódio do programa reflete algo que está fora dele — afirma Sonia Maria Giscomini, professora de Sociologia do Iuperj.
Em nota, a TV Globo informou que ainda não foi notificada sobre o inquérito, que os comentários feitos pelos participantes não refletem o posicionamento da emissora e que a mesma possui uma série de iniciativas de combate a intolerância.
“Não fomos notificados, mas é importante pontuar que a Globo respeita a diversidade, a liberdade de expressão e repudia com veemência qualquer tipo de intolerância e preconceito, em todas as suas formas. É importante reiterar que qualquer manifestação pessoal, equivocada ou não, feita pelos participantes do programa não reflete o posicionamento da emissora.”